autor: Jader Resende
De um
lado e do outro da rua, aos poucos formavam aglomerados de olho na
sinaleira. Logo, logo, brilhou o sinal
verde, esperamos o invasor de sinal passar. Infelizmente um rapaz confiando na
faixa amarela não percebeu o apressado, foi atingido pelo carro e atirado no
meio da rua. Todos correram para ajudar. Quando uma voz grossa berrou.
—Sai da
frente que vou dar uma lição nesse vagabundo. Atingindo-o com um murro na cara.
Quando tentaram segurar o furioso homem, ele fez um gesto suspeito com ódio
encarniçado na cara e disse:
—Vão me
encarar? Foi o bastante pra todos se afastarem. Entrou no carro e disse:
—Anote a
placa, dê queixa na delegacia e saio cantando pneus. Todos foram chegando lentamente e falando ao
mesmo tempo.
—Leva o homem pro pronto socorro, dizia uma
mulher.
—O rapaz
foi atropelado, apanha e ninguém faz nada. Falava um senhor.
—Esse
queria se matar, dizia outro.
—Cala
boca, já viu alguém se matar na faixa de segurança.
—Esta
cheirando a desilusão amorosa. Insistia o adepto ao suicídio.
—É culpa
do governo, pobre só serve pra votar e tomar na cara.
—O fuzuê
estava formado. Apareceu gente de todos
os lados.
A dona da
loja em frente socorreu o rapaz sem ninguém perceber e deu-lhe água com açúcar.
Como ele nada falava, ela perguntou.
—Você
quer alguma coisa, um café, telefonar pra alguém? Ele balançava negativamente a
cabeça. Sentou-se a seu lado e perguntou.
—Você se
machucou?
—Não, nada grave.
—Como é
seu nome?
—Zé.
Respondeu numa introversão denunciando sua origem.
—Zé, vá
direto a delegacia dar queixa.
—Pra
quê?
—Pra
tomarem a carteira dele.
—Vou não,
senhora.
—Ele te
atropelou e ainda te agrediu.
—O que
se há de fazer?
—Meu filho
que pessimismo é esse. Temos leis, justiça. Vá por mim, vai dar tudo certo.
—Vai não,
senhora.
—Mas por
que, meu filho? Vira-se para sua vendedora e diz.
—Fecha à
porta, por favor. Ela fechou, ficando do lado de fora olhando o tumulto.
—Então
meu filho, seja corajoso, vá e registre queixa.
—Não vou
senhora.
—Olha,
Maria anotou a placa do carro, cor, modelo e tudo. Esta no meio da confusão,
mas ela volta.
—Agradeço,
mas não vou.
—Então
diga. Por quê?
—Nunca
entrei numa delegacia e não vou de jeito nenhum.
—Meu filho, precisa fazer valer seus direitos.
—Não
acredito.
—Como,
não! Zé.
— Esse
golpe é velho. É justamente o que ele quer. Invadiu o sinal, me atropelou encima
da faixa. Nessa altura já esta na delegacia e registrou queixa contra mim.
— Como
assim, meu filho?
—Diz que
o sinal foi invadido por um louco e ele freou bruscamente para não me atropelar,
que tentei esfaqueá-lo e com medo de ser morto buscou ajuda da policia.
—Mas
isso não é verdade.
—Pois é.
Se aparecer numa delegacia vai dar flagrante, quando me condenarem, já cumpri o
dobro esperando julgamento.
—Virgem
Mãe de Deus, isso é muito triste. Como você sabe disso?
—Vejo
acontecer todos os dias onde moro, com pessoas desempregadas como eu e de
varias formas. A senhora não precisa ficar constrangida que não vou à
delegacia, nem preciso de testemunhas.
—Posso
ficar aqui até ter certeza que a policia não veio me buscar.
—Claro
que pode. Admirava a inteligência daquele rapaz, sua inconsciência coletiva se
manifestava firme e forte. O motorista infrator aplicava uma tentativa de
psicologia reversa, pretendia anular o
seu crime através de uma contradição proposital, planejada e fazer do Zé um
criminoso.
Pensava
no poder de uma técnica tão primária da psicologia assumida pelo povo, onde se
procura construir um resultado através de outro inverso, de forma tão covarde e
desumana. Via no seu gesto, verdades que os meios de comunicação e a justiça
negam a todos. Só restou a tomada de consciência social adquirida no dia a dia,
talvez vendo seus amigos de infância serem presos ou mortos sem terem cometido
nenhum crime e acabou criando um sistema de auto defesa.
Incapaz
de ajudá-lo sofria por sua fraqueza, tinha vergonha de sentir tanta impotência
pairando entre eles. Pensou na lei de Greshan
que determina a destruição de uma moeda boa para a sobrevivência da ruim. O
homem bom, inteligente e humano como esse rapaz esta sendo destruído pela
política da desinformação dos governos de todo o mundo.
Como estátuas permaneceram quietos e
mudos até a rua ficar deserta.
Despediram-se
de cabeça baixa sem se olharem.
Conto de Jader
Resende
2 comentários:
É comum sentir vergonha por causa da impotência. É uma situação difícil
Beijos!!
Feliz ano novo!!
Janice Adja.
Felicidades pra você também neste novo ano.
Quanto a vergonha, acho que temos motivos de sobre pra ter.
Um grande abraço
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