segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Saúde, educação, cultura e outra lição de Cuba: o esporte

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Max Altman
Por Max Altman

Cumpre inicialmente ressaltar que a Organização Desportiva Panamericana inflou a competição, sabe-se lá por que razão, com esportes praticados por poucos países e dentro desses países por pouca gente, geralmente endinheirada, e, fundamentalmente, esportes de pouca ou nenhuma tradição olímpica.

Mas que garantem preciosas medalhas: badminton, squash, boliche, raquetebol, softbol, pelota basca, karatê, boxe feminino, esqui aquático, patinagem, ciclismo de montanha, ciclismo BMX, vela I 24, vela laser radial, vela RSX feminino, vela RSX masculino, vela sunfish, ginástica de trampolim, rugby.

Para se ter uma ideia, o México, país anfitrião, de suas 42 medalhas de ouro, uma terça parte foi assegurada por esses esportes: 4 no squash, 5 no raquetebol, 5 na pelota basca.


A cobertura da nossa imprensa escrita e televisionada foi basicamente distorcida em relação à essência dos resultados e patrioteira ao ressaltar apenas as medalhas de ouro dos atletas brasileiros sem atentar para a análise da qualidade do desempenho. A cobertura da TV Record, que deteve os direitos de transmissão, pecou pelos mesmos motivos, embora diante das evidências das imagens tivesse que esboçar críticas e observações com algum critério técnico.

À parte os Estados Unidos, grande e tradicional potência desportiva e olímpica, que de resto não enviou a Guadalajara seus principais atletas, a grande vencedora foi a equipe de Cuba. Muitos mais uma vez se perguntam como um país de apenas 11,2 milhões de habitantes, com parcos recursos econômicos, bloqueado há mais de 50 anos pelo poderoso vizinho do norte, consegue tão destacadas resultados essencialmente nas modalidades tradicionalmente olímpicas nas quais concentra seus esforços.

Em primeiro lugar, a educação física é realmente um direito do povo e maciçamente praticada em Cuba. Dezenas de milhares de treinadores observam e peneiram na prática diária dos exercícios físicos, na rede de ensino básico, médio e universidades, crianças e jovens com talento para a prática deste ou daquele esporte. Levam-nos posteriormente para a iniciação e formação numa dada modalidade. Observados, os melhores são conduzidos para os centros de alto rendimento onde são burilados, recebem treinamento específico e são cercados de atenção adequada.

Outro aspecto a destacar é que absolutamente todos os atletas se preparam e se exercitam no próprio território cubano com treinadores, técnicos, professores de educação física, fisioterapeutas, médicos desportivos, árbitros, nutricionistas, massagistas, administradores desportivos e chefias cubanos.

Cuba chega até a exportar técnicos para outros países, como é o caso do próprio Brasil. Não há um único atleta nascido em Cuba, que treine e more no exterior, sob os cuidados de técnicos estrangeiros e membro de equipes locais. Todo e qualquer resultado atlético, positivo ou não, é fruto autenticamente cubano dos esforços da própria nação, nunca de um isolado talento individual ou de esforços individuais.

Para se ter uma ideia estatística do valor da performance cubana, deixando de lado os Estados Unidos que não levaram sua principal força, comparemos os resultados do segundo, terceiro e quarto colocados em relação à população e ao poderio econômico.

Cuba tem 11,2 milhões de habitantes e 70 bilhões de dólares de PIB; Brasil, 193 milhões e 1,7 trilhão; México, 112 milhões e 900 bilhões. Desse modo, cada medalha dourada de Cuba corresponde a 193 mil habitantes e 1,2 bilhão de dólares; Brasil a 4,021 milhões de habitantes e 35,4 bilhões de dólares; México a 2,660 milhões de habitantes e 21,4 bilhões de dólares.

Finalmente, dois comentários mais sobre o boxe e o atletismo, duas modalidades olímpicas tradicionais. Quando no Pan do Rio em 2007, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara desertaram de sua equipe, atraídos pelos acenos pecuniários de empresários alemães, a grande mídia brasileira exultou.

As manchetes estampavam: pugilistas fogem para a liberdade. Localizados, foram deportados para Cuba. Os meios de comunicação locais estrebucharam: os boxeadores foram devolvidos pelo governo brasileiro para serem vítimas da vingança dos Castro. Pouco tempo depois, Rigondeaux e Lara saíram normalmente de Cuba e foram para Miami em busca de riqueza e glória.

Hoje lutam muito pouco. Dependem de inescrupulosos empresários. A fama e o dinheiro se esvaem. Mais adiante, com o passar do tempo, quando não mais puderem lutar, serão jogados fora como laranjas chupadas.

Teófilo Stevenson e Félix Savón, tricampeões olímpicos de boxe, jamais abandonaram suas equipes nem o seu país, apesar dos milionários convites para se profissionalizar. Quando encerraram a carreira, passaram a treinar e formar novos campeões. Têm a admiração e a amizade dos seus pupilos e do povo de seu país.

Em Guadalajara, com equipe totalmente renovada e muito jovem, o boxe cubano de 10 categorias disputadas participou de nove – não levou o super-pesado. Ganhou 8 medalhas de ouro e só perdeu uma luta, a de mosca.

Quanto ao atletismo, o esporte olímpico por excelência, o único que pode ostentar o dístico “citius, altius, fortius’ – mais rápido, mais alto, mais forte – em que raramente um só atleta consegue levar mais de duas medalhas, jamais 5, 6 ou 7, Cuba - de 47 provas disputadas -conquistou 19 medalhas de ouro e o Brasil, 10.

Ainda que se leve em conta que os Estados Unidos não mandaram sua equipe principal nem a Jamaica seus extraordinários velocistas, os atletas cubanos realizaram em 7 provas marcas que os colocariam no pódio olímpico: vara feminino com Yarisley Silva; 400 com barreiras com Omar Cisneros; vara masculino com Lázaro Borges; dardo masculino com Guillermo Martinez; 110 c/barreiras com Dayron Robles; martelo feminino com Yipsi Moreno e disco feminino com Yarelis Barrios.

Se o Brasil, país de população jovem, seguir a lição de Cuba: massificação da prática desportiva nas escolas de todos os graus, construção de instalações adequadas nos colégios e universidades, formação de milhares de profissionais do esporte com a missão básica de buscar e peneirar talentos, para mais tarde formá-los e burilá-los em centros de treinamento de alto rendimento, certamente será também uma potência olímpica e das mais poderosas.


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sábado, 29 de outubro de 2011

A depravação da América

Carta Maior

A cultura dos Estados Unidos foi inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. O dinheiro é tudo o que importa. Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos EUA. Ela foi usada pelos sociólogos como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e nos EUA, mas a ética protestante e o capitalismo se tornaram incompatíveis. A "América" está se tornando uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história. O artigo é de John Kozy.

John Kozy - Global Research
Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos Estados Unidos. Ela foi usada como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e na América, pelos sociólogos, mas a ética protestante e o capitalismo são incompatíveis, e o capitalismo, em última análise, faz com que a ética protestante seja abandonada.

Há um novo ethos que emergiu, e as elites governamentais não o entendem. Trata-se do etos da “grande oportunidade”, do “prêmio”, da “próxima grande ideia”. A marcha lenta e deliberada em direção ao sucesso é hoje uma condenação do destino. Junto à próxima grande ideia comercial está o novo modelo do "sonho americano". Tudo o que importa é o dinheiro. Dada essa atitude, poucos na América expressam preocupações morais. A riqueza é só o que se tem em vista; vale inclusive nos destruir para alcançá-la. E se não chegamos lá ainda, certamente em breve chegaremos.

Eu suspeito que a maior parte das pessoas gostaria de acreditar que sociedades, não importa as bases de suas origens, tornam-se melhores com o tempo. Infelizmente a história desmente essa noção; frequentemente as sociedades se tornam piores com o tempo. Os Estados Unidos da América não é exceção. O país não foi benigno em sua origem e agora declina, tornando-se uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história.

Embora seja impossível encontrar números que provem que a moralidade na América declinou, evidências cotidianas estão onde quer que se veja. Quase todo mundo pode citar situações nas quais o bem estar das pessoas foi sacrificado pelo bem das instituições públicas ou privadas, mas parece impossível citar um só exemplo de instituição pública ou privada que tenha sido sacrificada em nome do povo.

Se a moralidade tem a ver com o modo como as pessoas são tratadas, pode-se perguntar legitimamente onde a moralidade desempenha um papel no que está se passando nos EUA? A resposta parece ser: “Em lugar nenhum!” Então, o que tem aconteceu nos EUA para se ter a atual epidemia de afirmações de que a moralidade na América colapsou?

