LE MONDE
buscado no diplomatique – BRASIL
Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva
gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural, e
outra caracteristica desse poder corporativo, é o quanto ele é
desconhecido
por Ladislau Dowbor
Exemplo de apenas
algumas conexões financeiras internacionais. Em vermelho, grupos
europeus, em azul norte-americanos, outros países em verde. A
dominância dos dois primeiros é evidente, e muito ligada à crise
financeira atual. Somente uma pequena parte dos links é aqui
mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e Fattiston,
http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html)
“There
is a big difference between suspecting the existence of a fact
and in empirically
demonstrating it”¹
Todos temos
acompanhado, décadas a fio, as notícias sobre grandes empresas
comprando-se umas as outras, formando grupos cada vez maiores, em
princípio para se tornarem mais competitivas no ambiente cada vez
mais agressivo do mercado. Mas o processo, naturalmente, tem limites.
Em geral, nas principais cadeias produtivas, a corrida termina quando
sobram poucas empresas, que em vez de guerrear, descobrem que é mais
conveniente se articularem e trabalharem juntas, para o bem delas e
dos seus acionistas. Não necessariamente, como é óbvio, para o bem
da sociedade.
Controlar de forma
organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder
econômico, político e cultural. Econômico através do imenso fluxo
de recursos – maior do que o PIB de numerosos países – político
através da apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado, e
cultural pelo fato da mídia de massa mundial criar, através de
pesadíssimas campanhas publicitárias – financiadas pelas
empresas, que incluem os custos nos preços de venda – uma cultura
de consumo e dinâmicas comportamentais que lhes interessa, e que
gera boa parte do desastre planetário que enfrentamos.
Uma característica
básica do poder corporativo, é o quanto é pouco conhecido. As
Nações Unidas tinham um departamento, UNCTC (United Nations Center
for Transnational Corporations), que publicava nos anos 1990 um
excelente relatório anual sobre as corporações transnacionais. Com
a formação da Organização Mundial do Comércio, simplesmente
fecharam o UNCTC e descontinuaram as publicações. Assim o que é
provavelmente o principal núcleo organizado de poder do planeta
deixou simplesmente de ser estudado, a não ser por pesquisas
pontuais dispersas pelas instituições acadêmicas, e fragmentadas
por países.
O documento mais
significativo que hoje temos sobre as corporações é o excelente
documentário A Corporação (The Corporation), estudo científico de
primeira linha, que em duas horas e doze capítulos mostra como
funcionam, como se organizam, e que impactos geram. Outro
documentário excelente, Trabalho Interno (Inside Job), que levou o
Oscar de 2011, mostra como funciona o segmento financeiro do poder
corporativo, mas limitado essencialmente a mostrar como se gerou a
presente crise financeira. Temos também o clássico do setor, Quando
as Corporações Regem o Mundo (When Corporations Rule the World) de
David Korten. Trabalhos deste tipo nos permitem entender a lógica,
geram a base do conhecimento disponível.
Mas nos faz imensa
falta a pesquisa sistemática sobre como as corporações funcionam,
como se tomam as decisões, quem as toma, com que legitimidade. O
fato é que ignoramos quase tudo do principal vetor de poder mundial
que são as corporações.
É natural e
saudável que tenhamos todos uma grande preocupação em não
inventarmos conspirações diabólicas, maquinações maldosas. Mas
ao vermos como nos principais setores as atividades se reduziram no
topo a poucas empresas extremamente poderosas, começamos a entender
que se trata sim de poder político. Agindo no espaço planetário, e
na ausência de governo mundial, manejam grande poder sem nenhum
controle significativo.
A pesquisa do ETH
(Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica) vem pela
primeira vez nesta escala iluminar a área com dados concretos. A
metodologia é muito interessante. Selecionaram 43 mil corporações
no banco de dados Orbis 2007 de 30 milhões de empresas, e passaram a
estudar como se relacionam: o peso econômico de cada entidade, a sua
rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que empresas têm
participações que permitem controle indireto. Em termos
estatísticos, resulta um sistema em forma de bow-tie ¸ou “gravata
borboleta”, onde temos um grupo de corporações no “nó”, e
ramificações para um lado que apontam para corporações que o “nó”
controla, e ramificações para outro que apontam para as empresas
que têm participações no “nó’.
A inovação, é que a
pesquisa aqui apresentada realizou este trabalho para o conjunto das
principais corporações do planeta, e expandiu a metodologia de
forma a ir traçando o mapa de controles do conjunto, incluindo a
escada de poder que às vezes corporações menores detêm, ao
controlarem um pequeno grupo de empresas que por sua vez controla uma
série de outras empresas e assim por diante. O que temos aqui, é
exatamente o que o título da pesquisa apresenta, “a rede do
controle corporativo global”.
