O engraçado é que, quase 10 anos
depois, nós, que nos criamos na crítica a certas práticas, ainda não
conseguimos criar outras mais fortes que as superem. Por Quatro coroas
1.
Depois de junho (e estas três palavras
parece que vão virar lugar comum em textos políticos daqui por diante),
percebemos que tem muita gente nova chegando nos coletivos que
integramos. Essa galera, gente com quem estamos colando de boa, usa
muito o discurso “apartidário”, mas rola uma “diferença de gerações” na
hora de entender o que isso quer dizer; nós, que estamos entre os 27 a
35 anos, entendemos essa palavra de um jeito diferente. Nossas histórias
são bem diferentes, vivemos coisas diferentes, em momentos diferentes;
lutamos contra adversários que podem parecer os mesmos, mas que agiam
diferente antes; enfim, parece que chegamos ao mesmo lugar por caminhos
diferentes.
Por isso, um de nós teve a ideia de
juntarmos um pouco da nossa história num só lugar. Assim poderemos tirar
do esquecimento alguns fatos importantes e ao mesmo tempo mostrar como
foi que chegamos onde estamos.
2.
Tem gente entre nós que entrou no
movimento estudantil ainda em 1998, na universidade. Tempos duros, pois a
situação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) era crítica. Estas
restrições financeiras são bem ilustradas pelo fato de o movimento
estudantil da época viver uma polêmica pesada e, aos olhos de hoje,
talvez assustadora: a maioria da esquerda tradicional no movimento
estudantil usava o discurso político clássico de atacar o ministro da
Educação, Paulo Renato de Souza, falando da submissão aos interesses do
FMI e do Banco Mundial, etc., enquanto uma minoria da esquerda
heterodoxa – anarquistas (entre os quais eu), marxistas libertários,
autonomistas etc – queria envolver o dito “estudante comum” nestas
discussões e mobilizações a partir das consequências desta falta de
recursos no cotidiano, que iam desde água e luz cortadas, tetos caindo
na cabeça de alunos, instalações elétricas condenadas, bibliotecas
desatualizadas, até falta de papel higiênico. (Sim, durante quase toda
minha graduação tive que limpar a bunda com papel de caderno amassado.
Até esta técnica tivemos que inventar para sobreviver.)
Naquele tempo, eu já era um anarquista
de carteirinha, mas tudo ainda andava muito mais no campo do ideológico
do que na prática. Minha curtíssima experiência punk já tinha muitos
anos de encerrada, não me via próximo de sindicato algum para tentar
qualquer militância neste campo, e o bairro onde eu morava não era outra
coisa além de um dormitório onde acordava pela manhã e ia dormir à
noite. A universidade era um lugar quase natural para minha ação
política, mas quase nenhum anarquista atuava no movimento estudantil da
UFBA além de três num curso, dois em outro, um num terceiro… todos
isolados. Além disso, os problemas imediatos da universidade apontavam
muito mais a necessidade de fazer alguma coisa com quem andava mais
próximo – e isso incluía petistas e “independentes” – do que a
necessidade de buscar outros anarquistas em outros lugares antes disso.
Minha integração com movimentos
anarquistas só veio a acontecer em 2000, durante o Congresso da UFBA,
idealizado e executado pelo PT, que na época havia recém-tomado o DCE
das mãos do PCdoB [Partido Comunista do Brasil), para dar o golpe de
misericórdia nos “cururus” (apelido que dávamos aos comunistas). Éramos
cinco anarquistas, seis comigo, quando me convidaram para conversar
sobre o assunto no bar do Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA). Já
no primeiro dia do congresso, quando um panfleto com nossas propostas
foi distribuído, éramos sete, e cumprimos bem o papel de “terceira
força” num jogo de cartas marcadas onde aparentemente apenas dois
adversários eram permitidos. Defendíamos, entre outras coisas (não
lembro de tudo, pois o panfleto foi perdido há muito tempo), que o DCE
fosse substituído por fóruns temáticos por área e que destes fóruns
saíssem delegados com mandatos vinculados a tarefas específicas. Durante
as oficinas e debates, fomos convencendo tanta gente que pouco antes da
plenária final já éramos mais ou menos trinta, e fomos derrotados na
votação da proposta de substituição do DCE pelos fóruns temáticos por
uma diferença de apenas sete votos numa plenária com mais de trezentas
pessoas.
