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Não bastando a televisão, vieram o zap zap, ipod, ipud, ephoda e, agora, a ritalina.
via feicibuqui da Rachel Teixeira
Leticia Fernandes
“Com efeito comparável ao da cocaína, droga é receitada a crianças questionadoras e livres. Podemos abortar projetos de mundo diferentes…”
É uma situação comum. A criança dá trabalho, questiona muito, viaja nas
suas fantasias, se desliga da realidade. Os pais se incomodam e levam ao
médico, um psiquiatra talvez. Ele não hesita: o diagnóstico é déficit
de atenção (ou Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH)
e indica ritalina para a criança.
O medicamento é uma bomba. Da família das anfetaminas, a ritalina, ou
metilfenidato, tem o mesmo mecanismo de qualquer estimulante, inclusive a
cocaína, aumentando a concentração de dopamina nas sinapses. A criança
“sossega”: pára de viajar, de questionar e tem o comportamento zombie
like, como a própria medicina define. Ou seja, vira zumbi — um robozinho
sem emoções. É um alívio para os pais, claro, e também para os médicos.
Por esse motivo a droga tem sido indicada indiscriminadamente nos
consultórios da vida. A ponto de o Brasil ser o segundo país que mais
consome ritalina no mundo, só perdendo para os EUA.
A situação é tão grave que inspirou a pediatra Maria Aparecida Affonso
Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de
Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a fazer uma declaração bombástica: “A
gente corre o risco de fazer um genocídio do futuro”, disse ela em
entrevista ao Portal Unicamp. “Quem está sendo medicado são as crianças
questionadoras, que não se submetem facilmente às regras, e aquelas que
sonham, têm fantasias, utopias e que ‘viajam’. Com isso, o que está se
abortando? São os questionamentos e as utopias. Só vivemos hoje num
mundo diferente de mil anos atrás porque muita gente questionou, sonhou
e lutou por um mundo diferente e pelas utopias. Estamos dificultando,
senão impedindo, a construção de futuros diferentes e mundos diferentes.
E isso é terrível”, diz ela.
O fato, no entanto, é que o uso da ritalina reflete muito mais um
problema cultural e social do que médico. A vida contemporânea, que
envolve pais e mães num turbilhão de exigências profissionais, sociais e
financeiras, não deixa espaço para a livre manifestação das crianças.
Elas viram um problema até que cresçam. É preciso colocá-las na escola
logo no primeiro ano de vida, preencher seus horários com “atividades”,
diminuir ao máximo o tempo ocioso, e compensar de alguma forma a lacuna
provocada pela ausência de espaços sociais e públicos. Já não há mais a
rua para a criança conviver e exercer sua “criancice.
E se nada disso funcionar, a solução é enfiar ritalina goela abaixo.
“Isso não quer dizer que a família seja culpada. É preciso orientá-la a
lidar com essa criança. Fala-se muito que, se a criança não for tratada,
vai se tornar uma dependente química ou delinquente. Nenhum dado
permite dizer isso. Então não tem comprovação de que funciona. Ao
contrário: não funciona. E o que está acontecendo é que o diagnóstico de
TDAH está sendo feito em uma porcentagem muito grande de crianças, de
forma indiscriminada”, diz a médica.
Mas os problemas não param por aí. A ritalina foi retirada do mercado recentemente, num movimento deespeculação comum,
normalmente atribuído ao interesse por aumentar o preço da medicação. E
como é uma droga química que provoca dependência, as consequências
foram dramáticas. “As famílias ficaram muito preocupadas e entraram em
pânico, com medo de que os filhos ficassem sem esse fornecimento”, diz a
médica. “Se a criança já desenvolveu dependência química, ela pode
enfrentar a crise de abstinência. Também pode apresentar surtos de
insônia, sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos,
alucinações e correm o risco de cometer até o suicídio. São dados
registrados no Food and Drug Administration (FDA)”.
Enquanto isso, a ritalina também entra no mercado dos jovens e das
baladas. A medicação inibe o apetite e, portanto, promove emagrecimento.
Além disso, oferece o efeito “estou podendo” — ou seja, dá a sensação
de raciocínio rápido, capacidade de fazer várias atividades ao mesmo
tempo, muito animação e estímulo sexual — ou, pelo menos, a impressão
disso. “Não há ressaca ou qualquer efeito no dia seguinte e nem é
preciso beber para ficar loucaça”, diz uma usuária da droga nas suas
incursões noturnas às baladas de São Paulo. “Eu tomo logo umas duas e
saio causando, beijando todo mundo, dançando o tempo todo, curtindo
mesmo”, diz ela.
Bola de Meia, Bola de Gude
Milton Nascimento
Há um meninoHá um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade alegria e amor
Pois não posso
Não devo
Não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão
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