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José Tarcísico Costa tem 25 anos, é de Campinas e está morando na Europa desde agosto de 2010. Depois de um ano na França, agora está em Estocolmo, onde cursa mestrado em Física. Em suas palavras: "Sempre tenho interesse em fazer uma imersão na cultura do país em que estou vivendo. Acho um desperdício de oportunidade morar num país diferente e ficar só focado na Física. Por essa razão procurei conhecer pessoas nativas e também estudar mais sobre a cultura local e acabei descobrindo essa disciplina voltada pra estrangeiros, na faculdade onde estou". Então vamulá. Acho que vocês vão gostar do que o Zé tem a dizer.
Acompanho seu blog como um religioso e sempre acho muita coisa interessante. Hoje estava discutindo com uns amigos sobre a igualdade entre os sexos, machismo, feminismo e etc, quando me dei conta de que muitos homens usam a "diferença natural" dos sexos pra justificar certas atitudes machistas, algo que eu achei absurdo. Contei para eles sobre a minha experiência na Suécia e muitos não acreditaram que as coisas aqui realmente são do jeito que são. Inclusive eu não acreditava muito antes de viver aqui, então achei uma boa ideia te escrever pra contar sobre isso. Não sei se você conhece bem como as coisas funcionam aqui, mas em todo caso...
Eu sempre ouvi falar da extrema igualdade entre os sexos na Suécia, mas nunca tive ideia da real extensão disso até vir morar em Estocolmo e cursar uma disciplina chamada "Sociedade e Política Suecas" no Instituto Real de Tecnologia (KTH) e, claro, viver dentro dessa sociedade. A primeira coisa que aprendi e, não tinha a menor ideia, é que a "licença maternidade" por aqui dura 480 dias, que podem ser divididos entre os pais (sendo o mínimo de 60 dias obrigatório para cada um deles).
Entretanto, a igualdade aqui vai além das leis, ela já está bem imersa na cultura dos suecos devido à educação pela igualdade que eles recebem desde a infância. Eu conversei com algumas garotas mais novas do que eu, na faixa dos seus 20 anos, e perguntei como ocorria o flerte por aqui. Isto é, perguntei como elas agiam quando se interessavam por algum rapaz e a resposta foi unânime: "Vamos falar com ele, oras." Continuei e perguntei se isso não fazia com que os rapazes as vissem como fáceis ou algo do tipo, e pra isso recebi caretas de desaprovação: "Como assim? Por que eu seria julgada como sendo fácil ao conversar com um garoto que me interessa? Não é isso que eles fazem quando estão interessados em alguém?" Tentei explicar pra elas como as coisas funcionam no meu país de origem e vi que elas acharam tudo um pouco absurdo. Para ter certeza de que elas não estavam só falando isso da boca para fora, resolvi conversar com rapazes na mesma faixa da idade e, novamente por unanimidade, todos eles me confirmaram que o sistema por aqui é de mão dupla: "Se nós estamos interessados em uma garota vamos falar com ela, se elas estão interessadas em um de nós elas vêm conversar conosco. Nada de mais."
Decidido a levar o assunto um pouco mais a sério e a fundo, resolvi sair com um grupo de amigos e ir a um bar e depois a uma balada para tentar observar o comportamento das pessoas. Em princípio não vi muitas diferenças em comparação à vida noturna no Brasil ou na França (país onde eu vivia anteriormente), mas depois de algum tempo pude constatar o que tinha ouvido. As coisas por aqui realmente acontecem em mão dupla, não existe essa de mulher ter que ficar fazendo "charminho" para que o homem vá falar com ela. Se ela está realmente interessada, ela vem e conversa, e não há nenhum problema nisso. Após essa experiência, voltei a conversar sobre esse assunto com vários suecos e suecas de diferentes idades, e também com estrangeiros que vivem por aqui há algum tempo já. O que eu achei engraçado foi o depoimento que recebi de uma argentina que me disse que "a igualdade entre os sexos aqui era um saco porque acabou com o romantismo." Pedi para que ela me falasse mais sobre isso e ela me disse que um sueco não manda flores, não abre a porta do carro, etc. Levei esse assunto pra um grupo de nativos e eles me disseram que na verdade não era bem assim. Algumas garotas disseram que não viam razão para o rapaz abrir a porta do carro, uma vez que ela poderia fazer isso sozinha e, caso ele fizesse questão de fazer isso, ela faria o mesmo pra ele em algumas situações, por que não? Quanto às flores, todos disseram que na verdade eles mandam flores sim, nada impede você de fazer isso. Segundo eles, o romantismo fica até maior, porque não só os homens mandam flores, como as mulheres também.
Além disso, o homem sueco é mais participativo no lar, ele lava pratos, ele cuida das crianças, ele limpa a casa, sem que isso seja um problema para a sua masculinidade.
Eu achei tudo isso fantástico e, no meu ponto de vista, o mais importante é que mostra que é sim possível uma sociedade igualitária entre os sexos e que essa desculpa do "naturalmente diferentes" não cola. Reparei que existem muitas mulheres policiais por aqui, assim como muitos homens professores do maternal, coisa um pouco diferente do que acontece no Brasil.
Para finalizar, fiquei sabendo de uma escola onde a igualdade é levada mais a cabo ainda, o que gerou e ainda gera uma certa controvérsia por aqui. Nos subúrbios de Estocolmo existe uma escola chamada "Egalia" onde os professores evitam ao máximo "influenciar" a definição do gênero nos seus alunos. Nas palavras de um professor [ou professora?], Jenny Johnsson: "A sociedade espera que as meninas sejam sempre agradáveis e bonitas e os meninos viris e desinibidos. A Egalia lhes dá uma fantástica oportunidade de ser quem eles querem ser." Isso vai desde o espaço físico ao vocabulário utilizado. Em sueco han significa ele e hon significa ela; entretanto, nessa escola, foi inventado um novo termo, hen, que não existe oficialmente na língua sueca, pra ser usado em determinadas ocasiões. A diretora da escola Lotta Rajallin disse que esse termo é empregado em algumas situações como por exemplo quando um bombeiro, eletricista, policial etc vem visitar a escola. As crianças não sabem se será um profissional homem ou mulher, então a escola dizez "Hen vem amanhã nos visitar", o que, segundo Rajallin, aumenta a perspectiva das crianças. Por que dizer "ele" ou "ela" quando não se sabe o sexo da pessoa que virá?
O espaço físico também evita definições. Na sala de brinquedos podemos ver blocos de construção ao lado de fogõezinhos, assim como carrinhos misturados às bonecas. As crianças podem escolher qualquer um deles pra brincar, não existe isso de que alguns brinquedos são de meninas e outros de meninos. Na biblioteca há livros com histórias infantis que tratam de temas como mães solteiras, casais homo e bissexuais, tudo com grande naturalidade. Cabe lembrar que essa escola é única, e esse não é o tipo generalizado de pedagogia utilizada na Suécia.
Em suma, posso dizer que a minha experiência por aqui realmente está sendo fantástica. Eu sempre fui um defensor da igualdade entre os gêneros e sempre achei fraco o argumento de "diferenças naturais". Agora vivendo por aqui, eu pude ver que realmente essas "diferenças" podem ser superadas e a igualdade sim pode ser alcançada. Não é à toa que a Suécia é o primeiro país do mundo em igualdade, e um dos primeiros em termos de qualidade de vida. Se as coisas funcionam por aqui, por que não poderiam funcionar em outros lugares?
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