por Maíra Kubík Mano
O que é estupro?
A lei mudou. O novo artigo 213 do Código Penal não define mais como estupro apenas sexo com penetração forçada, mas também toques libidinosos contra a vontade da vítima. Em tese, isso consegue apontar para a gravidade de qualquer tipo de violação física, algo absolutamente repudiante, nojento e lamentável.
Boa parte das mulheres que já pegou ônibus lotado sabe bem o que significa ser apalpada ou encoxada no silêncio anônimo de uma multidão espremida (há algum tempo, postei um relato pessoal sobre isso no Viva Mulher). Não há palavras para descrever a sensação de ser usurpada de sua integridade física.
Mas será que esse tipo de crime é semelhante ao de estupro?
Saiu hoje na Folha de S. Paulo um texto da procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, questionando esse critério.
"Por mais surpreendente que possa parecer, temos tido notícias de moças que foram estupradas dentro de vagões do metrô em São Paulo. É intrigante como alguém consegue cometer tamanha violência em horário de pico, em um local superlotado. Será que ninguém ao redor tem coragem de agir diante de um ato brutal?
A explicação, porém, é outra, com a alteração do Código Penal no que se refere aos crimes de natureza sexual, qualquer ato libidinoso cometido com violência ou grave ameaça passou a se chamar estupro, como um beijo lascivo ou uma carícia nas partes íntimas. (…)
As mencionadas ocorrências no metrô não são atos sexuais. Em um dos últimos casos noticiados, o sujeito rasgou a calcinha da moça e bolinou sua área genital. Isso agora é denominado estupro – evidente exagero, um exagero que só vem a confundir as coisas."
Ok, a argumentação dela é bastante razoável. Traz um relato prático da aplicação da lei e me lembra um pouco aquelas histórias de crianças americanas cujos pais resolvem processar a escola porque elas estavam trocando beijos com coleguinhas e isso caracterizaria assédio.
Mas não podemos perder de vista a importância do texto, aprovado em 2009, que reforça a gravidade de atos libidinosos forçados. E apelar para o bom senso das pessoas em compreender a diferença entre “um beijo lascivo”, como ela diz, e uma mão indesejada dentro das roupas íntimas de outrem ao fazer uma denúncia.
Além disso, a alteração admitiu a possibilidade de um homem também ser estuprado. O que antes era “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” passou a ser “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Em tempos de homofobia extrema, é fundamental que exista uma lei como essa.
Em geral, tendemos a dizer que, no Brasil, uma lei só vale se “pega”. Pelo relato de Luiza Nagib Eluf, essa de fato está funcionando. E, para mim, quaisquer distorções em sua aplicação são infinitamente mais fáceis de corrigir do que ela não ser levada em consideração.
Afinal, a sociedade em que eu quero viver não precisaria separar vagões masculinos e femininos para que as mulheres saiam ilesas de uma breve viagem. E esse me parece mais um passo, e não um retrocesso, nesse caminho.
(Texto original do Território)
Escrito por Maíra Kubík Mano
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