Bem, a cultura mudou drasticamente nos últimos cinquenta anos. Foi isso o que aconteceu. Houve um tempo em que a "América", o "caráter americano", era definido em termos do que se chamava de Ética Protestante. O sociólogo Max Weber atribuiu o sucesso do capitalismo a isso. Infelizmente, Max foi negligente; ele estava errado, completamente errado. O capitalismo e a ética protestante são inconsistentes entre si. Nenhum dos dois pode ser responsável pelo outro.

A ética protestante (ou puritana) está baseada na noção de que o trabalho duro e a ascese são duas consequências importantes para ser eleito pela graça da cristandade. Se uma pessoa trabalha duro e é frugal, ele ou ela é considerado como digno de ser salvo. Esses atributos benéficos, acreditava-se, fizeram dos estadunidenses o povo mais trabalhador do que os de quaisquer outras sociedades (mesmo que as sociedades protestantes europeias fossem consideradas parecidas e as católicas do sul da Europa fossem consideradas preguiçosas).

Alguns de nós afirmam agora que estamos testemunhando o declínio e a queda da ética protestante nas sociedades ocidentais. Como a ética protestante tem uma raiz religiosa, o declínio é frequentemente atribuído a um crescimento do secularismo. Mas isto seria mais facilmente verificável na Europa do que na América, onde o fundamentalismo protestante ainda tem muitos seguidores. Então deve haver alguma outra explicação para o declínio. Mesmo que o crescimento do secularismo tenha levado muita gente a dizer que ele destruiu os valores religiosos juntamente aos valores morais que a religião ensina, há uma outra explicação.

No século XVII, a economia colonial da América era agrária. Trabalho duro e ascese combinam perfeitamente com essa economia. Mas a América não é mais agrária. A economia dos EUA hoje é definida como capitalismo industrial. Economias agrárias raramente produzem mais do que é consumido, mas economias industriais o fazem diariamente. Assim, para se manter a economia industrial funcionando, o consumo deve não apenas ser contínuo, como continuamente crescente.

Eu duvido que haja um leitor que não tenha escutado que 70% da economia dos EUA resulta do consumo. Mas 70% de um é 0,7, ou de dois é 1,4, de três, 2,1, etc. À medida que economia cresce de um a dois pontos do PIB, o consumo deve crescer de 0,7 para 1,4 pontos. Mas o aumento crescente do consumo não é compatível com a ascese. Uma economia industrial requer gente para gastar e gastar, enquanto a ascese requer gente para economizar e economizar. A economia americana destruiu a ética protestante e as perspectivas religiosas nas quais foi fundada. O consumo conspícuo substituiu o trabalho duro e a poupança.

No seu A Riqueza das Nações, Adam Smith afirma que o capitalismo beneficia a todos, desde que cada um aja em benefício dos outros. Agora estão nos dizendo que “economizar mais e cortar gastos pode ser um bom plano para lidar com a recessão. Mas se todo mundo proceder assim isso só vai tornar as coisas piores....aquilo de que a economia mais precisa é de consumidores gastando livremente”. A grande recessão atingiu Adam Smith na sua cabeça, mas o economista admitiria isso.

Um ambiente em que todos e cada um quer economizar não pode levar ao crescimento. A produção necessita ser vendida e para isso você precisa de consumidores”.

Poupar é (presumivelmente) bom para indivíduos, mas ruim para a economia, a qual requer gasto contínuo crescente. Se um economista tivesse dito isso na minha frente, eu teria lhe dito que isso significa claramente que há algo fundamentalmente errado com a natureza da economia, que isso significa que a economia não existe para prover as necessidades das pessoas, mas que as pessoas existem apenas para satisfazer as necessidades da economia. Embora não pareça isso, uma economia assim escraviza o povo a quem diz servir. Então, de fato, o capitalismo industrial perpetrou a escravidão; ele tem reescravizado aqueles que um dia emancipou.

Quando o consumo substituiu a poupança na psique americana, o resto de moralidade afundou junto na depravação. A necessidade de vender requer marketing, o que nada mais é que a mentira das mentiras. Afinal de contas, toda empresa é fundada no que disse o livro de Edward L. Bernays, de 1928: Propaganda. A cultura americana tem sido inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. Ninguém pode se isolar disso. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. Ninguém pode ter certeza de estarem lhe contando a verdade a respeito de alguém. Nenhum código moral pode sobreviver numa cultura de desonestidade, e de resto, ninguém pode!

Tendo subvertido a ética protestante, a economia destruiu toda ética que a América um dia promoveu. O país tornou-se uma sociedade sem um etos, uma sociedade sem propósito humano. Os americanos se tornaram cordeiros sacrificáveis para o bem das máquinas. Então, um novo etos emergiu do caos, um etos que a elite governamental desconhece completamente.

Diz-se frequentemente que Washington perdeu o contato com as pessoas que governa, que não entende mais seu próprio povo ou como sua cultura comum funciona. Washington e a elite do país não entendem isso, mas a cultura não valoriza mais o certo sobre o errado ou o trabalho duro e a ascese sobre a preguiça e a extravagância. Hoje os americanos estão buscando a “grande oportunidade”, o “prêmio”, a “próxima grande ideia”. O Sonho Americano foi hoje reduzido ao “acertar em cheio!”. A longa e deliberada estrada para o sucesso é uma condenação. Vejam American Idol, The X-Factor e America’s Got Talent e testemunhe a horda que se apresenta para os auditórios. Essas pessoas, em sua maior parte, não trabalharam duro em nada na vida. Contem o número de pessoas que regularmente apostam na loteria. Esse tipo de aposta não requer trabalho algum. Tudo o que essas pessoas querem é acertar em cheio. E quem é nosso homem de negócios mais exaltado? O empreendedor!

Empreendedores são, na sua maior parte, fogo de palha, mesmo que haja exceções notáveis. O problema com o empreendedorismo, no entanto, é a alta conta em que passou a ser tomado. Mas o único valor ligado a ele é a quantidade de dinheiro que os empreendedores têm feito. Raramente ouvimos alguma coisa a respeito do modo nefasto como esse dinheiro foi feito. Bill Gates e Mark Zuckerberg, por exemplo, dificilmente representam imagens de pessoas com moralidade exemplar, mas na economia sem escrúpulos morais, ninguém se importa; tudo o que importa é o dinheiro.

Dada essa atitude, por que alguém, nessa sociedade, expressaria preocupações morais? Poucos na América o fazem. Assim, enquanto a elite americana fala na necessidade de produzir força de trabalho sustentável para as necessidades de sua indústria, as pessoas não querem nada disso.

A elite frequentemente lastima a falência do sistema educacional americano e tem tentado melhorá-lo sem sucesso, por várias décadas. Mas se alguém presta atenção no atual estado de coisas na América, vê que a maior parte dos empreendedores de sucesso são pessoas que abandonaram faculdades. Como se pode convencer a juventude de que a educação universitária é um empreendimento que vale a pena? Assim como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg mostraram, aprender a desenhar um software não requer graduação universitária. Nem ganhar na loteria ou vencer o American Idol. Fazer parte da Liga Nacional de Futebol pode requerer algum tempo na universidade, mas não a graduação. Todo o empreendedorismo requer uma nova ideia mercantil.

Entretenimento e esportes, loterias e programas de jogos e disputas, produtos de consumo de que as pessoas não tiveram necessidade por milhões de anos são agora as coisas que formam a cultura americana. Mas não são coisas, são lixo; não podem formar a base de uma sociedade humana estável e próspera. Esta é uma cultura governada meramente por um atributo: a riqueza, bem ou mal havida!

A capacidade humana de autoengano é sem limites. Os estadunidenses vêm se enganando com a crença de que a riqueza agregada, a soma total de riquezas, em vez de como ela é distribuída, dá certo. Não importa como foi obtida ou o que foi feito para se obter tal riqueza. A riqueza agregada é a única coisa que se tem em vista; é algo pelo que vale à pena destruir a nós mesmos. E mesmo que não o tenhamos alcançado ainda, em breve certamente o conseguiremos.

A história descreve muitas nações que se tornaram depravadas. Nenhuma delas jamais se reformou. Nenhum garoto bonito pode ser convocado para desfazer a catástrofe do Toque de Midas. O dinheiro, afinal de contas, não é uma coisa de que os humanos precisem para sobreviver, e se o dinheiro não é usado para produzir e distribuir as coisas necessárias, a sobrevivência humana é impossível, não importa o quanto de riqueza seja agregada ou acumulada.

