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Carta Capital via feicibuqui da Rachel Teixeira
Tivemos
sorte por não ver visionários como Einstein, Newton e Beethoven em uma
sala de aula. Com dificuldade de aprendizado, seriam transformados em
bons alunos, diagnosticados e medicados
Redação — última modificação 04/08/2014 17:53
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Se medicado, Einstein seria um gênio?
“Foco”
é a palavra de ordem nas escolas e no mercado de trabalho. Para vencer
na vida, a dispersão de atenção para outros interesses além das tarefas
do dia a dia é não apenas mal vista: é diagnosticável como um transtorno
mental passível de cura. De acordo com uma ala da psiquiatria, essa
ideia de “transtorno” parte de duas premissas. Uma é semântica. Ela
suaviza a ideia de “doença mental” e passa a ser usada como uma espécie
de identidade psíquica por meio de nomenclaturas como “TOC”, “TDAH”,
“hiperatividade”, “bipolaridade”, “ansiedade” e “transtornos de humor”.
A
outra dita que, por trás da desordem, existe uma ordem. Nesta ordem, o
estudante estuda e o trabalhador trabalha. Em nome dela nos medicamos.
Cada vez mais e, segundo especialistas, sem que sejam levados em conta
os impactos, para as crianças e suas famílias, do diagnóstico e da
medicação.
Quem analisa os índices de tratamento
à base de drogas psicoativas imagina que o planeta enfrenta hoje uma
“epidemia” de transtornos mentais. Nos EUA, uma em cada 76 pessoas são
hoje consideradas incapacitadas por algum tipo de transtorno – em 1987,
este índice era de uma em cada 184 americanos. O número de casos
registrados aumentou 35 vezes desde então.
Segundo
o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, 46% da população se
enquadrariam nos critérios de doenças estabelecidos pela Associação
Americana de Psiquiatria. Tais diagnósticos criaram um mercado poderoso
de medicamentos psicoativos – o que significa medicar tanto pacientes
com crises agudas de ansiedade até crianças diagnosticada com grau leve
de “hiperatividade” ou “espectro de autismo”, a chamada síndrome de
Asperger. Essas crianças precisam manter o “foco” na sala de aula se
quiserem ter alguma chance de passar no vestibular.
A
pressão sobre elas em um mundo cada vez mais competitivo cria um
consumidor fidelizado: a criança que hoje precisa de medicamento para se
manter em alerta será, no futuro, o adulto dependente de medicamentos
para dormir. Essa pressão, apontam estudos, tem origem na sala de aula,
passa pela sala da direção, chega aos pais como advertência e desemboca
na sala do psiquiatra, incumbido da missão de enquadrar o sujeito a uma
vida sem desordem.
Mas como cada categoria de
transtorno mental é construída e delimitada? Quais pressupostos fazem
com que determinados comportamentos e/ou estados emocionais sejam
considerados normais e outros, não? Quem definiu que uma criança com
foco na sala de aula é normal e uma desconcentrada é anormal? Qual é,
enfim, a “ordem” que a prática psiquiátrica visa a garantir?
Essas
questões serão temas de debates em um ciclo de encontros do Café
Filosófico CPFL, sob curadoria do professor livre-docente em
Psicopatologia do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp Mário Eduardo Costa Pereira, a partir de 8 de agosto.
As palestras serão gravadas todas as sextas-feiras ao longo do mês, às
19h, e os interessados de todo o País podem acompanhar as gravações e
enviar perguntas ao vivo pelo portal.
Além de Costa Pereira, participam do módulo o psiquiatra
infanto-juvenil e professor da Uerj Rossano Cabral Lima, o professor da
Universidade da Califórnia Naomar Almeida Filho e o psiquiatra da
infância e adolescência e consultor do Ministério da Saúde Fernando
Ramos.
Se for esta a normalidade que tanto
buscamos, o mundo teve sorte por não ver visionários como Bill Gates,
Einstein, Newton e Beethoven em uma sala de aula nos dias atuais. Todos
eles tinham dificuldade em socialização, comunicação e aprendizado.
Sofriam, em algum grau, de espectro de autismo, e seriam facilmente
transformados em bons alunos, diagnosticados, tratados e medicados. O
mundo perderia quatro gênios, mas ganharia excelentes
funcionários-padrão, contentes e domesticados.
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