buscado no JANELA DO ABELHA
3/4/2013, Amira Hass, Haaretz, Israel
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Amira Haas
|
Atirar pedras é
direito, por nascimento e por dever, de qualquer ser humano submetido
a governo ocupante. Atirar pedras é ação, tanto quanto é também
metáfora, da Resistência. Perseguir atiradores de pedras de oito
anos de idade é parte constitutiva – embora ninguém diga – da
violência que se deve esperar de potência ocupante, tanto quanto o
assassinato, a tortura, o roubo de terras, restrições ao ir e vir e
distribuição desigual das fontes de água.
A violência de
soldados de 19 anos, de seus comandantes de 45, dos burocratas,
juízes e advogados de Israel é ditada pela realidade. O trabalho
deles é proteger os frutos da violência que chega com a própria
ocupação de terra alheia: seus recursos, lucros, poder e
privilégios.
O Fincar-pé (Sumud) e
a Resistência contra a violência física e ainda mais contra a
violência sistêmica, institucionalizada, é a palavra-de-ordem
núcleo na sintaxe interna dos palestinos em sua terra.
Meninos palestinos atiram pedras nos ladrões
de Israel
|
Vê-se no dia a dia, a
toda hora, a cada momento, sem pausa. Infelizmente, é verdade não
só na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Leste) e em Gaza, mas
também dentro das “fronteiras” fantasiadas de Israel, embora a
violência e a resistência contra a violência manifestem-se sob
formas diferentes. Mas dos dois lados da Linha Verde, os níveis de
desespero, sufocação, amargura, ansiedade e ira só fazem subir,
como também sobe a certeza de que é infinita a cegueira dos
israelenses que creem que a própria violência permaneceria para
sempre sob controle e sem revide.
Não raras vezes,
jogam-se pedras por tédio, por excesso de hormônios juvenis, para
imitar outros, para “aparecer”, para competir. Mas na sintaxe
interna do relacionamento entre ocupante e ocupado, jogar-pedras é
adjetivo que sempre acompanha o sujeito de “Basta! Basta de vocês,
ocupantes de terra roubada”.
Afinal, adolescentes
sempre poderiam encontrar outros meios para dar vazão ao calor dos
próprios hormônios, sem arriscarem-se a ser presos, multados,
mutilados e mortos.
Soldados ladrões prendem alguns meninos
palestinos
|
Ainda que seja direito
e dever, várias modalidades de fincar-pé e resistir contra estado
ocupante, além das regras e limitações dessa luta, bem poderiam
ser ensinadas em escolas e aprimoradas.
Dentre as limitações,
ensinar a distinguir ocupantes armados e civis desarmados; distinguir
entre crianças e soldados. E também se deveria ensinar que nunca,
em nenhum caso, se deve empunhar armas contra outros seres humanos.
Mas pedras, sim, em circunstâncias desesperadas de ocupação.
Estudar
comparativamente diferentes lutas em diferentes países contra o
colonialismo; como usar uma câmera de vídeo para documentar a
violência do estado ocupante e de seus representantes; métodos para
cansar o sistema militar e seus representantes; um dia de trabalho
nas terras além do muro da vergonha; treinamento para observar e não
esquecer detalhes que permitam identificar os soldados que jogam você
de barriga no fundo do jipe, mãos algemadas às costas; conhecer os
direitos dos prisioneiros e saber que é indispensável agarrar-se a
eles e repeti-los sem parar em tempo real; treinamento para não se
intimidar ante o interrogador; e aulas de organização de massa para
fazer-ser o direito de andar por onde cada um deseje andar na própria
terra. De fato, também os palestinos adultos teriam a ganhar com
aulas desse tipo, que substituiriam com vantagem as manifestações;
em vez de convocar protestos, aulas para aprender a fazer correr e
dispersar soldados. E muito treinamento em análise e identificação
de postados no Facebook.
Quando, há dois anos,
alunos de ginásio na Palestina passaram a receber treinamento para
promover a campanha de boicote aos produtos das colônias, chegou a
parecer que se andava afinal em direção produtiva. Mas parou
ali, sem ampliar o conceito e a ideia. Lições desse tipo estariam
em perfeita harmonia com as táticas que a ONU aceita e prestigia em
populações sob ataque – desobediência civil em campo e oposição
diplomática à potência ocupante.
Por tudo isso, por que
essas aulas não existem no currículo das escolas palestinas? Parte
da explicação está na oposição dos estados que doam fundos para
manter as escolas, e nas medidas de punição violenta do governo
israelense. Mas há muito de inércia, de preguiça, de raciocínio
desviante, de falta de compreensão; e, afinal de contas, também há
palestinos que lucram com o status quo.
O pior efeito da
existência da Autoridade Palestina é que gerou uma regra básica, a
única imperante nos últimos 20 anos: os palestinos têm de
adaptar-se à atual situação.
Assim, precisamente, se
criou uma contradição e o choque, entre a sintaxe interna da
Autoridade Palestina e a sintaxe interna do povo palestino.
Nota dos tradutores
[1]
Acampamentos fortificados, construções de campanha, que os terroristas
sionistas construíam, no assalto à Palestina, entre 1936 e 1939. Há um
museu dedicado a essas construções sionistas, em Haifa. Imagens em: “The Tower and Stockade Museum in Hanita”.
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/a-sintaxe-interna-da-pedrada-como.html
http://goo.gl/Eb9mi
[A rede castorphoto é uma rede independente tem perto de 41.000 correspondentes no Brasil e no exterior. Estão divididos em 28 operadores/repetidores e 232 distribuidores; não está vinculada a nenhum portal nem a nenhum blog ou sítio. Os operadores recolhem ou recebem material de diversos blogs, sítios, agências, jornais e revistas eletrônicos, articulistas e outras fontes no Brasil e no exterior para distribuição na rede]
Nenhum comentário:
Postar um comentário