(*) John Kozy é professor aposentado de filosofia e lógica que escreve sobre assuntos econômicos, sociais e políticos. Depois de ter servido na Guerra da Coréia, passou 20 anos como professor universitário e outros 20 trabalhando como escritor. Publicou um livro de lógica formal, artigo acadêmicos. Sua página pessoal é http://www.jkozy.com onde pode ser contatado.

Tradução: Katarina Peixoto
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PUXADINHO DO JADER
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Eu Não Vou me Mover - Curta Metragem - Uma obra prima sobre a Hipocrisia

Viva a mulher

por Maíra Kubík Mano 
O que é estupro?
A lei mudou. O novo artigo 213 do Código Penal não define mais como estupro apenas sexo com penetração forçada, mas também toques libidinosos contra a vontade da vítima. Em tese, isso consegue apontar para a gravidade de qualquer tipo de violação física, algo absolutamente repudiante, nojento e lamentável.
Boa parte das mulheres que já pegou ônibus lotado sabe bem o que significa ser apalpada ou encoxada no silêncio anônimo de uma multidão espremida (há algum tempo, postei um relato pessoal sobre isso no Viva Mulher). Não há palavras para descrever a sensação de ser usurpada de sua integridade física.
Mas será que esse tipo de crime é semelhante ao de estupro?
Saiu hoje na Folha de S. Paulo um texto da procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, questionando esse critério.
"Por mais surpreendente que possa parecer, temos tido notícias de moças que foram estupradas dentro de vagões do metrô em São Paulo. É intrigante como alguém consegue cometer tamanha violência em horário de pico, em um local superlotado. Será que ninguém ao redor tem coragem de agir diante de um ato brutal?
A explicação, porém, é outra, com a alteração do Código Penal no que se refere aos crimes de natureza sexual, qualquer ato libidinoso cometido com violência ou grave ameaça passou a se chamar estupro, como um beijo lascivo ou uma carícia nas partes íntimas. (…)
As mencionadas ocorrências no metrô não são atos sexuais. Em um dos últimos casos noticiados, o sujeito rasgou a calcinha da moça e bolinou sua área genital. Isso agora é denominado estupro – evidente exagero, um exagero que só vem a confundir as coisas."
Ok, a argumentação dela é bastante razoável. Traz um relato prático da aplicação da lei e me lembra um pouco aquelas histórias de crianças americanas cujos pais resolvem processar a escola porque elas estavam trocando beijos com coleguinhas e isso caracterizaria assédio.
Mas não podemos perder de vista a importância do texto, aprovado em 2009, que reforça a gravidade de atos libidinosos forçados. E apelar para o bom senso das pessoas em compreender a diferença entre “um beijo lascivo”, como ela diz, e uma mão indesejada dentro das roupas íntimas de outrem ao fazer uma denúncia.
Além disso, a alteração admitiu a possibilidade de um homem também ser estuprado. O que antes era “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” passou a ser “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Em tempos de homofobia extrema, é fundamental que exista uma lei como essa.
Em geral, tendemos a dizer que, no Brasil, uma lei só vale se “pega”. Pelo relato de Luiza Nagib Eluf, essa de fato está funcionando. E, para mim, quaisquer distorções em sua aplicação são infinitamente mais fáceis de corrigir do que ela não ser levada em consideração.
Afinal, a sociedade em que eu quero viver não precisaria separar vagões masculinos e femininos para que as mulheres saiam ilesas de uma breve viagem. E esse me parece mais um passo, e não um retrocesso, nesse caminho.

(Texto original do Território)
Escrito por Maíra Kubík Mano

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Os Dez Mandamentos (versão revisada e ampliada)

por Ladislau Dowbor

Como sociedade, desejamos não somente sobreviver, mas viver com qualidade de vida, e porque não, com felicidade. E isto implica elencarmos de forma ordenada os resultados mínimos a serem atingidos, com os processos decisórios correspondentes. Os Mandamentos abaixo elencados têm um denominador comum: todos já foram experimentados e estão sendo aplicados em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável. Não temos a ilusão relativamente à distância entre a realidade política de hoje e as medidas sistematizadas abaixo. Mas pareceu-nos essencial, de toda forma, elencar de forma organizada as medidas necessárias, pois ter um norte mais claro ajuda na construção de uma outra governança planetária. Não estão ordenadas por ordem de importância, pois a maioria tem implicações simultâneas e dimensões interativas. Mas todos os mandamentos deverão ser obedecidos, pois a ira dos elementos nos atingirá a todos, sem precisar esperar a outra vida.

Considerando que a obediência à versão original dos Dez Mandamentos foi apenas aleatória, desta vez o Autor teve a prudência de acrescentar a cada Mandamento uma nota de explicação, destinada em particular aos impenitentes.

I – Não comprarás os Representantes do Povo
Resgatar a dimensão pública do Estado: Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se é o dinheiro das corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que avaliam risco são pagas por quem cria o risco? Se é aceitável que os responsáveis de um banco central venham das empresas que precisam ser reguladas, e voltem para nelas encontrar emprego?

Uma das propostas mais evidentes da última crise financeira, e que encontramos mencionada em quase todo o espectro político, é a necessidade de se reduzir a capacidade das corporações privadas ditarem as regras do jogo. A quantidade de leis aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transações financeiras, de reduzir a regulação de banco central, de autorizar os bancos a fazerem toda e qualquer operação, somado com o poder dos lobbies financeiros tornam evidente a necessidade de se resgatar o poder regulador do estado, e para isto os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos. Enquanto não tivermos financiamento público das campanhas, políticas que representem os interesses dos cidadãos, prevalecerão os interesses econômicos de curto prazo, os desastres ambientais e a corrupção.

II – Não Farás Contas erradas
As contas têm de refletir os objetivos que visamos. O PIB indica a intensidade do uso do aparelho produtivo, mas não nos indica a utilidade do que se produz, para quem, e com que custos para o estoque de bens naturais de que o planeta dispõe. Conta como aumento do PIB um desastre ambiental, o aumento de doenças, o cerceamento de acesso a bens livres. O IDH já foi um imenso avanço, mas temos de evoluir para uma contabilidade integrada dos resultados efetivos dos nossos esforços, e particularmente da alocação de recursos financeiros, em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável. As metodologias existem, aplicadas parcialmente em diversos países, setores ou pesquisas.

A ampliação dos indicadores internacionais como o IDH, a generalização de indicadores nacionais como os Calvert-Henderson Quality of Life Indicators nos Estados Unidos, as propostas da Comissão Stiglitz/Sen/Fitoussi, o movimento FIB – Felicidade Interna Bruta – todos apontam para uma reformulação das contas. A adoção em todas as cidades de indicadores locais de qualidade de vida – veja-se os Jacksonville Quality of Life Progress Indicators – tornou-se hoje indispensável para que seja medido o que efetivamente interessa: o desenvolvimento sustentável, o resultado em termos de qualidade de vida da população. Muito mais do que o produto (output), trata-se de medir o resultado (outcome).

III – Não Reduzirás o Próximo à Miséria
Algumas coisas não podem faltar a ninguém. A pobreza crítica é o drama maior, tanto pelo sofrimento que causa em si, como pela articulação com os dramas ambientais, o não acesso ao conhecimento, a deformação do perfil de produção que se desinteressa das necessidades dos que não têm capacidade aquisitiva. A ONU calcula que custaria 300 bilhões de dólares (no valor do ano 2000) tirar da miséria um bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia. São custos ridículos quando se considera os trilhões transferidos para grupos econômicos financeiros no quadro da última crise financeira. O benefício ético é imenso, pois é inaceitável morrerem de causas ridículas 10 milhões de crianças por ano. O benefício de curto e médio prazo é grande, na medida em que os recursos direcionados à base da pirâmide dinamizam imediatamente a micro e pequena produção, agindo como processo anticíclico, como se tem constatado nas políticas sociais de muitos países. No mais longo prazo, será uma geração de crianças que terão sido alimentadas decentemente, o que se transforma em melhor aproveitamento escolar e maior produtividade na vida adulta. Em termos de estabilidade política e de segurança geral, os impactos são óbvios. Trata-se do dinheiro mais bem investido que se possa imaginar, e as experiências brasileira, mexicana e de outros países já nos forneceram todo o know-how correspondente. A teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda, é simplesmente desmentida pelos fatos: sair da miséria estimula, e o dinheiro é simplesmente mais útil onde é mais necessário.