Parecia “bobagem” atacar os
“companheiros” do PT e do PCdoB (o PSTU existia, mas era irrelevante na
época) quando estávamos todos unidos na oposição aos governos da Bahia e
federal. Mas aquilo que para tantos era “erro tático” ou “criancice”
não era outra coisa além da intuição do que aconteceria caso nossos
“companheiros” – que fraudavam ou roubavam urnas nas eleições para o
DCE, que agiam com os estudantes como generais diante de uma turba de
soldados que mandariam para a morte sempre que necessário para atingir
seus objetivos, que diziam uma coisa em reunião e faziam outra depois,
etc. – fariam caso chegassem ao poder. Era melhor lutar pela destruição
do poder, pela pulverização do poder, pela horizontalização do poder,
era melhor lutar por qualquer que fosse o nome de outra coisa além da
reprodução do velho com roupas novas.
Quando veio a jornada de lutas pela cassação de Antonio Carlos Magalhães
(ACM), em maio de 2001, parecia que era mesmo um grande erro. Afinal,
não era aquela moça do PCdoB quem estava ao meu lado no Vale do Canela,
de camisa amarrada no rosto, jogando paralelepípedos na tropa de choque?
(Hoje ela está na Itália, militando no Partito di Alternativa Comunista.)
Não era aquela moça do PT ajudando a tirar gente de dentro da Faculdade
de Medicina para escaparem do gás e dos cachorros? (Hoje ela ainda está
na Bahia, trabalhando numa ONG que executa projetos sociais para a
Petrobras.) Não era aqueles meninos e meninas do CEFET [Centro Federal
de Educação Tecnológica] a chegar por baixo, pelo Vale do Canela, a nos
ajudar a sair do cerco policial? (Hoje eles estão em vários lugares.)
Mas, dois anos depois, a Revolta do Buzu veio mostrar o quanto estávamos
certos. PT e PCdoB mostraram ali como podem trair reivindicações de
massa muito claras em troca de sua “pauta histórica” – pauta justa, mas
sem qualquer ligação imediata com o desejo de tantos milhares de pessoas
que estavam em luta nas ruas. Jogaram fora uma oportunidade de ouro de
fortalecer os movimentos de rua e, depois, aí sim, trazer de volta sua
pauta histórica e empurrá-la goela da Prefeitura abaixo. O combate aos
métodos dos partidos políticos nos movimentos sociais não era mais um
problema teórico, mas uma questão prática importante demais para ser
deixada para “depois da revolução”.
Voltando ao assunto, por volta de 2002,
havíamos conseguido – o movimento estudantil inteiro – evitar na marra
que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e seu ministro da Educação
vendessem universidades públicas para a iniciativa privada – sim, isto
mesmo, vender; literalmente, compra e venda, com papel passado e tudo,
sabe? Por tabela, conseguimos queimá-lo tanto que ele teve que desistir
de suas pretensões de pré-candidato do PSDB à presidência. Meio por
necessidades do ensino fundamental, meio pela crise econômica vivida
pelo Brasil desde 1998, meio por vingança contra as universidades
públicas em luta, Paulo Renato arrochou ainda mais o orçamento para as
universidades públicas, e o que já era ruim foi piorando. Mas com o
começo do primeiro mandato de Lula em 2003 nada mudou muito. Como ainda
estavam “arrumando a casa” depois de terem recebido a “herança maldita”,
não houve qualquer mudança significativa no trato com as universidades
públicas – apesar de Cristovam Buarque ter aparecido aos olhos de muitos
como promessa de mudanças positivas. A UFBA crescia vigorosamente
enquanto polo de pesquisa e inovação tecnológica. “Hein? Como assim?
Desse jeito?” Sim. São as contradições do real. A infraestrutura era,
literalmente, uma merda, mas a UFBA estava bombando. Acontece que os
“anos FHC” levaram à busca de saídas privadas para um problema público.