Em termos ideológicos,
o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é
importante mencionar que o ETH de Zurich faz parte da nata da
pesquisa tecnológica no planeta, em geral colocado em segundo lugar
depois do MIT dos Estados Unidos. Os pesquisadores do ETH detêm 31
prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que
trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da
arquitetura de poder que resulta. Stefano Battiston, um dos autores,
assina pesquisas com J. Stiglitz, ex-economista chefe do Banco
Mundial. O presente artigo, com 10 páginas, é curto para uma
pesquisa deste porte, mas é acompanhado de 26 páginas de
metodologia, de maneira a deixar transparentes todos os
procedimentos. E em nenhum momento tiram conclusões políticas
apressadas: limitam-se a expor de maneira muito sistemática o mapa
do poder que resulta, e apontam as implicações.
A pesquisa é de
difícil leitura para não leigos, pela matemática envolvida. Pela
importância que representa para a compreensão de como se organiza o
poder corporativo do planeta, resolvemos expor da maneira mais clara
possível os principais aportes, ao mesmo tempo que disponibilizamos
abaixo o link do artigo completo.
O que resulta da
pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações
transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a
estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras
nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para
avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da
arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a
computação do controle que possui cada ator global. Descobrimos que
as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em
forma de gravata borboleta (bow-tie), e que uma grande parte do
controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado
de instituições financeiras. Este núcleo pode ser visto como uma
“super-entidade” (super-entity) o que levanta questões
importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam
políticas.”(1/36)
Para demostrar como
este travamento acontece, os autores analisam a estrutura mundial do
controle corporativo. O controle é aqui definido como participação
dos atores econômicos nas ações, correspondendo “às
oportunidades de ver os seus interesses predominarem na estratégia
de negócios da empresa”. Ao desenhar o conjunto da teia de
participações, chega-se à noção de controle em rede. Esta noção
define o montante total de valor econômico sobre a qual um agente
tem influência.
O modelo analisa o
rendimento operacional e o valor econômico das corporações,
detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual
cross-shareholdings) identificando as unidades mais fortemente
conectadas dentro da rede. “Este tipo de estruturas, até hoje
observado apenas em pequenas amostras, tem explicações tais como
estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover
strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de
riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qual que seja
a sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado... Como
resultado, cerca de ¾ da propriedade das firmas no núcleo ficam nas
mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de
um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que
cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas
outras”. (5)
Este mapeamento leva
por sua vez à análise da concentração do controle. A primeira
vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um
grau relativamente distribuído também do poder de controle. O
estudo buscou “quão concentrado é este controle, e quem são os
que detêm maior controle no topo”. Isto é uma inovação
relativamente aos numerosos estudos anteriores que mediram a
concentração de riqueza e de renda. Segundo os autores, não há
estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo
consistiu em identificar qual a fração de atores no topo que detém
mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes:
“Encontramos que apenas 737 dos principais atores (top-holders)
acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as ETNs... Isto
significa que o controle em rede (network control) é distribuído de
maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os
atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que
poderia se esperar baseado na sua riqueza.”(6)
Combinando o poder de
controle dos atores no topo (top ranked actors) com as suas
interconexões, “encontramos que, apesar de sua pequena dimensão,
o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total
da rede. No detalhe, quase 4/10 do controle sobre o valor econômico
das ETNs do mundo, através de uma teia complicada de relações de
propriedade, está nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que
detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro
do núcleo podem assim ser considerados como uma “super-entidade”
na rede global das corporações. Um fato adicional relevante neste
ponto é que ¾ do núcleo são intermediários financeiros.”
Os números em si são
muito impressionantes, e estão gerando impacto no mundo científico,
e vão repercutir inevitavelmente no mundo político. Os dados não
só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto
que se referem ao 1% que brinca com os recursos dos outros 99% O New
Scientist reproduz o comentário de um dos pesquisadores,
Glattfelder, que resume a questão: “Com efeito, menos de 1% das
empresas consegue controlar 40% de toda a rede”. E a maioria são
instituições financeiras, entre as quais Barclays Bank, JPMorgan
Chase&Co, Goldman Sachs e semelhantes.
Algumas implicações
são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação do New
Scientist as empresas se comprem umas as outras por razões de
negócios e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre esta
concentração de poder econômico e o poder político constitui
evidente prova de miopia. Quando numerosos países, a partir dos anos
Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as
bases da trágica desigualdade planetária atual, não há dúvidas
quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei
recentemente passada nos Estados Unidos que libera totalmente o
financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem
implicações igualmente evidentes. O desmantelamento das leis que
obrigavam as instituições financeiras a fornecer informações e
que regulavam as suas atividades passa a ter origens claras.
Outra conclusão
importante refere-se à fragilidade sistêmica que geramos na
economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência
real, ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar os preços, e
muito menos ditar o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios
se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando uma certa
resiliência sistêmica. Com a escalada atual do poder corporativo,
as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os
derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se
reorientou para commodities, levando a fortes aumentos de preços,
frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumendo da demanda
da China por matérias primas. A evolução recente dos preços de
petróleo, em particular, está diretamente conectada a estas
estruturas de poder.
