quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Direito de greve, de defesa e de locomoção em perigo – O AI-5 da Copa

buscado no Fazendo Média



Um novo Projeto de Lei tramita no Senado – PLS 278/2011, para a restrição não apenas do direito de greve, mas trazendo novas ameaças à população brasileira. Uma série de absurdos  rondam agora o imaginário de exceção com esta e outras iniciativa do Senado, numa estratégia de pulverizar as questões mais polêmicas da Lei Geral da Copa e de sorrateiramente introduzir uma série de novos dispositivos que abarcam da legislação penal à trabalhista. Através delas, o Estado brasileiro pretende consolidar sua duplo papel diante das exigências da FIFA (cujos contratos, diga-se de passagem, como o Caderno de Garantias e Responsabilidades assinado em 2007, nunca foram sequer publicizados, tampouco endossados por consulta à população) e de interesses político-econômicos internos: repressor e fiador.
De um lado, intensifica a legislação penal com a finalidade de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, alterando inclusive sua estrutura jurisdicional nesse sentido. De outro, flexibiliza conquistas históricas do povo – como o direito de greve – e assume responsabilidade ampla por danos e prejuízos que venham a sofrer a FIFA e seus parceiros comerciais durante os jogos. Nas duas frentes, trata-se de fornecer garantias públicas para negócios privados, seja por meio do aparato policial, seja por meio da engenharia financeira. A forte tendência de rigorismo e de desconstrução de direitos permite já classificar o PLS 278/2011, dos senadores Marcelo Crivela (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA) de uma espécie de AI-5 da Copa do Mundo, pelas razões que seguem:

1. Contra as históricas pautas reivindicação por abrandamento de penas e desencarceramento, prevê a criação de 8 (oito) novos tipos penais de extremado caráter repressivo, entre eles o crime de terrorrismo (ainda não caracterizado na legislação brasileira e objetivo de intenso debate no campo doutrinário), com até 30 anos de reclusão. Além dele, crimes de reserva de mercado como “falsificação de ingresso” e de “credencial”, são punidos sem qualquer proporcionalidade, com até 6 anos de reclusão. Por fim, o PL traz também, sem justificativa plausível, diversos conflitos hoje dirimidos civilmente para a esfera criminal, ao criar os crimes de “revenda ilegal de ingresso” e “venda fraudulenta de serviço turístico”, por exemplo;

2. Em desacordo com todas as garantias constitucionais do devido processo legal, do acesso à justiça e da ampla defesa, o projeto prevê ainda todo um rito extraordinário para o processamento desses crimes, estranhamento estabelecendo sua competência junto à Justiça Federal (art. 13) e abrindo novamente a possibilidade de criação de varas e justiças especiais, inclusive com instauração de um “incidente de celeridade processual” (art. 15), urgência que permitiria, na prática, a realização de atos oficiais em sábados, domingos e feriados, com indicação de servidores ad hoc para sua execução e cuja comunicação poderia se dar de forma ampla “por mensagem eletrônica, fax ou telefonia”. Quem conhece a situação de desordem reinante na maior parte dos ofícios e cartórios de nosso Poder Judiciário não pode receber senão com grave preocupação “inovações” dessa ordem, que tendem a prejudicar enormemente as partes envolvidas, especialmente quando vulneráveis ou hipossuficientes.

3. Insere novos procedimentos sobre repatriação, deportação e expulsão de estrangeiros (arts. 29-40), em franca contradição com os dispositivos da própria Lei Geral da Copa (PL 2330/2011) que determina garantia de visto para todos os portadores de ingressos para jogos da FIFA no Brasil;

4. Prevê penalidades e medidas cautelares como proibição de ingresso em estádios por 120 (cento e vinte) dias, determinadas também pela autoridade administrativa, ou seja, extrajudicialmente.
Por sua vez, outro projeto abominável, do ponto de vista de sua constitucionalidade, de que se tem notícia é o PLS 394/09, do senador Valdir Raupp:
 http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/65205.pdf
Exemplo disso é o seu art. 7o, que pretende justamente regulamentar a política higienista e excludente das cidades, promovendo “zonas limpas” a serem definidas pelos municípios em parceria com a representação local da FIFA, a partir de 3 meses antes dos jogos. Limpas de quê, resta a pergunta: de trabalhadores pobres, de comércio informal e de rua, e principalmente de concorrência com publicidade não autorizada:
“Art. 7º O Governo Municipal das cidades-sede das partidas da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, em conjunto com o Comitê Organizador da FIFA, o Comitê Organizador Local, o Ministério do Esporte e do Governo Estadual, deverá definir zonas limpas e zonas de transporte limpo durante o período de noventa dias antes do início, até o final das competições.
§ 1º Considera-se zona limpa uma área previamente definida onde são proibidas:
a) toda forma de comércio de rua ou comércio não autorizado, segundo a legislação local;
b) toda forma de anúncio, propaganda ou publicidade, marketing não autorizada pela FIFA ou pelos organizadores, ou ainda conflitante com o interesse dos mantenedores de direitos da FIFA.”
Busca ainda privatizar um conjunto de bens comuns, de livre uso e acesso do povo, desde espaços públicos até o patrimônio imaterial e cultural brasileiro como termos, símbolos e expressões populares (tabela abaixo):


 

Os Comitês Populares da Copa estão atentos a essas ameaças, e denunciam as violações e restrições aos direitos da população brasileira. A Lei Geral da Copa, e seus desdobramentos, não são necessários à realização dos jogos, como querem nos convencer a Fifa e o Governo Federal. Vamos barrar essas iniciativas e garantir uma Copa com legado para povo!

(*) Texto de Thiago Hoshino/ Comitê Popular de Curitiba

Nenhum comentário: