buscado no Gilson Sampaio
“Prova
cabal dessa humilhante situação se deu justamente um dia após o
discurso da presidente na ONU. Em um evento promovido pelo banco de
investimentos Goldman Sachs, Dilma Rousseff apelou, em entrevista
coletiva à imprensa e a uma plateia de 350 investidores, por
investimentos na infraestrutura do país. Seu objetivo é contar com o
capital estrangeiro para deslanchar o seu programa de privatizações de
portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e campos de petróleo.”
PAULO PASSARINHO
A semana
nos deu exemplos muito claros da distância existente entre o discurso e
a prática do governo presidido por Dilma Rousseff.
A
presidente brasileira se encontra em Nova York. Obedecendo a uma
tradição, Dilma proferiu o discurso de abertura da Assembleia Geral da
ONU. Conforme prometido, fez um duro discurso de denúncia do governo
americano e de suas ações de espionagem eletrônica, reveladas por Edward
Snowden, norte-americano, atualmente asilado na Rússia, e
ex-funcionário de uma empresa prestadora de serviços da NSA - Agência de
Segurança Nacional, um dos organismos da complexa estrutura de
espionagem dos Estados Unidos.
Conforme se
tornou de amplo conhecimento do público brasileiro, com denúncias sendo
feitas até mesmo pela TV Globo, a própria Dilma, seus auxiliares e a
maior empresa brasileira – a Petrobrás – foram objeto das investigações
ilegais dos Estados Unidos, através da escuta de telefonemas, acesso a
e-mails e documentos sigilosos e de interesse nacional.
Dilma
classificou essas ações do governo de Obama como casos graves de
violação dos direitos humanos, das liberdades civis e da soberania
nacional brasileira. Denunciou que “dados pessoais de cidadãos foram
indiscriminadamente objeto de interceptação. Informações empresariais,
muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico, estiveram na
mira da espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras,
entre elas a missão permanente junto às Nações Unidas e a própria
presidência da República, tiveram suas comunicações interceptadas”. Mais
clara e objetiva, impossível.
Como
desdobramento do seu discurso e de suas denúncias, lembrando que essas
ações dos Estados Unidos afetam a própria comunidade internacional e
exigem respostas, Dilma propôs a criação de um “marco civil
multilateral” para a internet, buscando “evitar que o espaço cibernético
seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da
sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros
países”.
Se a denúncia é válida, necessária e
correta, o mesmo não necessariamente pode ser dito em relação às suas
propostas. Como é amplamente de conhecimento público, a origem da
internet se vincula a um programa de caráter militar dos Estados Unidos,
buscando criar uma rede de comunicação própria entre os centros de
pesquisa de suas Forças Armadas com as universidades americanas e seus
pesquisadores. Com a abertura desse sistema de informações ao público
mundial, nos dias de hoje praticamente qualquer informação pode ser
obtida nesta rede. Governos, empresas, instituições das mais variadas e
diferentes colocam suas informações e comunicações na internet,
inclusive para dados considerados sigilosos. Para tanto, naturalmente,
existem programas de segurança que podem criptografar essas mensagens de
caráter mais reservado, procurando preservá-las, em termos de acesso e
segurança.
Não sem razão, Julian Assange, do
Wikileaks, aponta que a internet, hoje, é uma das principais frentes de
investimento dos governos de vários países, para o desenvolvimento de
sistemas de armazenamento, vigilância e seleção de informações, com
objetivos de segurança nacional. Assange cita, além dos Estados Unidos –
que estariam naturalmente à frente nesta disputa –, a China, a
Inglaterra, a França, a Alemanha e a Rússia como países que têm
investido pesadamente nesta estratégica área. Desse modo, ele defende,
por exemplo, que o Brasil adote um sistema de criptografia de tecnologia
nacional, como medida preliminar e elementar de proteção.
Mas
nossa realidade está muito distante dessa possibilidade. Graça Forster,
a presidente da Petrobrás, por exemplo, declarou que a criptografia
usada na empresa é de empresas americanas, porque não existem companhias
brasileiras que prestem esse tipo de serviço. Edward Snowden, por sua
vez, denunciou que a criptografia fornecida por empresas privadas
norte-americanas é propositalmente falha e tem as chamadas “portas dos
fundos”, para que a NSA possa driblar seus códigos e acessar os dados.
A
contradição de Dilma em relação às suas propostas para a internet é
que, na prática, os próprios Estados Unidos não se submetem a
legislações que não sejam suas, conforme inclusive resposta do seu
governo ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, logo no início doimbróglio criado pelas denúncias de espionagem.
Contudo,
o mais grave é que, hoje, o país – sob o comando de Dilma, mas por
razões que remontam às opções de política econômica adotadas no Brasil
desde o início dos anos 1990 – é um país bastante débil para definir as
suas próprias prioridades, de forma soberana, especialmente em relação a
investimentos.
Prova cabal dessa humilhante
situação se deu justamente um dia após o discurso da presidente na ONU.
Em um evento promovido pelo banco de investimentos Goldman Sachs, Dilma
Rousseff apelou, em entrevista coletiva à imprensa e a uma plateia de
350 investidores, por investimentos na infraestrutura do país. Seu
objetivo é contar com o capital estrangeiro para deslanchar o seu
programa de privatizações de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e
campos de petróleo.
O show de subserviência aos gringos
foi total. Junto com os seus ministros Guido Mantega e Fernando
Pimentel, Dilma lembrou que “risco jurídico no Brasil não existe”,
procurando destacar que “se tem um país que respeita contratos é o
Brasil. E disso nós nos orgulhamos”. É evidente que a presidente não se
referia à Constituição, diariamente desrespeitada, especialmente no que
tange aos direitos fundamentais dos brasileiros, conforme assinalado,
por exemplo, no seu Capítulo II – referente aos direitos sociais.
Ao
contrário, a preocupação da presidente é com os interesses corporativos
empresariais. Dilma e seus auxiliares sabem que, desde a época mais
agressiva das privatizações, nos governos Collor e FHC, o interesse
nacional e a própria Constituição foram flagrantemente desrespeitados e
geraram inúmeras ações na justiça, até hoje em suspenso, por conta da
leniência dos governos pós-2002. Os que estão à frente desses governos,
traindo as suas próprias antigas posições, passaram a não mais ter
interesse em rever as criminosas ações de entrega do patrimônio público,
por preço vil e por processos fraudulentos.
As
posições expressas por Dilma mostram, também, a triste situação de um
país que, aprisionado pelos interesses financistas, não dispõe hoje de
recursos para investimentos em áreas vitais ao nosso desenvolvimento e,
na visão da bizarra presidente, sequer a capacidade de gerir estradas,
ferrovias ou aeroportos.
Dilma teve, também, a
desfaçatez de ressaltar para os gringos que o interesse do seu governo
não seria apenas por investimentos, mas também pela “capacidade de
gestão” dos estrangeiros. Tentou, enfim, passar um claro atestado de
incompetência a todos nós, brasileiros. Uma verdadeira vergonha.
A
suposta altivez do discurso de Dilma, na ONU, em menos de 24 horas,
ficou desmoralizada por ela mesma, em seu patético apelo à plateia
reunida pelo Goldman Sachs.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
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