Para se ter uma ideia, um debate recorrente na mídia, na opinião pública
e na universidade na época era que os estudantes de universidades
federais deveriam pagar mensalidades, pois todos eram ricos vindos de
bons colégios e os pobres eram uma minoria insignificante que poderia
ser contemplada com isenções. Na falta de recursos públicos, grupos de
pesquisa dentro da universidade buscaram solução na parceria com
empresas privadas. E assim a pesquisa acadêmica passou a ser, mais
profundamente que antes, extensão da P&D [Pesquisa &
Desenvolvimento] empresarial.
Em
2002, Naomar de Almeida Filho, professor do Instituto de Saúde Coletiva
(ISC), foi eleito reitor pela esquerda “pelega”, composta pela direita
do PT, por professores ligados ao que de pior havia em termos de
privatização interna da universidade pública e por todas as máfias de
grupos de pesquisa captadores de recursos na iniciativa privada. Ainda
no primeiro governo Lula, Tarso Genro assumiu o ministério da Educação
depois de Cristovam Buarque e começou uma reforma universitária fatiada.
O movimento estudantil da UFBA concordava que esta reforma era uma
forma disfarçada de aprofundar a privatização interna através das
parcerias com grupos de pesquisa da pós em detrimento da graduação,
amplamente sucateada. Assim que surgiram as primeiras notícias sobre a
reforma universitária, em 2004, os estudantes puxaram uma greve
política, sem qualquer coordenação com greves docentes ou de servidores.
Nós arrastamos os outros dois setores para a greve e recebemos bastante
apoio da APUB [Sindicato dos Professores das Instituições Federais de
Ensino Superior da Bahia], então sob a gestão do grupo capitaneado por
Antônio Câmara. A greve começou em cada curso, sendo tirada em
assembleias locais, e quase todos os prédios de aula da UFBA foram
ocupados por estudantes, não apenas a Reitoria. A UFBA inteira estava
sendo paulatinamente transformada num espaço para formação política,
debates com movimentos sociais, deliberação coletiva, debate sobre a
reforma universitária, vivência em grupo… Lembrem-se: a Revolta do Buzu
tinha acontecido havia pouco mais de um ano; os saberes de autonomia
construídos nas ruas ainda estavam fortes na memória das pessoas e a
lembrança da cagada feita pelo PT durante ela ainda era fresca. Some
tudo isso, e há aí um “caldo”, um “clima” para o surgimento de uma
militância mais autônoma.
A ocupação da UFBA teria sido uma
experiência interessantíssima se não houvesse sido abortada pela
ocupação da Reitoria, iniciada onze dias depois do começo da greve. Ela
foi, na verdade, uma jogada política da Articulação de Esquerda (PT)
para ao mesmo tempo trazer para si o controle da greve e acabar com um
movimento que, se não fosse concentrado num só lugar, colocaria em xeque
inclusive a necessidade de um Diretório Central dos Estudantes (DCE)
para a UFBA. E era isto que nós, anarquistas, queríamos desde 2000. O
resto é história: a Reitoria foi ocupada por onze dias, cada grupo
político quis tirar dali seu pedaço de vitória (um companheiro nosso, de
Física, vivia com fichas de filiação ao PT na ocupação), e toda aquela
efervescência parece ter servido apenas para “reoxigenar” o movimento
estudantil.
Houve mais, muito mais. Só que aí eu já
estava formado e não tinha mais como acompanhar as coisas. Já estava
atuando junto a movimentos de bairro e a movimentos de luta por moradia
como assessor. Era outro tempo, outras práticas, outras ideias.
3.
No meu caso, entrei na universidade nos
últimos dias de governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a luta
contra o neoliberalismo juntava a todos, depois peguei os primeiros anos
do governo Lula, o consequente surgimento das lutas
autonomistas/libertárias (portanto, de novos grupos com poderes reais no
Movimento Estudantil [ME]) e saí após o processo de reestruturação das
universidades. Quando eu entrei o ME reivindicava ainda o Maio de 68,
quando saí a referência já era a periferia e os movimentos sociais.