Os autores trazem
também implicações para o controle dos trustes, já que estas
políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições
antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas
de propriedade dentro das suas fronteiras nacionais. O fato de series
de dados internacionais bem como métodos de estudo de redes amplas
terem se tornado acessíveis apenas recentemente, pode explicar como
esta descoberta não tenha sido notada durante tanto tempo”(7) Em
termos claros, estas corporações atuam no mundo, enquanto as
instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem
contar a colaboração dos paraisos fiscais.
Outra implicação é a
instabilidade financeira sistêmica gerada. Estamos acostumados a
dizer que os grandes grupos financeiros são demasiado grandes para
quebrar. Ao ver como estão interconectados, a imagem muda, é o
sistema que é grande e poderoso demais para que não sejamos todos
obrigados a manter os seus privilégios. “Trabalhos recentes têm
mostrado que quando uma rede financeira é muito densamente conectada
fica sujeita ao risco sistêmico. Com efeito, enquanto em bons tempos
a rede parece robusta, em tempos ruins as empresas entram em
desespero simultaneamente. Esta característica de ‘dois gumes’
foi constatada durante o recente caos financeiro” (7).
Ponto chave, os autores
apontam para o efeito de poder do sistema financeiro sobre as outras
áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos, em
geral, as instituições financeiras não investem em participações
acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência
empírica do oposto. Os nossos resultados mostram que, globalmente,
os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer
considerável controle, seja formalmente (por exemplo votando em
reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou
através de negociações informais”. (8)
Finalmente, os autores
abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos: “Do ponto
de vista empírico, uma estrutura em “gravata borboleta” com um
núcleo muito pequeno e influente constitui uma nova observação no
estudo de redes complexas. Supomos que possa estar presente em outros
tipos de redes onde mecanismos de “ricos-ficam-mais-ricos”
(rich-get-richer) funcionam... O fato do núcleo estar tão
densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do
fenômeno de clube dos ricos (rich-club phenomenon).” (8) A
presença esmagadora dos grupos europeus e americanos neste universo
sem dúvida também ajuda nas articulações e acentua os
desequilíbrios.
Conclusões gerais a se
tirar? Não faltam na internet comentários de que o fato de serem
poucos não significa grande coisa. Na minha análise, é óbvio que
se trata sim de um clube de ricos, e de muito ricos, que se apropriam
de recursos produzidos pela sociedade em proporções inteiramente
desproporcionais relativamente ao que produzem. Trata-se também de
pessoas que controlam a aplicação de gigantescos recursos, muito
mais do que a sua capacidade de gestão e de aplicação racional. Um
efeito mais amplo é a tendência de uma dominação geral dos
sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas
efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade
teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente
de alocação de recursos, pois são em boa parte vítimas indiretas
do processo. Neste sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma
deformação estrutural do sistema, e que terá em algum momento de
ser enfrentada.
E quanto ao que tanto
preocupa as pessoas, a conspiração? A grande realidade que
sobressai da pesquisa, é que nenhuma conspiração é necessária.
Ao estarem articulados em rede, e com um número tão diminuto de
pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe
no fim de semana. Esta rede de contatos pessoais é de enorme
relevância. Mas sobretudo os interesses são comuns, e não é
necessária nenhuma conspiração para que os defendam
solidariamente, como na batalha já mencionada para se reduzir os
impostos que pagam os muito ricos, ou para se evitar taxação sobre
transações financeiras, ou ainda para evitar o controle dos
paraísos fiscais.
O caos financeiro
planetário, em última instância, tem uma base muito articulada
(tight-nit) de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise,
debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a
irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra o ator principal,
as instituições de intermediação financeira. No inicio do pânico
da crise financeira, em 2008, a publicação do FMI Finance &
Development estampou na capa em letras garrafais a pergunta “Who’s
in charge?”, insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o
bem ou pra o mal, a pergunta está respondida.
Ladislau Dowbor é
doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e
Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É
autor de A reprodução social e Democracia economômica - um
passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).
1 -
"Há uma grande diferença entre suspeitar a existância de um
fato, e demonstrá-lo empiricamente” – Vitali, Glattfelder e
Battiston - http://bit.ly/pWslEs
2 - S.
Vitali, J.B Glattfelder e S. Battiston – The Network, of Global
Corporate Control - Chair of Systems Design, ETH Zurich –
corresponding author sbattiston@ethz.ch
. O texto completo foi disponibilizado em arXiv em pré-publicação,
e publicado pelo PloS One em 26 de outubro de 2011:
http://bit.ly/smmhvg .
A ampla discussão internacional gerada, com respostas dos autores da
pesquisa, pode ser acompanhada em http://bit.ly/pWslEs
3 - Link
para a resenha do New Scientist traduzida para o português no
site Inovação Tecnológica: http://bit.ly/sUsMjN e link para a resenha em inglês no site New Scientist: http://bit.ly/omulCA
site Inovação Tecnológica: http://bit.ly/sUsMjN e link para a resenha em inglês no site New Scientist: http://bit.ly/omulCA
4 - O aumento do risco
sistêmico nos grandes sistemas integrados é estudado por Stiglitz
em Risk and Global Economic Architecture, 2010,
http://www.nber.org/papers/w15718.pdf
PUBLICADO 24 de Novembro de 2011
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