segunda-feira, 2 de junho de 2014

Semideuses, poderosos e intocáveis

buscado no Gilson Sampaio 

 

via Porfírio

Ministros do STF são nomeados  pelo chefe do Executivo, ganham cargos vitalícios e detêm superpoderes
O Supremo Tribunal Federal, com seus ministros de mandatos  praticamente infinitos a partir de nomeações de viés político e abrangências decisórias ilimitadas, compõem a mais perfeita prova de que há um lixo autoritário explosivo, intocável, produzido bem antes mesmo da ditadura militar e que é preservado incólume por que a grande maioria dos congressistas é formada por uma corja de rabo preso e ninguém tem peito de dizer certas verdades que contrariem os senhores das nossas liberdades e dos nossos direitos.
Esse escândalo recente espetacularizado com o anúncio da aposentadoria precoce do ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes traz de volta essa incongruência herdada da Constituição de 1891: um ministro nomeado com base em articulações políticas ganha poderes indiscutíveis para o resto da vida e só é obrigado a pendurar a toga aos 70 anos.  

Marco Aurélio Mendes de Faria Mello foi nomeado por seu primo, o então presidente Fernando Afonso Collor de Mello, quando tinha 44 anos: terá 26 anos de poder quase discricionário. José Antônio Dias Toffoli, ex-advogado do PT, foi empossado no Supremo um mês antes de completar 42 anos. Terá 28 de casa, comida e roupa lavada com os maiores proventos da República e poderes incomensuráveis. Gilmar Mendes saltou do governo FHC em 2002, aos 47 anos.  Fica com a toga por 23 anos.

O STF é o píncaro do judiciário e onde a escolha de um ministro é atributo do presidente, apesar da sabatina no Senado, que dificilmente reprovaria uma indicação. Mas não é o único: O Superior Tribunal de Justiça, que tem indicações fatiadas em três segmentos, também garante os mandatos até os 70 anos.
Nos tribunais de contas, as indicações são negociadas no Congresso: vários ministros e conselheiros são ex-parlamentares ou resultam de acordos políticos, como o que fez ministra do TCU a mãe do então governador Eduardo Campos. Ana Maria Arraes,  que obteve o diploma de bacharel em direito aos 51 anos, foi nomeada para o TCU em 2011, já com 64 anos, 13 anos depois de graduada pela Universidade Católica da Bahia, e a um ano do prazo limite para ser indicada.
A vitaliciedade dos cargos nas cortes superiores não é uma regra geral no mundo ocidental. Os membros dos tribunais constitucionais europeus exercem mandatos por tempo certo, como é o caso de Portugal, Alemanha, Espanha e Itália. Nas cortes da Alemanha e na sul-africana os ministros têm os maiores mandatos, doze anos; na italiana e na espanhola, nove; na Colômbia e no Chile, oito anos; e em Portugal, seis anos com direito a uma recondução.
Há outra diferença importante, segundo observou o procurador federal Gustavo Augusto Freitas de Lima, pós-graduado em Direito Público: "A Corte constitucional no modelo europeu é criada para conhecer exclusivamente do contencioso constitucional, estando situada fora do aparelho jurisdicional ordinário".  

"O Brasil adota um sistema misto, praticamente sem paralelos em outros sistemas judiciais. O Supremo acumula as funções de Corte Constitucional e, em alguns casos, de última instância recursal. Essa função é, de certa forma, exercida paralelamente ao Superior Tribunal de Justiça, inclusive com a possibilidade de interposição simultânea de recursos às duas Cortes, ainda que se exija distinta fundamentação. Este sistema cria a estranha possibilidade de dois Tribunais Superiores examinarem a mesma questão. Além de toda essa hercúlea tarefa, o STF ainda se digna a atuar como quarta instância judicial para o julgamento de habeas corpus. É, de fato, um sistema ímpar, de competências excessivamente amplas".

Se fosse só isso. Os ministros do STF atuam como legisladores e  revogam leis como a que garantia a impressão do voto nessas urnas eletrônicas. E vão mais longe: ano passado, o ministro Luiz Fux se arvorou da condição de mediador da greve dos professores no Estado do Rio.
Quando se pensou o Conselho Nacional de Justiça para fazer um controle externo do Judiciário os ministros garantiram que seu presidente seria o mesmo presidente do STF e ainda formataram uma composição em que 9 dos 15 conselheiros são magistrados: na minoria, dois membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Só quem é cego ou ingênuo não percebe que o sistema tratou de salvaguardar seus interesses através do Poder Judiciário. Os delírios autoritários do ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes expressaram apenas de forma sincera e ostensiva a potencialidade abrasiva enfeixada emblematicamente em 11 senhores. Isto no primeiro escalão do modelo ditatorial de Justiça.
Sei que são inúteis e quixotescas as minhas observações, por que nada se pode esperar de um Legislativo em que 273 dos 513 deputados e 42 dos 81 senadores respondiam a processos em 2013, segundo dados da Transparência Brasil. Aliás, informe-se, tramita no Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 457/05, que estende de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos servidores públicos, defendida pessoalmente por alguns ministros do STF, como Marco Aurélio Mello, que já em 2002, quando da aposentadoria do ministro José Néri da Silveira, questionou em seu discurso a aposentadoria compulsória.
Mesmo assim, apesar de tantas pusilanimidades, deixo aqui as informações para ver se alguém se toca e começa a refletir sobre toda essa farsa que chamam indevidamente de regime de direito. Um regime que está em mãos de 11 semideuses.

Para ser corte constitucional

Neste contexto, Walber Agra afirma que para que o Supremo Tribunal Federal brasileiro se transforme verdadeiramente em um Tribunal Constitucional, haveria que se modificar a forma de nomeação de seus ministros. Entre tais mudanças, indica o autor a necessidade de se estabelecer a temporalidade de seus mandatos, com mandatos fixos, sem a possibilidade de reeleição (AGRA, 2006, p. 272).

(citado por Gustavo Augusto Freitas de Lima)


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