IV – Não Privarás Ninguém do Direito de Ganhar o seu Pão
Universalizar a garantia do emprego é viável. Toda pessoa que queira ganhar o pão da sua família deve poder ter acesso ao trabalho. Num planeta onde há um mundo de coisas a fazer, inclusive para resgatar o meio ambiente, é absurdo o número de pessoas sem acesso a formas organizadas de produzir e gerar renda. Temos os recursos e os conhecimentos técnicos e organizacionais para assegurar, em cada vila ou cidade, acesso a um trabalho decente e socialmente útil. As experiências de Maharashtra na Índia demonstraram a sua viabilidade, como o mostram as numerosas experiências brasileiras, sem falar no New Deal da crise dos anos 1930. São opções onde todos ganham: o município melhora o saneamento básico, a moradia, a manutenção urbana, a policultura alimentar. As famílias passam a poder viver decentemente, e a sociedade passa a ser melhor estruturada e menos tensionada. Os gastos com seguro-desemprego se reduzem. No caso indiano, cada vila ou cidade é obrigada a ter um cadastro de iniciativas intensivas em mão de obra.

Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento, melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno. E argumento fundamental: assegura que todos tenham o seu lugar para participar na construção de um desenvolvimento sustentável. Na organização econômica, além do resultado produtivo, é essencial pensar no processo estruturador ou desestruturador gerado. A pesca oceânica industrial pode ser mais produtiva em volume de peixe, mas o processo é desastroso, tanto para a vida no mar como para centenas de milhões de pessoas que viviam da pesca tradicional. A dimensão de geração de emprego de todas as iniciativas econômicas tem de se tornar central. Assegurar a contribuição produtiva de todos, ao mesmo tempo que se augmenta gradualmente o salário mínimo e se reduz a jornada, leva simplesmente a uma prosperidade mais democrática.

V – Não Trabalharás Mais de Quarenta Horas
Podemos trabalhar menos, e trabalharemos todos, com tempo para fazermos mais coisas interessantes na vida. A sub-utilização da força de trabalho é um problema planetário, ainda que desigual na sua gravidade. No Brasil, conforme vimos, com 100 milhões de pessoas na PEA, temos 31 milhões formalmente empregadas no setor privado, e 9 milhões de empregados públicos. A conta não fecha. O setor informal situa-se na ordem de 50% da PEA. Uma imensa parte da nação “se vira” para sobreviver. No lado dos empregos de ponta, as pessoas não vivem por excesso de carga de trabalho. Não se trata aqui de uma exigência de luxo: são incontáveis os suicídios nas empresas onde a corrida pela eficiência se tornou simplesmente desumana. O stress profissional está se tornando uma doença planetária, e a questão da qualidade de vida no trabalho passa a ocupar um espaço central. A redistribuição social da carga de trabalho torna-se hoje uma necessidade. As resistências são compreensíveis, mas a realidade é que com os avanços da tecnologia os processos produtivos tornam-se cada vez menos intensivos em mão de obra, e reduzir a jornada é uma questão de tempo. Não podemos continuar a basear o nosso desenvolvimento em ilhas tecnológicas ultramodernas enquanto se gera uma massa de excluídos, inclusive porque se trata de equilibrar a remuneração e, consequentemente, a demanda. A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida.

VI – Não Viverás para o Dinheiro
A mudança de comportamento, de estilo de vida, não constitui um sacrifício, e sim um resgate do bom senso. Neste planeta de 7 bilhões de habitantes, com um aumento anual da ordem de 75 milhões, toda política envolve também uma mudança de comportamento individual e da cultura do consumo. O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais.

No apagão energético do final dos anos 90 no Brasil, constatou-se como uma boa campanha informativa, o papel colaborativo da mídia, e a punição sistemática dos excessos permitiu uma racionalização generalizada do uso doméstico da energia. Esta dimensão da solução dos problemas é essencial, e envolve tanto uma legislação adequada, como sobretudo uma participação ativa da mídia.

Hoje 95% dos domicílios no Brasil têm televisão, e o uso informativo inteligente deste e de outros meios de comunicação tornou-se fundamental. Frente aos esforços necessários para reequilibrar o planeta, não basta reduzir o martelamento publicitário que apela para o consumismo desenfreado, é preciso generalizar as dimensões informativas dos meios de comunicação. A mídia científica praticamente desapareceu, os noticiários navegam no atrativo da criminalidade, quando precisamos vitalmente de uma população informada sobre os desafios reais que enfrentamos. A pergunta a se fazer a cada ato de conusmo, não é só se “é bom para mim”, mas se é bem para o planeta e o bem comum, e buscar um equilíbrio razoável. A opção individual é essencial, mas não suficiente.

Grande parte da mudança do comportamento individual depende de ações públicas: as pessoas não deixarão o carro em casa (ou deixarão de tê-lo) se não houver transporte público, não farão reciclagem se não houver sistemas adequados de coleta. Precisamos de uma política pública de mudança do comportamento individual.

VII – Não Ganharás Dinheiro com o Dinheiro dos Outros
Racionalizar os sistemas de intermediação financeira é viável. A alocação final dos recursos financeiros deixou de ser organizada em função dos usos finais de estímulo e orientação de atividades econômicas e sociais, para obedecer às finalidades dos próprios intermediários financeiros. A atividade de crédito é sempre uma atividade pública, seja no quadro das instituições públicas, seja no quadro dos bancos privados que trabalham com dinheiro do público, e que para tanto precisam de uma carta-patente que os autorize a ganhar dinheiro com dinheiro dos outros. A recente crise financeira de 2008 demonstrou com clareza o caos que gera a ausência de mecanismos confiáveis de regulação no setor. Nas últimas duas décadas, temos saltado de bolha em bolha, de crise em crise, sem que a relação de forças permita a reformulação do sistema de regulação em função da produtividade sistêmica dos recursos. Enquanto não se gera uma relação de forças mais favorável, precisamos batalhar os sistemas nacionais de regulação financeira. O dinheiro não é mais produtivo onde rende mais para o intermediário: devemos buscar a produtividade sistêmica de um recurso que é público.

A Coréia do Sul abriu recentemente um financiamento de 36 bilhões de dólares para financiar transporte coletivo e alternativas energéticas, gerando com isto 960 mil empregos. O impacto positivo é ambiental pela redução de emissões, é anti-cíclico pela dinamização da demanda, é social pela redução do desemprego e pela renda gerada, é tecnológico pelas inovações que gera nos processos produtivos mais limpos. Tem inclusive um impacto raramente considerado, que é a redução do tempo vida que as pessoas desperdiçam no transporte. Trata-se aqui, evidentemente, de financiamento público, pois os bancos comerciais não teriam esta preocupação, nem esta visão sistêmica. (UNEP,Global Green New Deal, 2009). Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis segundo que os objetivos do seu uso sejam mais produtivos em termos sistêmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim.

Particular atenção precisa ser dada aos intermediários que ganham apenas nos fluxos entre outros intermediários – com papéis que representam direitos sobre outros papéis – e que têm tudo a ganhar com a maximização dos fluxos, pois são remunerados por comissões sobre o volume e ganhos, e geram portanto volatilidade e pro-ciclicidade, com os monumentais volumes que nos levaram por exemplo a valores em derivativos da ordem de 863 trilhões de dólares em junho de 2008, 15 vezes o PIB mundial. A intermediação especulativa – diferentemente das intermediação de compras e vendas entre produtores e utilizadores finais – apenas gera uma pirâmide especulativa e insegurança, além de desorganizar os mercados e as políticas econômicas (1).

VIII – Não Tributarás Boas Iniciativas
A filosofia do imposto, de quem se cobra, e a quem se aloca, precisa ser revista. Uma política tributária equilibrada na cobrança, e reorientada na aplicação dos recursos, constitui um dos instrumentos fundamentais de que dispomos, sobretudo porque pode ser promovida por mecanismos democráticos. O eixo central não está na redução dos impostos, e sim na cobrança socialmente mais justa e na alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. A taxação das transações especulativas (nacionais ou internacionais) deverá gerar fundos para financiar uma série de políticas essenciais para o reequilíbrio social e ambiental. O imposto sobre grandes fortunas é hoje essencial para reduzir o poder político das dinastias econômicas (10% das famílias do planeta é dono de 90% do patrimônio familiar acumulado no planeta). O imposto sobre a herança é fundamental para dar chances a partilhas mais equilibradas para as sucessivas gerações. O imposto sobre a renda deve adquirir mais peso relativamente aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda. É importante lembrar que as grandes fortunas do planeta em geral estão vinculadas não a um acréscimo de capacidades produtivas do planeta, e sim à aquisição maior de empresas por um só grupo, gerando uma pirâmide cada vez mais instável e menos governável de propriedades cruzadas, impérios onde a grande luta é pelo controle do poder financeiro, político e midiático, e a apropriação de recursos naturais.

