sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Socorro Gomes: "O que os EUA fizeram em Hiroxima não tem perdão"

A presidente do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, encontra-se no Japão, onde participa da Conferência Mundial contra as Armas Nucleares, na cidade de Hiroxima, e dos atos oficiais organizados por ocasião do 65º aniversário da explosão da bomba atômica, que transcorre em 6 de agosto. Ela também visitará Nagasaki,a outra vítima de bombardeio nuclear. A ativista brasileira do movimento pela paz reuniu-se com dezenas de organizações estrangeiras, participa de diversas solenidades em memória das vítimas da bomba, depositou flores em um monumento no parque da paz e visitou o museu do genocídio.

Em artigo para o site do Cebrapaz e o Vermelho, Socorro Gomes comenta o episódio histórico, homenageia os mártires e analisa as ameaças de guerra e propõe a eliminação de todas as armas de destruição em massa.

Por e-mail endereçado à redação do Vermelho, ela declarou: "O que os EUA fizeram não tem perdão. As pessoas derretiam literalmente. Não é aceitável o imperialismo continuar cometendo crimes contra a humanidade, como fez em Hiroxima e Nagasaki há 65 anos e recentemente em Faluja, no Iraque".

"O uso das armas de destruição em massa, além das mortes instantâneas, faz com que até a terceira geração as pessoas nasçam com mutações genéticas, sem olhos, sem órgãos, outros com cancer generalizado", relatou.

"É incrível que os EUA continuam impunes e falando em combate ao terrorismo! Os maiores terroristas da humanidade são eles! Eu fiquei estarrecida, só de ver as fotos. É inesquecível!" protestou Socorro.

Leia abaixo a íntegra do artigo de Socorro Gomes:

Desarmamento nuclear é indispensável à paz mundial

Hoje, quando 65 anos nos separam de uma marcante e inesquecível tragédia para a humanidade, algumas simbólicas reminiscências brilham em nossa memória sob os céus da cidade de Hiroxima.

Acompanha-nos, em sonora e solene circunstância, uma composição musical do ex-embaixador e poeta brasileiro Vinícius de Moraes, já falecido, ao lado de outro patrício, Gerson Conrad, sob o título "Rosa de Hiroxima".

O dramático apelo, que ganha substância nos versos do poeta, tornou-se emblemático em inúmeros países. E também ofereceu sua singela contribuição, entre as muitas manifestações do espírito humano ofendido pelo genocídio atômico, para que se criasse uma consciência universal em oposição ao uso destrutivo da energia nuclear e ao seu monopólio pelas potências armadas, hegemonizadas pelos Estados Unidos da América.

E foi essa crescente consciência universal que conduziu a luta dos povos, ao longo de décadas, pela paz mundial, em oposição às guerras imperialistas promovidas em todos os continentes e movidas sobretudo pelos interesses econômicos particularistas dos EUA e às hostilidades políticas econômicas e militares a diversas nações. Isso foi marcante na segunda metade do século passado e cresceu, numa frequência amiúde, na primeira década do atual século 21, sobretudo com as invasões de países como o Afeganistão e o Iraque.

Em todos esses momentos, a chantagem nuclear teve seus desdobramentos, desde os ataques massivos genocidas sobre Hiroxima e Nagasaki. Em resposta a essa violência, também cresceu no mundo o clamor pelo desarmamento nuclear. O Conselho Mundial da Paz e o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), entidades com atuação internacionalista que tenho a honra de presidir, estão engajadas neste clamor e nesta luta.

Empreendemos hoje intensa atividade pelo desarmamento nuclear. Tais armas ameaçam a paz mundial, a soberania e a autodeterminação dos povos em todos os quadrantes do planeta. Adotamos iniciativas e nos associamos a outras, voltadas para a consumação dessas metas.

Há objetivos efetivamente possíveis. Os países podem realizar o desarmamento nuclear e efetivar o Artigo 6 do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que conclama às negociações para a completa eliminação dessas armas entre os países que possuem arsenais; e persistir no cumprimento dos 13 passos para alcançar o desarmamento, acordados pelos Estados Parte do Tratado na Conferência de Revisão de 2000.