Nestes seis anos, de 2000 a 2006, mudou muita coisa. Este lapso de tempo
criou gerações distintas. Esse momento é muito rico e não é porque eu
tenho dificuldade ainda hoje de sistematizar tudo que não devemos
começar.
Na
época eu ia fazendo as coisas. Lembro que meu lema era “não cometer os
mesmos erros”. Era ingênuo, mas mostrava o nível de decepção e da
possibilidade de fazer algo novo. Havia espaço para isso, mas faltava
algum norte. Além do mais, se hoje não existe mais Acampamento da
Juventude e Articulação de Esquerda como referencial de esquerda, há os
EIVs [Estágios Interdisciplinares de Vivência] da vida e a Consulta
Popular cumprindo o mesmo papel, muitas vezes sequer utilizando termos
distintos. Eu peguei o final daquele período de lutas pesadas do
movimento estudantil contra o governo federal. Os professores eram
“brothers”. Faziam greves, faziam debates políticos, cumpriam um papel
importante na formação dos militantes. Havia solidariedade e uma
consciência de classe. Talvez seja daí que a geração que conheci
primeiro ser mais academicista, mais ligada ao Maio de 68. Alguém do ME
que não tinha lido os clássicos nem podia abrir a boca. Um horror! E
ainda havia a situação específica da Bahia, comandada por ACM, o avó. O
16 de maio de 2001 expressou muito isso. Mas havia muitas divergências
também, principalmente contra o pessoal do PCdoB.
Cheguei a fazer parte de grupos de
pesquisa e eram uma lástima. Ninguém sabia nem o que produzir. Esta era a
realidade de quase todos. Como a economia estava estagnada, o que a
UFBA se especializou foi em vender discurso. Grupo sobre hegemonia aqui,
economia solidária lá, multiculturalismo do outro lado… Não se produzia
conhecimento nenhum, muito menos tecnologias. A maior parte dos
recursos angariados no mercado pela UFBA vinham de cursos, que supriam a
carência de formação mais básica do mercado de trabalho especializado,
em um período em que as universidades privadas não tinham se
consolidado. Talvez esta realidade fosse diferente na área de Exatas e
Engenharia. Mas na de Humanas era triste. Do segundo governo Lula para a
frente isso mudou. E aquele clima de unidade na esquerda já tinha ido
pro beleléu fazia tempo.
Um caso bem marcante foi o do II Acampamento da Juventude, em 2004, feito pela Articulação de Esquerda (AE-PT)
num assentamento do MST na Chapada Diamantina. Ali a “demanda” foi
maior do que a “oferta”, mas a vontade de arrebanhar todos aqueles
jovens garotos e garotas era tamanha que a crise se transformou em
oportunidade. Até o ícone da época, Zé Rainha, se fez presente.
Escolheram um assentamento grande no sertão da Bahia, onde havia somente
um filete de rio e nenhum pé de planta. Lembro claramente o tédio dos
dias sem nada a fazer, com sede e fome e dentro de algo que um dia foi
um rio. Alguns tentaram ir embora, mas não havia como. Foi então que se
desenhou o futuro: certo dia a fila para pegar um prato de arroz era tão
grande que se estendeu do refeitório até à casa da coordenação do
evento, e pela janela podíamos ver um delicioso banquete sendo degustado
pelas lideranças da juventude petista. Já não bastassem a fome e a
sede, ainda teve aqueles que levaram sopapos e a pecha de reacionários.