O sistema tributário tem de ser reformulado no sentido anti-cíclico, privilegiando atividades produtivas e penalizando as especulativas; no sentido do maior equilíbrio social ao ser fortemente progressivo; e no sentido de proteção ambiental ao taxar emissões tóxicas ou geradoras de mudança climática, bem como o uso de recursos naturais não renováveis (2).

O poder redistributivo do Estado é grande, tanto pelas políticas que executa – por exemplo as políticas de saúde, lazer, saneamento e outras infra-estruturas sociais que melhoram o nível de consumo coletivo – como pelas que pode fomentar, como opções energéticas, inclusão digital e assim por diante. Fundamental também é a política redistributiva que envolve política salarial, de previdência, de crédito, de preços, de emprego.

A forte presença das corporações junto ao poder político constitui um dos entraves principais ao equilíbrio na alocação de recursos. O essencial é assegurar que todas as propostas de alocação de recursos sejam analisadas pelo triplo enfoque econômico, social e ambiental. No caso brasileiro, constatou-se com as recentes políticas sociais (“Bolsa-Família”, políticas de previdência etc.) que volumes relativamente limitados de recursos, quando chegam à “base da pirâmide”, são incomparavelmente mais produtivos, tanto em termos de redução de situações críticas e consequente aumento de qualidade de vida, como pela dinamização de atividades econômicas induzidas pela demanda local. A democratização aqui é fundamental. A apropriação dos mecanismos decisórios sobre a alocação de recursos públicos está no centro dos processos de corrupção, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.

IX – Não Privarás o Próximo do Direito ao Conhecimento
Travar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis não faz o mínimo sentido. A participação efetiva das populações nos processos de desenvolvimento sustentável envolve um denso sistema de acesso público e gratuito à informação necessária. A conectividade planetária que as novas tecnologias permitem constitui uma ampla via de acesso direto. O custo-benefício da inclusão digital generalizada é simplesmente imbatível, pois é um programa que desonera as instâncias administrativas superiores, na medida em que as comunidades com acesso à informação se tornam sujeitos do seu próprio desenvolvimento. A rapidez da apropriação deste tipo de tecnologia até nas regiões mais pobres se constata na propagação do celular, das lan houses mais modestas. O impacto produtivo é imenso para os pequenos produtores que passam a ter acesso direto a diversos mercados tanto de insumos como de venda, escapando aos diversos sistemas de atravessadores comerciais e financeiros. A inclusão digital generalizada é um destravador potente do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável.

O mundo frequentemente esquece que 2 bilhões de pessoas ainda cozinham com lenha, área em que há inovações significativas no aproveitamento calórico por meio de fogões melhorados. Tecnologias como o sistema de cisternas do Nordeste, de aproveitamento da biomassa, de sistemas menos agressivos de proteção dos cultivos etc., constituem um vetor de mudança da cultura dos processos produtivos. A criação de redes de núcleos de fomento tecnológico online, com ampla capilaridade, pode se inspirar da experiência da Índia, onde foram criados núcleos em praticamente todas as vilas do país. O World Economic and Social Survey 2009 é particularmente eloquente ao defender a flexibilização de patentes no sentido de assegurar ao conjunto da população mundial o acesso às informações indispensáveis para as mudanças tecnológicas exigidas por um desenvolvimento sustentável.

X – Não Controlarás a Palavra do Próximo
Democratizar a comunicação tornou-se essencial. A comunicação é uma das áreas que mais explodiu em termos de peso relativo nas transformações da sociedade. Estamos em permanência cercados de mensagens. As nossas crianças passam horas submetidas à publicidade ostensiva ou disfarçada. A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração internacional e nacional - e a sua crescente interação entre os dois níveis - gerou uma máquina de fabricar estilos de vida, um consumismo obsessivo que reforça o elitismo, as desigualdades, o desperdício de recursos como símbolo de sucesso. O sistema circular permite que os custos sejam embutidos nos preços dos produtos que nos incitam a comprar, e ficamos envoltos em um cacarejo permanente de mensagens idiotas pagas do nosso bolso. Mais recentemente, a corporação utiliza este caminho para falar bem de si, para se apresentar como sustentável e, de forma mais ampla, como boa pessoa. O espectro eletromagnético em que estas mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação inteligente e gratuita para todo o planeta, é simplesmente viável. Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia que surgem por toda parte, há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais.

O fato que mais inspira esperança é a multiplicação impressionante de iniciativas nos planos da tecnologia, dos sistemas de gestão local, do uso da internet para democratizar o conhecimento, da descoberta de novas formas de produção menos agressivas, de formas mais equilibradas de acesso aos recursos. O Brasil neste plano tem mostrado que começar a construir uma vida mais digna para o “andar de baixo”, para os dois terços de excluídos, não gera tragédias para os ricos. Inclusive, numa sociedade mais equilibrada, todos passarão a viver melhor. Tolerar um mundo onde um bilhão de pessoas passam fome, onde 10 milhões de crianças morrem anualmente de causas ridículas, e onde se dilapidam os recursos naturais das próximas gerações, em proveito de fortunas irresponsáveis, já não é possível.

Nesta época interativa, o Altíssimo declarou-se disposto a considerar outros Mandamentos. Sendo o Secretariado do Altíssimo hoje bem equipado, os que por acaso tenham sugestões ou necessitem consultar documentos mais completos, poderão se instruir com outros Assessores, em linha direta sob www.criseoportunidade.wordpress.com. Críticas, naturalmente, deverão ser endereçadas a Instâncias Superiores. Apreciações positivas e sugestões de outros Mandamentos poderão ser enviadas ao blog acima citado, ou no e-mail ladislau@dowbor.org

NOTAS

(1) BIS Quarterly Review, December 2008, Naohiko Baba et al., www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt0812b.pdf p. 26: “In November, the BIS released the latest statistics based on positions as at end-june 2008 in the global over-the-counter (OTC) derivatives markets. The notional amounts outstanding of OTC derivatives continued to expand in the first half of 2008. Notional amounts of all types of OTC contracts stood at $863 trillion at the end of June, 21% higher than six months before”. São 863 trilhões de dólares de derivativos emitidos, frente a um PÌB mundial de cerca de 60 trilhões.

(2) Susan George traz uma ilustração convincente: um bilionário que aplica o seu dinheiro com uma conservadora remuneração de 5% ao ano, aumenta a sua fortuna em 137 mil dólares por dia. Taxar este tipo de ganhos não é “aumentar os impostos”, é corrigir absurdos. 
 
 

PSD: o partido onde os ricos se encontram


Ele foi anunciado em março por seu criador como um partido que não é de direita, nem de esquerda, nem de centro. Sete meses após a famosa declaração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o Partido Social Democrático (PSD) nasce oficialmente hoje no Congresso como uma legenda de ricos e empresários. A maioria deles, ruralistas. Mais da metade da nova bancada tem na atividade empresarial sua principal ocupação. A soma dos bens declarados à Justiça eleitoral pelos congressistas do PSD também faz dele o segundo partido mais rico do Parlamento, atrás apenas do PMDB.

Entre titulares, suplentes e licenciados, o PSD havia arrebanhado 57 deputados e dois senadores até a última segunda-feira. Um número que ainda pode crescer. Desses 59 nomes, 42 (71%) são empresários urbanos ou rurais. Praticamente o mesmo número atua na defesa do agronegócio, como integrantes da bancada ruralista. Juntos, os discípulos do prefeito paulistano no Congresso acumulam um patrimônio de R$ 367,6 milhões. Ou seja, embora representem apenas 8,8% dos congressistas, eles respondem por quase 20% do total de R$ 1,94 bilhão declarado em bens pelos 667 parlamentares que exerceram mandato na atual legislatura.

O PSD abriga o parlamentar mais rico de todo o Congresso, o deputado João Lyra (AL), usineiro dono de uma fortuna declarada de R$ 240,4 milhões, acusado de trabalho escravo no Supremo Tribunal Federal (STF). Outros dois deputados do novo partido também somam mais de R$ 10 milhões em bens, Paulo Magalhães (BA) e Roberto Dorner (MT). Ao todo, 34 representantes do partido de Kassab no Congresso informaram à Justiça possuir mais de R$ 1 milhão em bens.