Nosso propósito, ao promover atividades em conjunto com organizações nacionais e internacionais que se voltam para a não-proliferação e para o desarmamento, consiste em ampliar a discussão sobre o assunto com a sociedade e conquistá-la para as atuais e futuras batalhas.

Vive em nossa memória o Apelo de Estocolmo, lançado pelo Conselho Mundial da Paz há 60 anos, quando ocorreu uma expressiva mobilização do movimento pacifista e alcançou-se 600 milhões de assinaturas, das quais quatro milhões no Brasil. Hoje, consideramos que não é factível a não-proliferação sem desarmamento, visto que já existem os instrumentos para a não-proliferação sem que se tenham afirmado as medidas para o desarmamento. Assim posto o problema, a não-proliferação tem servido para intimidar os países que buscam desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos.

Com essa percepção, tratamos a Revisão do Tratado de não Proliferação Nuclear sob dois enfoques: "O desarmamento e a não- proliferação nuclear frente à Conferência de revisão do TNP" e "O desenvolvimento científico e tecnológico da energia nuclear e seu papel no cenário internacional". Entendemos, desse modo, que é necessário corrigir um desvio da missão do Tratado, no aspecto que estratifica o status dos países signatários em relação ao armamento nuclear, admitindo que as nações detentoras de ogivas nucleares ignorem o desarmamento através da "não-proliferação".

Nesse ambiente, os EUA, com a pretensão hegemonista que consiste em estabelecer draconianas regras apenas para os demais países do planeta, se afirmam como o maior entrave ao desarmamento. Ao tempo que vedam a outros países os avanços tecnológicos, elevam seu orçamento militar para manter e modernizar suas armas nucleares.

A humanidade terá sempre as tragédias de Hiroxima e Nagasaki como espadas cravadas em seu espírito e na espinha dorsal do processo civilizatório, nos únicos ataques onde se utilizou armas nucleares. Prevalece a consciência de que, naquele momento, os povos foram abalados pela eclosão sem paralelos da destruição em massa. Historicamente, não se apresentou, até a atualidade, nenhum episódio que, de longe, fosse comparável a tanto terror. As estimativas do total de pessoas executadas em massa ultrapassam em muito as avaliações de 140 mil em Hiroxima e 80 mil em Nagasaki — em sua maioria, civis. São consideravelmente mais elevadas, essas estimativas, quando se contabiliza as mortes e mutilações congênitas posteriores, devidas à exposição à radiação.

Entretanto, ao longo das décadas que nos separam das tragédias assinaladas de Hiroxima e Nagasaki, os EUA demonstraram — do Vietnã ao Iraque e Afeganistão, entre as inúmeras guerras que engendrou de modo ostensivo e devastador — que não houve nação mais agressiva e desumana ao longo do processo do desenvolvimento social. Suas vítimas no mundo inteiro se contam aos milhões. Cresce também sua capacidade em criminalizar as nações vitimadas, desde as versões fantasiosas e caluniosas sobre "ameaças" que se inspiram no seu próprio terrorismo de Estado, a exemplo do que ocorre hoje em relação ao Irã.

Se não está posta para a humanidade, no atual momento, a perspectiva do enfrentamento armado com os "falcões" do Pentágono e da indústria bélica, é hoje questão de significativa atualidade a ampliação do conhecimento científico e tecnológico da energia nuclear, desde a certeza propiciada pelos países que, bem sucedidos nesta conquista, lograram avanços em todas as demais disciplinas e setores econômicos que interagem com a ciência, tecnologia e inovação.

A humanidade deve conhecer plenamente as expressivas contribuições da tecnologia nuclear em seus fins pacíficos na indústria, agricultura, no meio ambiente, na saúde e numa infinidade de aspectos sensíveis que contrariam a feição destrutiva das ocorrências verificadas, na 2ª Guerra Mundial, em Hiroxima e Nagasaki.

Partimos dessa certeza para compartilhar o consenso de que os países devem investir em seu programa nuclear para fins pacíficos e não devem assinar o Protocolo Adicional ao TNP que confere mais poderes à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em suas inspeções às atividades nucleares.

