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Ao do campo Libra. São 15 bilhões de barris a
serem retirados com risco praticamente nulo para o consórcio vencedor,
uma vez que a Petrobrás já perfurou e encontrou o óleo. O Brasil merece
uma solução mais inteligente e menos danosa ao nosso patrimônio.
Carta Maior 12 de setembro 2013
por Paulo Kliass
As
denúncias envolvendo as atividades de espionagem, contrainformação e
bisbilhotagem patrocinadas pelo governo norte-americano em nossas terras
têm criado situações bastante desconfortáveis para a diplomacia. O
constrangimento e a desfaçatez são tão grandes que até mesmo a visita de
nossa Presidenta aos EUA está sendo colocada em compasso de espera,
aguardando algum gesto da parte de Obama. A lista começa com as
primeiras suspeitas envolvendo a solicitação de dados das empresas
gestoras das chamadas “redes sociais” e chega até a confirmação de
gravação de conversas e outras formas de comunicação de integrantes de
alto escalão do governo brasileiro, a começar pela própria Dilma.
Esse
vendaval de novos casos revelados a cada dia que passa demonstra a
extrema fragilidade com que esse aspecto de nosso modelo de segurança
nacional estratégica é tratado pelo próprio Estado brasileiro. A falta
de investimentos na inovação científica e tecnológica tem nos deixado
cada vez mais à mercê dos interesses dos países e das corporações com as
quais mantemos relações econômicas e diplomáticas. A desculpa de que a
espionagem existe desde que o ser humano se organiza em sociedade não
cabe como justificativa para a incapacidade de fazer valer nossas
fronteiras terrestres, marítimas ou virtuais. Se é verdade que são
muitos os países parceiros que buscam as informações por meios ilícitos,
cabe aos Estados nacionais promover políticas públicas para preservar a
integralidade de seu território e de sua população.
A espionagem norte-americana e o Pré-Sal
Dentre
os inúmeros dossiês que vieram à tona, encontra-se o caso do Pré-Sal.
Trata-se de um processo que revela de forma emblemática o quanto o
Brasil ainda está distante de um patamar mínimo daquilo que se possa
considerar como razoável em termos de autonomia e soberania, se o foco
se localizar na defesa dos interesses como Nação e de seu povo. Afinal, o
próprio governo de Obama reconheceu que sua Agência Nacional de
Segurança (NSA) tem mesmo rastreado ilegalmente as atividades de nosso
governo, em especial a Petrobrás e a Agência Nacional de Petróleo (ANP).
É mais do que óbvio que os norte-americanos estão buscando mapear de
forma mais elaborada o processo de tomada de decisões da administração
pública brasileira. E isso é tanto mais verdade no que se refere à
imensa capacidade potencial estratégica proporcionada pela descoberta
desses novos campos petrolíferos.
Mas, ao que
tudo indica, eles não devem estar assim tão preocupados, não! Isso
porque a política implementada pela equipe de Dilma nesse tema é
bastante favorável aos interesses das grandes corporações mundiais que
se dedicam à exploração do óleo. Apesar de possuirmos uma empresa
pública que é líder inconteste no cenário internacional, com competência
atestada pela sua presença em todos os continentes, os responsáveis
pela área energética em Brasília ignoraram essa alternativa. Com isso,
optaram por dar continuidade à política dos governos anteriores a 2003,
sempre tangenciando perigosamente a privatização e o favorecimento do
setor privado.
A prospecção e as perfurações que
estão sendo desenvolvidas nas novas áreas do campo submarino
proporcionam cenários bastante otimistas. As estimativas falam de um
total de reservas de petróleo equivalentes a 60 bilhões de barris,
volume esse que nos colocaria entre as maiores nações produtoras no
mundo. No entanto, é recomendável segurar as pontas do ufanismo
tupiniquim exagerado, pois isso representa muito pouco para o atual
estoque mundial reconhecido, avaliado em torno de 1,5 trilhão de barris.
Se o pré-sal não nos coloca como líder expressivo comparado aos países
membros da OPEP, a conversão monetária desse estoque potencial não pode
ser negligenciada. Caso viesse a ser explorado aos preços praticados nos
dias de hoje, essa riqueza corresponderia a US$ 1 trilhão. Ou seja,
aproximadamente o valor da metade de nosso PIB anual.
O modelo do neo-entreguismo
Colocado
na mesa de debate esse conjunto de informações, causa profunda
estranheza a política proposta e desenvolvida por um governo que é
liderado por um partido que se diz representante dos trabalhadores. Ao
invés de buscar o caminho de fortalecimento da Petrobrás e de
consolidação de um setor nacional para a arquitetura desse complexo
sistema do ramo petrolífero, as autoridades da área energética decidiram
por abrir ainda mais a exploração de nossa riqueza estratégica para o
capital multinacional.
Para fins de definição
etimológica, o dicionário Houaiss é bastante claro e objetivo, não
abrindo espaço para indefinições ou artifícios de natureza retórica.
Vejamos como ele apresenta o verbete relativo a esse processo de
abertura de nossa economia:
“Entreguismo:
preceito, mentalidade ou prática político-ideológica de entregar
recursos naturais da nação para exploração por outro país ou entidades,
empresas etc. de capital internacional.”