Plural e eclética

O número de empresários na bancada surpreendeu até o futuro líder do partido na Câmara, Guilherme Campos (SP), ele próprio empresário em Campinas. “Tudo isso? É surpreendente. Temos também muitos representantes do agronegócio. A força da nossa representação está na pluralidade. É uma bancada eclética e diversa com gente de vários setores”, afirma o deputado, recém-desfiliado do DEM.

Como exemplo dessa diversidade, Guilherme cita a presença dos deputados Ademir Camilo (MG), ex-PDT, e Roberto Santiago (SP), ex-PV, que têm origem no movimento sindical e ligações com a União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Não somos de direita, nem de esquerda. Nem temos perfil conservador. Somos de centro”, avalia o novo líder, destoando da célebre frase de Kassab.

Embora rechace que a representação do PSD no Congresso seja conservadora, Guilherme Campos admite que o novo partido ainda não tem uma identidade bem definida. “Estamos em um processo de construção, que ainda vai definir a cara do partido. Mas isso, por enquanto, ainda não está claro”, reconhece.

Ruralistas

A cara do novo partido concilia hoje traços urbanos e rurais. Atualmente, 28 parlamentares do novo partido fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária. Entre eles, o presidente da frente, deputado Moreira Mendes (RO), e a presidenta da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (TO). Outros nove deputados do PSD também têm atuação destacada na defesa do agronegócio, embora não façam parte da principal frente parlamentar dos ruralistas.

Integrante da frente, empresário rural com patrimônio avaliado em R$ 12,5 milhões, o deputado Roberto Dorner vê em sua nova legenda um caminho para atuar com mais liberdade. “Não somos a favor nem contra o governo”, diz o deputado, que se desfiliou do governista PP. “Não tenho nada contra meu ex-partido, mas precisava de mais espaço para ter opinião e palavra”, afirma.

O novo líder do PSD conta que trabalhará para conciliar eventuais divergências dentro da bancada. “Primeiro, temos de acertar a estrutura do partido, com espaço físico e assessoria. Depois, teremos de respeitar a história de cada parlamentar quando tratarmos de questões que não forem consensuais”, explica. A formação da nova bancada será oficializada em ato na Câmara nesta quarta-feira (26). Guilherme Campos acredita que o PSD possa aumentar, nos próximos dias, sua representação nas duas Casas.

Só a numerosa bancada do PMDB é mais endinheirada que a do PSD. Os 110 peemedebistas acumulam R$ 408,29 milhões em patrimônio. A bancada assumiu a liderança após ser reforçada, no último mês, com a filiação do deputado Sandro Mabel (GO), ex-PR. O dono da fábrica de bolachas figura entre os dez congressistas mais ricos, com mais de R$ 70 milhões em bens. Sem ele, o PMDB ficaria atrás do PSD em volume patrimonial.

Edson Sardinha, do Congresso em Foco

No Escrevinhador


Fonte: Blog Com Texto Livre 

Buscado no Opinião e cia

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Milionários detêm 38,5% de toda riqueza do mundo


Os milionários e bilionários são responsáveis por 38,5% (US$ 89 trilhões) de toda a riqueza global (US$ 231 trilhões), apesar de constituírem menos de 1% da população mundial. A constatação parte de um estudo do Credit Suisse, divulgado na quarta-feira (19).

De acordo com o levantamento, houve um aumento da riqueza dos milionários e bilionários entre 2010 e 2011. Isto porque, no ano passado, as pessoas com mais de US$ 1 milhão eram responsáveis por 35,6% de toda riqueza do mundo, com cerca de US$ 69 trilhões. A riqueza total (considerando todas as pessoas adultas) também aumentou neste período (14%), estimulada pelos países emergentes.

Segundo o Credit Suisse, 29,7 milhões de pessoas possuem mais de US$ 1 milhão no mundo atualmente. Já 84.700 de pessoas detém mais do que US$ 50 milhões – a maioria (35.400 pessoas) vive nos Estados Unidos. Ainda de acordo com o estudo, 29 mil pessoas têm mais do que US$ 100 milhões e 2.700 mais do que US$ 500 milhões.

Regiões
O estudo aponta que mais de um terço dos milionários e bilionários do mundo estão nos Estados Unidos (34%), enquanto apenas 7% estão fora de países da América do Norte, Europa e Ásia.


O Japão aparece depois dos EUA, com 11% de todos os milionários do mundo, seguido pela França (9%), Alemanha (6%) e Reino Unido (6%). O Brasil aparece na lista com apenas 1% dos milionários do mundo.

Menos ricos
Segundo o levantamento, 3,1 bilhões de pessoas em todo o mundo (mais de dois terços da população adulta global) possuem riqueza estimada em menos de US$ 10 mil.


Mais de um bilhão de pessoas (cerca de 24% da população adulta) possuem entre US$ 10 mil e US$ 100 mil, enquanto 398 milhões possuem riqueza acima de US$ 100 mil.

Fonte:  Uol
Observação: A fotografia não se encontra na matéria original.
 

Surplus (Legendado em Portugues)


Documentário propõe: para salvar o mundo é preciso voltar à idade da pedra


Abaixo, excelente análise de Helena Novais sobre “Surplus”:

Longe de ser apenas uma crítica ao consumismo ou a sistemas políticos, Surplus, documentário sueco, dirigido pelo italiano Erik Gandini em 2003, é um olhar sobre o jeito de ser e de viver da humanidade. Largamente divulgado pela Internet, este trabalho coloca em discussão não apenas a vida em sociedade e a ordem estabelecida, como também a própria essência humana.
As necessidades dos homens, as maneiras de reagir a elas e as formas de controle social acabam por comprometer todo o ecossistema terrestre, sem exceção às relações humanas. Nenhuma discussão está mais na ordem do dia do que o equilíbrio socioambiental e ainda antes de Davis Guggenheim e seu Uma Verdade Inconveniente (2006), Gandini levava o tema às últimas conseqüências. Surplus mostra que tanto no capitalismo, como no socialismo, os homens tomam parte de sistemas cuja existência os antecede, mas que estabelecem modos de viver e de pensar, mantendo-os atados, como peças de um jogo maior, cuja função é a manutenção da ordem estatal.
Assim, saem de foco os sistemas político-econômicos em si. Os holofotes são direcionados para aquilo que os sustenta. O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, Steve Ballmer e Bill Gates, executivos da Microsoft, aparecem defendendo a ideologia neoliberal, o capitalismo, o consumismo. Por outro lado, Gandini enfoca o modo de vida socialista, instalado em Cuba por Fidel Castro que surge defendendo sua ideologia não consumista. São dois sistemas opostos, porém ambos se utilizam dos meios de comunicação para divulgar mensagens que patronizam pensamentos, subjulgando corações e mentes, transformando indivíduos em parceiros que garantem a manutenção dos sistemas.
Fazendo analogia à influência da indústria cultural e à forma como é utilizada a linguagem midiática, Gandini adota o ritmo dos vídeo clips. Mescla cenas de palestras, discursos, entrevistas e reportagens jornalísticas em uma edição onde imagens se alternam em sintonia com a trilha sonora de sons eletrônicos. Imagem e ritmo se complementam em uma mistura que soa moderna e revela a intenção do diretor. Ele usa o próprio meio (áudio e vídeo) para chamar a atenção para o poder da mídia, disponível aos governos ou às corporações que ditam ideologias e comportamentos.
Por outro lado, se o discurso utilizado pelos capitalistas também sai da boca dos socialistas, tudo acaba no mesmo. E este “tudo” se refere à relação entre dominadores e dominados. A visão pessimista de Gandini se resume em: o homem é um ser de necessidades, na busca por satisfazê-las criou formas de organização social e, no interior delas, desenvolveu formas de dominação que mantém tudo e todos atrelados à ordem estabelecida, seja consciente ou inconscientemente. O sistema que exaure os recursos naturais, que beneficia os países desenvolvidos e cede aos países do terceiro mundo seus restos é criação dos homens e se mantém por cooperação deles. É um soco na boca do estômago de quem acha que não tem nada a ver com isso!
John Zerzan (o anarquista norte-americano que ganhou destaque a partir da década de 1980), e sua proposta fundamentada no retorno ao primitivismos caem no vazio diante da livre servidão humana a suas próprias necessidades. Gandini reafirma Freud que entende o homem como um ser “fadado à insatisfação”, pois está sempre buscando, sempre à procura sem nunca se complementar.
Ao retornar ao primitiviso o homem retomaria o anseio pelo desenvolvimento, e possivelmente, a sistemas de controle social, aos conflito de classes, ao consumo irracional de recursos naturais, à injustiça social, às relações entre dominadores e dominados. O que Gandini não oferece é a pista para uma saída segura. Assim, escapa à pretensão das soluções fáceis e coloca a solução do impasse sob a responsabilidade de cada um.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