E, claro, desceram a porrada em alguns “anarcos” debaixo daquele calor
infernal. Este evento foi, quem sabe, a primeira vez em que se encontrou
muita gente que depois veio a formar o campo libertário (autonomista e
anarquista) de uma geração do movimento estudantil lá pelos meses
imediatamente seguintes à Revolta do Buzu. E a coisa não ficou restrita à
constatação, mas a um protesto generalizado, a várias cartas abertas e a
tamanho constrangimento ao MST e à AE que se viram forçados a escrever
uma carta-resposta em termos estritamente depreciativos. No retorno
deste encontro, alguns começaram a procurar “alternativas teóricas”, a
tentar se organizar por fora de organizações políticas tradicionais, a
ler coisas de gente “proibida”…
Lembro que foi uma grande surpresa para
mim receber uma resposta dupla das instâncias superiores da juventude do
PT a um email de denúncia despretensioso. Naquela época eles tinham até
algum prestígio… Na verdade foi uma resposta a vários relatos, todos
muito duros. E as lideranças iluminadas deles estava tomando pau de um
monte de menino nos espaços do movimento estudantil por causa desse
Acampamento. Tiveram que intervir. Além disso, este processo de
organização de um campo libertário em Salvador contou com outros
elementos mais importantes, como a Revolta do Buzu e as primeiras
medidas do governo Lula. A Revolta do Buzu e os protestos contra as
primeiras medidas de Lula puxaram gente para a rua, mas “cada um no seu
quadrado”; se não estou enganado, este acampamento foi um dos primeiros
momentos pós-Revolta do Buzu (lembre-se de que ela aconteceu entre final
de julho e começo de setembro de 2003, poucos meses antes do
acampamento, portanto) em que muita gente que se formou politicamente
nas ruas saiu do seu “quadrado” ao se ver diante de uma situação em que
mais uma vez tiveram que articular na hora alguma resistência ad hoc às práticas da AE. No acampamento o mundo só estava começando a ruir.
Logo depois deste acampamento aconteceu a
greve da UFBA, em 2004. Processo interessante, mas que terminou com uma
grande derrota para os libertários. É importante também lembrar que
poucos destes que a gente chama de “libertários” se sentiam confortáveis
com este rótulo. Era difícil criar um campo que nem se assumia enquanto
tal. Enquanto houvesse lutas concretas acontecendo, a unidade e a
solidariedade naturalmente acontecia, pouco importava se um era
conselhista, outro anarquista não sei das quantas e o terceiro vinha
apenas de uma experiência frustrante com os partidos. Mas quando estas
lutas foram sendo assimiladas, uma a uma, pelos governos e partidos,
ficamos todos sem chão. Por exemplo, quem ganhou as eleições para o DCE
após esta greve foi um coletivo de independentes, mas com forte
orientação de O Trabalho (OT-PT). Foi o grupo mais autoritário
que eu vi surgir em todo o movimento estudantil. Uma lástima. Se afastar
deste grupo, em práticas e objetivos, levou muita gente a assumir
posições mais libertárias. Ser independente já não bastava. Além disso,
havia uma crise gigantesca na UNE [União Nacional dos Estudantes], que
deu origem à CONLUTE (que hoje se chama ANEL), que também levou muita
gente que não era do bolo dos partidos a sentar junto e conversar.
Também foi o momento em que começamos a olhar para fora da universidade.
Os limites da atuação ali dentro estavam muito claros. A Prefeitura
aprendeu a realizar aumentos sem enfrentar resistências, os partidos
aprenderam a neutralizar a influência das “assessorias” dentro dos
movimentos sociais, a injeção de grana e de cargos no ME criou um abismo
de recursos entre os grupos mais à esquerda e os mais à direita e o
pragmatismo que tomou conta de todos coibiu qualquer forma de crítica e
de reflexão.
Entretanto,
para mim o marco da nossa derrota foi o congresso do Movimento dos Sem
Teto da Bahia (MSTB) em 2005. Ali nos juntamos todos. Uns se doaram
mais, outros menos, mas todos nós sabíamos da importância daquele
evento. Era um dos maiores movimentos sociais do país e que havia feito
mobilizações significativas. E o que aconteceu? Após meses de dedicação,
desgastes e tudo mais, tivemos que ver um pelotão de alienígenas
descendo no Congresso com suas camisas vermelhas e pautando os grupos de
trabalho, negociando os cargos do movimento nos corredores, e os
otários pudicos aqui, que por princípio não poderíamos orientar o
movimento, ficamos estatelados e chorosos vendo toda aquela tragédia. O
engraçado é que, quase 10 anos depois, nós, que nos criamos na crítica a
certas práticas, ainda não conseguimos criar outras mais fortes que as
superem.
As ilustrações reproduzem obras de Kasimir Malevitch.
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