É
compreensível que o discurso chapa-branca mais submisso tente argumentar
que, afinal de contas, a Petrobrás não foi leiloada e a maioria de suas
ações ainda permanece em mãos do Estado brasileiro. De acordo, mas essa
justificativa não ultrapassa o limite do mero conformismo. A situação
poderia estar pior, como aconteceu com países que venderam suas empresas
estatais de petróleo, como a YPF argentina. Mas isso não pode servir
como consolo para os equívocos atuais. O fato é que ao longo das últimas
décadas, a nossa opção estratégica tem sido realizada exatamente no
sentido contrário da campanha “O petróleo é nosso!”, que culminou na
criação da empresa em outubro de 1953, sob a presidência de Getúlio
Vargas.
Ao oferecer nosso subsolo para que as
grandes corporações transnacionais do ramo retirem o nosso petróleo, o
governo brasileiro está promovendo apenas um “aggiornamento”
daquilo que a maioria dos especialistas da área - comprometidos com um
projeto de desenvolvimento nacional – sempre chamou de “política
entreguista”. Mas, vá lá! Sejamos generosos e imaginemos que talvez
fosse realmente importante - ao menos em um primeiro momento - agilizar a
extração, incorporar tecnologia com a vinda de empresas estrangeiras e
alavancar a economia brasileira com esse salto. No entanto, nem mesmo
assim se consegue aceitar o modelo apresentado pelo governo para que o
capital privado participe das licitações em nossas águas.
As benesses do regime de concessão
Ao
invés de preservar o patrimônio nacional, os documentos oficiais que
desenham o modelo institucional terminam por defender os interesses dos
conglomerados multinacionais. Na grande maioria dos países que lançaram
mão desse recurso para explorar sua riqueza natural, adota-se o chamado
regime de partilha. A empresa se responsabiliza pela extração do óleo e
se submete ao que está definido no contrato: uma parcela do petróleo é
destinada ao Estado nacional e a forma de destino do restante é objeto
de detalhamento. Há casos de previsão de transferência tecnológica,
obrigatoriedade de contratação de empresas nacionais para serviços,
previsão de quotas mínimas para refino em território do próprio país,
entre outras exigências de contrapartida.
Àqueles
que possam eventualmente considerar esse modelo um excesso de
intervenção estatal na economia, cabe lembrar que nem por isso os
mastodontes do setor deixam de se apresentar às concorrências que são
abertas pelo mundo afora. Sim, pois a atividade é extremamente lucrativa
e apresenta riscos compatíveis com suas expectativas de ganhos. Se
estão explorando e faturando em territórios turbulentos e arriscados
como o iraniano e o iraquiano, o que dizer de suas perspectivas de
negócios aqui nessas terras e mares tão tranquilos e que nos dizem terem
sido abençoados por Deus?
Infelizmente, o
petróleo ainda funciona, nos tempos atuais, como o principal combustível
para a maior parte da economia capitalista globalizada.
Exatamente
por se tratar de uma questão essencial e estratégica para os países
ricos, as últimas aventuras belicistas dos EUA aconteceram no
Afeganistão, Irã, Iraque, além da Síria, em compasso de espera. É quase
impossível imaginarmos alguma modalidade maior de intervenção estatal na
economia!
Mas, como parte de nossas elites
sempre manteve uma postura de submissão e vassalagem face aos pólos do
chamado “mundo desenvolvido”, resolveu-se aqui tornar os ganhos dos
grupos privados ainda mais substanciosos. Algo como um efeito retardado
das marolas do neoliberalismo. E foi criado, então, o modelo do
neo-entreguismo. Como o sistema de partilha não era suficientemente
rentável para o capital, adotou-se o regime de concessão. Um regime onde
a empresa exploradora pode quase tudo, ao passo que o Brasil e o Estado
brasileiro podem quase nada. Como se nós estivéssemos ávidos pela vinda
das grandes petroleiras, que estariam assim prestando um grande favor
ao nosso País.
É necessário cancelar o leilão de 21 de outubro!
A
empresa vencedora do leilão adianta uma soma para ter o direito de
exploração e depois tem liberdade absoluta para fazer o que bem entender
com o óleo extraído. As consequências negativas para o Brasil são
evidentes.
Não há previsão de transferência de
tecnologia. Não ocorrem os chamados efeitos “para frente” e “para trás”
no setor, pois as plataformas, os navios, os componentes e os serviços
intermediários são contratados no exterior. A mesma ausência de impacto
positivo para o restante da cadeia produtiva se verifica quanto aos
processos de refino e industrialização, uma vez que os editais não
estabelecem um percentual máximo para exportação do óleo em estado
bruto. A tendência é de se exportar a totalidade do extraído. O processo
de agregação de valor ocorre no exterior, cabendo a nós a continuidade
do antigo e conhecido papel subalterno de país primário exportador.
A
data para o leilão do neo-entreguismo do Pré Sal já está definida: 21
de outubro. Esse é o dia que a ANP estabeleceu para que se apresentem os
interessados na exploração do campo Libra. São 15 bilhões de barris a
serem retirados com risco praticamente nulo para o consórcio vencedor,
uma vez que a Petrobrás já perfurou e encontrou o óleo. E com a grande
chance de levar ainda um “bônus” extra, de outros 9 bilhões de barris,
em razão da existência de outro campo contíguo - Franco. É que ali
também já foram perfurados poços pela empresa brasileira, comprovando a
riqueza potencial. Cabe ao movimento sindical e às demais entidades do
movimento popular se levantarem contra essa medida e exigir o
cancelamento do leilão. O Brasil merece uma solução mais inteligente e
menos danosa ao nosso patrimônio.
Paulo Kliass é
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do
governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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