Livro resgata história de mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura

 
Luta, substantivo feminino(Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura) - coleção "Direito à Memória e à Verdade"“Se você sair viva daqui, o que não vai acontecer, você pode me procurar no futuro. Eu sou o chefe, sou Jesus Cristo”.
Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach estava formada havia menos de um ano e trabalhava como advogada de presos políticos no escritório de José Carlos Dias, quando foi presa em novembro de 1971, em São Paulo. Ouviu o alerta do torturador enquanto ele girava a manivela que acionava os choques elétricos.
Foi por suas mãos que recebi, recentemente, o livro “Luta, Substantivo Feminino – Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura”.
O livro vem a ser o terceiro produto do relatório “Direito à memória e à verdade”, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos e a Secretaria Especial de Política para as Mulheres do governo federal, em 2010.
Mais do que apenas documento histórico, trata-se de um relato chocante e tenebroso, com as narrativas sobre mulheres mortas e desaparecidas pela ditadura, entremeadas por depoimentos daquelas que foram torturadas e sobreviveram.
Tão assustadora, quanto necessária, a verdade dói e transforma. Ninguém que tenha contato com os detalhes sórdidos destes escaninhos da repressão pode se manter intocado ao sofrimento.
Diante de atos de tamanha desumanidade, a impunidade dos torturadores e o silêncio sobre seus crimes se apresentam como verdadeiras penas acessórias.
O esquecimento tortura a memória, tal como os corpos doídos, mutilados e ocultos das vítimas.
Nilcéia Freire, ex-ministra que apresenta o livro, ressalta que as mulheres são personagens praticamente inexistentes nos compêndios de história: “nos retratos oficiais, nossos heróis têm, quase sempre, barba e bigode”.
O livro pretende resgatar parte desse déficit e sua compilação acaba por nos mostrar uma verdade cruel e dolorosa: é contra as mulheres que a tortura adquire seu formato mais atroz, sua faceta mais desumana: “Para fazer de uma mulher uma vítima de tortura é preciso não apenas que seu algoz retire dela toda a sua dignidade como ser humano, mas que estraçalhe a sua ‘humanidade feminina’, que retire do corpo a ser supliciado qualquer traço de relação com os outros corpos femininos que o remetem ao aconchego e ao afeto maternal”, conclui Nilcéia.
Os depoimentos comoventes e os relatos constrangedores demonstram com precisão esse destroçar do feminino.
Sessões de interrogatórios em que as vítimas são mantidas sempre nuas, choques preferencialmente nas partes íntimas, as mais diversas e abjetas violências sexuais com as quais os torturadores expunham seu grotesco sadismo. Abortos forçados, ameaças de torturas aos filhos pequenos e uma constante humilhação do materno, que bem se expressou no pungente relato de Maria Amélia de Almeida Teles:
“A pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala, quando eu estava na cadeira do dragão; Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques. Quando me viu, minha filha perguntou: ‘Mãe, porque você está azul?”
O objetivo da tortura, conta Eleonora Menicucci de Oliveira, “era destruir a sexualidade, o desejo, a autoestima, o corpo”. Vilipendiar você como pessoa, que seu corpo e sua vontade percam o controle e você se sinta um montão de carne, ossos, merda, dor e medo, resume Lilian Celiberti.
Há ainda outro aspecto revelador nestes relatos sobre as mortas e as desaparecidas da ditadura.
Quando se debruçou nos pedidos de indenizações, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) desmontou as versões oficiais que inseriam vítimas em acidentes de trânsito ou tiroteios.
Em vários casos, a exumação dos corpos, estudo das perícias nos locais dos eventos e relatos de testemunhos puseram ao chão, sem grandes dificuldades, as conclusões oferecidas pelos agentes do Estado para esconder os inequívocos atos de repressão.
Violências policiais mascaradas como “autos de resistência”, infelizmente, não são apenas esqueletos no armário.
Se a vítima preferencial das torturas hoje não é mais o militante político, isso não significa que os abusos desapareceram.
Casos de agressões a jovens pobres, simulação de conflitos e altíssimo índice de homicídios ainda são frequentes na atividade policial.
A impunidade dos crimes da ditadura, em grande parte pelo desprezo do STF à jurisprudência internacional dos direitos humanos, e a opacidade dos arquivos da repressão, são combustíveis indispensáveis para a perpetuação desses abusos.
Por isso se faz tão necessário o resgate da história, o encontro do país consigo mesmo. Para entender porque nascem e como perduram tais mazelas.
As inúmeras concessões realizadas no projeto recente da Comissão da Verdade, todavia, deixaram mais dúvidas do que certezas quanto ao real intuito de levar ao conhecimento de todos, o pesadelo dos anos de chumbo.
Retroagir o período de apuração a 1946, tornar sigiloso o que por natureza deva ser público, estipular tempo e pessoal reduzido para uma apuração tão complexa, impedir de ofício o trânsito das revelações justamente a quem pode investigá-las.
Não é injustificado o receio de que a comissão encerre assim uma tarefa meramente formal.
Que o exemplo das mulheres retratadas nessa publicação sirva para recuperar o resgate da memória e da verdade, substantivos tão femininos como elas.
E que consigamos compreender que não se constrói democracia com tibieza, transparência com segredos ou paz sem justiça.

[a íntegra do livro pode ser vista no portal do Ministério da Justiça]

Fonte: blog do Marcelo Semer - Sem Juízo
Via Boca no Trombone

 Buscado noo Boilerdo

A ONU e a caterva

A análise do autor do artigo abaixo é muito pertinente para entendermos um pouco mais sobre os recentes acontecimentos políticos no mundo.




A Organização das Nações Unidas nem é Unida, nem é uma organização, mas sim, um clube para troca dos interesses comerciais e que comunidade das Nações representa? Ninguém votou para ela. Portanto, falar sobre a ONU e democracia na mesma frase é tão ridícula como afirmar que a União Europeia é democrática.
Na verdade, falar de "democracia" é tão absurdo como é hilariante pois o único sistema verdadeiramente democrático de governo é a Jamahiriya líbia, pensada e implementada por Muammar al-Qathafi - um sistema baseado na auto-regulação de comunidades chamadas Conselhos Populares, que decidem quem são seus líderes, elaboram planos para o financiamento e equipamentos que precisam, fazem a requisição ao Conselho Central e o papel do governo nacional é distribuir a riqueza e servir os interesses do povo.

E cá vem a ONU, falando de "democracia". Mas quê "democracia"? Ninguém votou a favor da Organização das Nações Unidas. Então que direito tem um punhado de membros efetivos, em seu Conselho de Segurança, para implementar uma política que pode ter um efeito direto sobre nossas vidas? E quão "democráticos" são os Estados-Membros em apoiar as políticas que são implementadas - políticas que cada vez mais carimbam as aventuras colonialistas da OTAN?


Vamos dar uma olhada no Reino Unido de David Cameron, por exemplo. Aqui está um homem eleito por
uma minoria da sua população - então por quê ele está representando a nação?
Ele foi eleito pelos eleitores dos Trabalhistas? Ele foi eleito pelo Plaid Cymru? Ele foi eleito pelo Partido Liberal Democrata? E quantas pessoas votaram a favor do Vice-Primeiro-Ministro, Nicholas Clegg? Então, por que ele é Vice-Primeiro Ministro? Por quê é que a política externa da Grã-Bretanha, em parte, está controlada pela OTAN? Ninguém votou para a OTAN. E será que alguém no Reino Unido votou a favor do controlo das suas políticas financeiras pela União Europeia?

Será que David Cameron, Nicolas Sarkozy e Barack Obama, os Senhores da OTAN, escutaram quando o governo líbio Jamahiriya se ofereceu para realizar eleições livres e justas? Não, eles se recusaram. E qual será o futuro? Vejam este espaço, enquanto são feitas tentativas de marginalizar a Jamahiriya e eliminá-la de qualquer processo eleitoral futuro.


A verdade da questão é que a maioria das pessoas na Líbia são contra esta guerra da OTAN, a maioria das pessoas na Líbia desprezam os membros do CNT como os terroristas que são - elementos deste flagelo estão listados nos bancos de dados antiterroristas ocidentais e a maioria das pessoas na Líbia está a favor do governo Jamahiriya.