Os países não podem se submeter às pressões, ameaças ou chantagens que acenam com a possibilidade de uso da arma atômica contra quem não for signatário do tratado de não-proliferação em função de sua cláusula adicional, nos moldes do que foi estabelecido em dezembro de 2008. E devem se pronunciar criticamente quanto ao anúncio das novas orientações dos EUA sobre sua política nuclear. No TNP, o desarmamento é declaratório e, no caso da não-proliferação é mandatório, realçando desequilíbrio quanto aos interesses do conjunto dos 172 Estados-Parte.

O ambiente em que vivemos hoje esclarece nitidamente que as potências nucleares não se voltam para a proteção da humanidade, mas para a defesa dos seus interesses próprios quando anunciam — no caso dos Estados Unidos e Rússia — um acordo de redução dos arsenais nucleares. E são crescentes as evidências de que os tratados acerca das armas nucleares alcançam tão somente um desequilíbrio destinado a preservar a posição dos possuidores de poderosos arsenais, à frente os EUA, capazes de destruir a humanidade, tornando a vida mais vulnerável e o mundo mais perigoso e inseguro.

A manutenção dos grandiosos arsenais nucleares representa igualmente imensas despesas voltadas para a miniaturização, a alta precisão e a produção de cargas variáveis dessas armas para que sejam operacionais em guerras localizadas — único tipo de guerra imaginável desde a perversa destruição de Hiroxima e Nagasaki.

A 8ª Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares – TNP, mostrou resistência à agenda das potências armadas contra a humanidade, mas os estados nucleares membros da OTAN (EUA, Reino Unido, França), com o apoio ocasional da Rússia, reafirmaram, de modo arrogante, que a dissuasão nuclear persiste como especial estratégia de defesa das grandes potências.

Este bloco confirmou a manutenção do uso bélico da energia nuclear oriundo de seu "Novo Conceito Estratégico". As potências nucleares, especialmente os EUA, procedem a uma manipulação de números que sabota a real possibilidade do desarmamento, buscando legitimar artificialmente a agenda para revigorar as restrições científicas e tecnológicas; impedir a realização de acordo sobre prazos para o desarmamento; proibir aos mais fracos a modernização dos atuais arsenais e a criação de novos tipos de armas; vender a fantasiosa noção de que as potências nucleares um dia iniciarão o desarmamento.

Não obstante a reafirmação da política hegemonista na 8ª Conferência de Revisão do TNP, destacamos quatro aspectos sensíveis da resistência mundial entre as suas decisões, que, ainda acanhadas, exigem maior atenção:
  1. O debate do desarmamento nuclear persistirá, nos termos da correlação já desenhada, na Comissão de Desarmamento da ONU.
  2. A elaboração, ainda em perspectiva, de um instrumento juridicamente vinculante de garantias do não-uso ou ameaça de uso de armas nucleares contra os países desprovidos dessas armas.
  3. Uma resolução que convoca a realização de uma conferência, postergada para 2012, destinada a debater a implementação de uma Zona Livre de Armas Nucleares no Oriente Médio.
  4. Uma ainda tímida e insuficiente demanda para que Israel — o maior obstáculo à construção da paz na região, que chegou a vender armas nucleares ao regime do apartheid da África do Sul — se incorpore ao TNP e coloque seus arsenais sob vigilância da AIEA.
  5. Neste concerto da resistência mundial, consideramos, enfim, que deve persistir a luta pelo direito inalienável de cada Estado-Parte de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos e em defesa da completa eliminação dos arsenais nucleares.
Nossa fraternal presença no Japão, na passagem do 65º aniversário dos bombardeios nucleares é um ato de solidariedade internacionalista e uma homenagem à memória das vítimas de Hiroxima e Nagasaki. Os atos que aqui se realizam permitem uma consistente reflexão que apresenta o fundamental sentido da esperança de que conquistemos, no presente, o futuro da paz, harmonia e prosperidade social no Japão e em todo o mundo.

Socorro Gomes, presidente do Conselho Mundial da Paz e do Cebrapaz, de Hiroxima, especial para o site do Cebrapaz e o portal Vermelho.

Fonte: Vermelho






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