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Dizem
os jornais do sistema que 90% dos israelitas apoiam a acção
genocida do seu governo. Até pode ser que assim seja, num Estado em
cuja população é sistematicamente incutida a ideologia racista do
“povo eleito” e do seu direito divino ao “Grande Israel”. E
se assim é, mais um motivo para saudar fraternalmente os 10% que não
apoiam tal acção criminosa. Neles reside uma pequena parte da
esperança de que um dia seja encontrada uma solução justa para a
causa do martirizado povo palestino. Essa causa é hoje uma
prioridade para toda a humanidade progressista e amante da paz.
“Há um fosso ético
entre o nome do nosso exército, Forças de Defesa de Israel, e o que
fazem os soldados. Eu e meus amigos fomos mobilizados para empreender
ações “preventivas” na Cisjordânia, mas o que fazíamos nada
tinha de preventivo.”
Segundo Yehuda Shaul,
ex-oficial do exército israelense e autor destas palavras, o chefe
do estado-maior, Moshe Yaalon, exortava os soldados a “queimar a
consciência palestina”.
De acordo com
testemunhas, os soldados patrulham as ruas e penetram ao acaso nas
casas, a qualquer hora do dia ou da noite. Revistam tudo e todos,
encostam as pessoas na parede e tiram fotos. Ninguém fica de fora:
homens e mulheres, velhos e crianças Detalhe: as operações não
são motivadas por nenhuma solicitação dos serviços de informação.
De acordo com o sargento Nadav Bigelman, é frequente que as fotos
nem sequer sejam enviadas à análise. O que se deseja é inibir o
protesto, amedrontar e humilhar.
Shaul e Bigelman fazem
parte de uma ONG, a Breaking the silence/Quebrando o silêncio, que
já reuniu cerca de 950 depoimentos de militares e de ex-militares
israelenses. Para recordar os dez anos de sua existência, houve
manifestação recente na praça Habima, em Tel Aviv. Durante dez
horas, políticos, jornalistas e ex-militares leram relatos atestando
violências cometidas nos territórios palestinos ocupados. A
ocupação, raiz da revolta palestina, e inteiramente ilegal, como
sublinha Shaul, “não é mais uma segunda natureza para nós, ela
incorporou-se à nossa própria natureza”.
Em nenhum dos
depoimentos há qualquer aprovação aos atos de terrorismo ou aos
foguetes lançados contra Israel por organizações islâmicas.
Considerados “horríveis” porque suscitam medo, ferem e matam,
tais atos, entretanto, não justificam fazer “de todos os
habitantes de Gaza alvos de uma destruição em massa”.
É disso mesmo que se
trata, pois o ataque desferido pelo exército de Israel a partir do
16 de julho último está destruindo em massa a população de Gaza –
um terrorismo de Estado. Fontes publicadas pelo New York Times, nove
dias depois do início da ofensiva, em 23 de julho, registravam 3.209
alvos atingidos, provocando um pouco mais de 800 mortos, milhares de
feridos e dezenas de milhares de refugiados entre os palestinos.
A situação torna-se
desesperadora.
Em Gaza, segundo dados
do Le Monde, vivem 1,8 milhão de pessoas, com média de 18,2 anos,
um alto índice de desemprego, maior entre os mais jovens (50%).
Comprime-se num território de 45 km de comprimento por 10 km de
largura, uma das mais altas densidades populacionais do mundo: 4.505
pessoas por quilômetro quadrado.
Em 1948, quando da
fundação do Estado de Israel e da partilha da Palestina, o
território ficou sob jurisdição egípcia, verificando-se um grande
afluxo de refugiados. Depois da guerra de 1967, passou à ocupação
israelense. A partir de 1994, os acordos de Oslo atribuíram seu
controle à Autoridade Nacional Palestina. Entretanto, a região
continuou triplamente aferrolhada: por terra, os postos fronteiriços
com Israel e Egito filtram a conta-gotas os que desejam entrar ou
sair. Por ar, o espaço é vigiado pelo Estado israelense. E por mar,
Israel estabeleceu um limite de apenas 6 milhas náuticas (5,5
kilômetros) para o tráfego de embarcações.
Gaza virou um imenso
gueto. E os palestinos converteram-se em novos judeus, cuja
consciência precisa ser “queimada”.
“Novos judeus”: foi
assim que, há pouco mais de trinta anos, Helena Salem intitulou um
livro sobre a tragédia dos palestinos depois da II Guerra Mundial.
Judia, teve que se haver com a crítica – às vezes, insultuosa -
de judeus no Brasil e no mundo. Corajosa, recusou-se à autocensura.
É trágico que sejam os próprios judeus, trucidados em guetos
durante a II Guerra Mundial, os responsáveis por fazer reviver,
agora, a maldita experiência.
Os palestinos não
querem piedade.
Por destemidos, dela
não carecem. Às vezes, como disse o Doutor Gilbert, médico
norueguês, no hospital de Al-Shifa, em Gaza, “a gente só tem
vontade de chorar e apertar num abraço as crianças cobertas de
sangue”. Mas as lágrimas de dor, de raiva ou de medo não são bem
vindas. Nem honrariam a capacidade de resistência e a resolução
que, nas piores condições, demonstram os palestinos.
Eles precisam é de
solidariedade ativa. Das gentes, nas ruas do mundo, manifestando
apoio, obrigando os respectivos governos a agirem, através de
pressões políticas e diplomáticas.
O mundo não pode
assistir de braços cruzados e em silêncio ao massacre de um povo,
agredido por uma força maior e mais poderosa. É preciso impedir que
os judeus fabriquem novos judeus. Como disse Eric Goldstein, do
Observatório dos Direitos Humanos, “Israel precisa fazer mais do
que tentar explicar ataques ilegais. Precisa parar com eles”. Para
o bem dos palestinos, da humanidade e dos próprios judeus.
*Professor de
História Contemporânea da UFF
Email: daniel.aaraoreis@gmail.com
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