Então que direito tem esta Organização das Nações Unidas para começar a nomeação de grupos de "apoio"? Com amigos destes... Onde estava a ONU quando esta sujeira terrorista começou incendiando edifícios e decapitando pessoas negras na rua, saqueando propriedades do Estado e privadas? Onde estava a ONU para defender Muammar al-Qathafi - o homem que eles estavam planejando premiar com um galardão humanitário - destas hordas demoníacas de racistas?


Será que a ONU admite que apoia terroristas e racistas? Nesse caso, esta organização não representa a minha idéia de uma Organização das Nações Unidas, ele não representa os ideais estabelecidos na sua própria Carta e não representa um fórum que tem o direito de reclamar qualquer responsabilidade para defender ou formular a lei internacional.


É evidente que esta questão da Líbia não  tem nada a ver com a democracia ou proteger os civis - a OTAN, apesar de tudo, comete massacre após massacre, e nem sequer se preocupa hoje em pedir desculpas. Só vira as costas como o bando de criminosos insensível, de sangue-frio e assassino, que é.


Trata-se do desmantelamento da União Africana, trata-se de destruir as instituições da África e entregá-las de volta para ex-potências coloniais, aleijando a Comunidade Africana das Nações, prejudicando os africanos, mais uma vez aprisionando-os com amortizações de juros altíssimas, trata-se de canalizar os recursos da África para fora, desta vez gratuitamente, política ajudada pela ONU, ajudada pelos líderes africanos que olham inertes com as mãos nos bolsos, ajudada por aqueles que reconhecem e apoiam o que só pode ser chamada uma organização terrorista.


Este não é o meu mundo, esta não é a minha comunidade internacional, esta não é minha ONU - não foi capaz de representar a minha vontade, não conseguiu representar os desejos nos corações e mentes da comunidade mundial e, como tal, não existe mais como algo digno de respeito - é um clube de troca de interesses comerciais entre aqueles que não foram eleitos e, portanto, não têm o direito de permutar os recursos do mundo entre eles.


É o momento certo para criar uma nova comunidade internacional, é hora de uma nova abordagem, é o momento para o Estado de Direito ser aplicado igualmente a todos, é hora de responsabilizar esse punhado de líderes políticos, que coabita entre os 7 bilhões de pessoas na comunidade mundial, pelas suas ações. O mundo não pertence a eles, é nosso!


Timothy Bancroft-Hinchey

Pravda.Ru


Fonte: Pravda 

sábado, 22 de outubro de 2011

Quanto mais pobre o cidadão, mais impostos


A partir da declaração do megainvestidor americano Warren Buffett, a terceira maior fortuna do mundo, pedindo aumento dos impostos para os mais ricos nos Estados Unidos, vários milionários europeus também passaram a defender essa medida naquele continente. Nesse contexto, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, encaminhou ao Parlamento proposta para que os ricos que tenham renda anual acima de € 500 mil passem a pagar uma sobretaxa provisória de 3%.
Esse fato é um bom motivo para discutirmos a carga tributária brasileira, já que nosso país é um dos mais injustos do planeta na cobrança da tributação. Os mais pobres são quem paga, proporcionalmente, mais tributos no Brasil, e não os ricos.
Nesse contexto, é importante lembrar que há um projeto de reforma tributária na Câmara dos Deputados que permanece “adormecido”, aliás, como ocorreu com todos os outros elaborados nos últimos anos no Brasil. O debate em torno desse assunto no país acaba centrado em grande parte no aspecto da diminuição dos impostos porque a carga tributária é alta em relação aos serviços que o Estado oferece. Os que mais defendem a diminuição dessa carga são os empresários, baseados no argumento de que pagando muitos impostos seus negócios são dificultados. Fica praticamente excluída do debate a maioria da população brasileira e, principalmente, sua camada mais pobre – proporcionalmente a que paga mais impostos -, que não tem a menor ideia de quanto eles pesam no seu bolso.
Estudos desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) comprovam claramente tal situação. Segundo um levantamento de 2008, pessoas cuja renda mensal familiar alcançava até dois salários mínimos comprometiam 53,9% de seus ganhos com o pagamento de tributos, enquanto que outras, com renda superior a 30 salários mínimos, comprometiam apenas 29%.
Outro dado de destaque nesse estudo do Ipea: um trabalhador que recebia até dois salários mínimos precisava trabalhar 197 dias para pagar os tributos, enquanto outro que ganhava mais de 30 precisava de três meses a menos de trabalho, ou exatos 106 dias.
Essa situação ocorre porque cerca de 50% da nossa carga tributária é indireta, isto é, incide sobre o consumo, atingindo indiscriminadamente toda a população, independentemente da renda e da riqueza de cada um. A cobrança da maioria dos tributos vem embutida no preço final das mercadorias. Vejamos um exemplo significativo:
Um cidadão que ganha R$ 1 mil por mês e coloca R$ 100 de gasolina no tanque do seu carro está pagando R$ 53 de impostos. Enquanto outro que ganha R$ 30 mil e abastece o tanque pelo mesmo valor também paga os mesmos R$ 53, levando isso à injustiça apontada.
Nos países capitalistas desenvolvidos, ao contrário daqui, a maior parte da carga tributária é direta e recai sobre a renda, a riqueza, a propriedade e a herança. Esses critérios são mais justos do que os existentes no Brasil porque tributa diretamente quem ganha mais e tem melhores condições de pagamento.
Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos Estados Unidos a renda é responsável por 49% da carga tributária. Se comparado com o Brasil, que é de 19%, naquele país é 150% maior que a nossa. A média desse tributo nos países pertencentes à OCDE é de 37%, quase 50% maior que a brasileira.
Sobre a propriedade a carga americana é 10%, cerca de três vezes maior que a brasileira, que é de 3%. Na OCDE a média desse tributo é 6%, o dobro da nossa. Em relação ao consumo, ocorre justamente o inverso. Enquanto na carga tributária brasileira esse tipo de tributos representa em torno de 47%, na americana representam 16% e na OCDE ela representa na média, 37% do total. Esses dados confirmam que nos países desenvolvidos há muito mais justiça tributária que no Brasil.
Dois exemplos ilustram as diferenças entre aqueles países e o Brasil. Na Inglaterra, por exemplo, o imposto sobre a herança é cobrado há mais de 300 anos. Quando da morte da princesa Diana, em 1997, os jornais noticiaram que o fisco inglês cobrou de sua herança o imposto de US$ 15 milhões, metade dos US$ 30 milhões deixados para seus filhos. Naquele país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores. Segundo matéria da revista “Veja”, publicada em setembro de 2007, o primeiro-ministro inglês Winston Churchil, que conduziu a Inglaterra na luta contra os nazistas, costumava dizer que o imposto sobre a herança era infalível para evitar a proliferação de “ricos indolentes”. Por outro lado, no Brasil, o Imposto Territorial Rural – ITR arrecadado em todo o ano de 2007 e em todo território nacional, foi menor do que dois meses de arrecadação do IPTU da cidade de São Paulo. Esses dados falam por si.
Não há dúvida que esse é um tema delicado e já causou ou foi pretexto para inúmeras revoluções. Dois exemplos são significativos. A data nacional da independência americana, 4 de julho, faz lembrar que uma das razões que foram amadurecendo para o início da guerra de libertação foi a cobrança de impostos como o Sugar Act (1764), do Stamp Act (1765) e o Tea Act (Lei do Chá, 1773). No Brasil, a Inconfidência Mineira, tentativa de libertar o Brasil de Portugal, que resultou no enforcamento do herói Tiradentes e no desterro das lideranças envolvidas no movimento, teve como motivo principal da revolta a “derrama”, isto é, a cobrança de impostos atrasados feita pelos colonizadores portugueses aos moradores de Minas Gerais.
Diante dessa realidade, é necessário e urgente abrir um espaço na mídia e na sociedade brasileira para discutir a enorme injustiça que há entre nós e, consequentemente a necessidade de aprovação de uma reforma em que os tributos diretos pesem mais que os tributos indiretos na composição da carga tributária. Isso significaria uma das formas mais importantes de redistribuir a renda entre nós.
Finalmente cabe uma pergunta: por que no Brasil os banqueiros, grande empresários do agronegócio, das empresas nacionais e multinacionais, não tomam a iniciativa que foi tomada pelos ricos nos EUA e na Europa, isto é, propõem uma sobretaxa sobre seus ganhos?
Por: Odilon Guedes, no Valor Econômico.

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