terça-feira, 4 de outubro de 2011

Crônica de Drummond sobre a Banda de Chico Buarque

ANO DE 1966.
ANOS DE CHUMBO.
ANO DO II FESTIVAL DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA DA TV RECORD.

Disputa acirradíssima pelo prêmio de melhor música entre "Disparada", de Geraldo Vandré e Teófilo Barros Neto, defendida por Jair Rodrigues, acompanhado pelo Trio Marayá e pelo Quarteto Novo, e "A Banda", de Chico Buarque, defendida pelo próprio e também pela musa da bossa nova, Nara Leão, acompanhada por uma bandinha de verdade.

Na noite da finalíssima o Teatro Record, com capacidade para 500 espectadores, ficou pequeno para abrigar as acirradas torcidas dos "bandidos" e dos "disparados".

Resultado: Empate, para alívio da coordenação do Festival que temia a reação da torcida perdedora, pois afinal uma festa daquela magnitude, mostrada pela TV, não poderia terminar em confusão.

Foi Chico Buarque quem sugeriu o empate entre as duas canções, apesar do resultado ter sido sete a cinco favorável "A Banda". Segundo Wagner Homem, o sigilo foi mantido por quase quatro décadas, ficando os votos guardados num cofre, a sete chaves, na casa do pequisador e escritor Zuza Homem de Mello, que só revelou os números no seu livro, "A Era dos Festivais - Uma Parábola". Ainda segundo o autor citado, Chico jamais fez qualquer comentário sobre o epísodio.

"A Banda" foi um enorme sucesso. Muitos foram os elogios recebidos, com destaque para nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, que dedicou-lhe uma crônica, publicada no "Correio da Manhã", a qual transcrevo abaixo.

"O jeito no momento é ver a banda passar, cantando coisa de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.

A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mais subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a música, viva o sopro de amor que a música e a banda vêm trazendo, Chico Buarque de Holanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, a falta de ar.

A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a ideia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto de Medeiros, fazendo penetrar neles o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais.

Meu partido está tomado. Não da Arena nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da conveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão.


Se a banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingativos e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etcéteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira.

Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floreçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrangem terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longíngua, chamando o velho fraco, a moça feia, o homem sério, o faroleiro... todos os que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicar a alma da gente".


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Eu não conhecia essa fantástica crônica do nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, e faço questão de deixar registrada a minha eterna admiração pela totalidade de sua obra , em especial por essa crônica, que apesar de ter sido escrita ha 43 anos, continua atualíssima. E ao Chico Buarque que nos presenteou com "A Banda" e tantas outras pérolas do cancioneiro brasileiro, incorporadas à nossa alma de forma visceral.


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II Festival de Música Popular Brasileira / TV Record / 1966.
 

Buscado no Portal do Luis Nassif

 Puxadinho do Jader

Eu também não conhecia Luís, muito profundo dois grandes poetas em torno de uma banda que continua passando diante de tantas e tamanhas desilusões politicas

2 comentários:

BURGOS disse...

Caro Jader

Me emocionei com esse texto, escrito a tanto tempo atrás e continua atualíssimo, é disso que precisamos, um pouco de amor, alegria e músicas com esse lirísmo para alimentarmos nossa alma que anda tão doente pelos acontecimentos atuais.

É disso que falo sobre o teu blog, culturalismo sem ser "intelectualizado", mostrando a nossa realidade com pitadas de poesia e saudosismo.

Obrigado meu amigo

Deixo aqui para ti três links de vídeos que me emocionaram e que mostram como uma ação tão pequena mexe com o emocional das pessoas que hoje em dia estão carentes da poesia e da alegria simples da vida.

http://www.youtube.com/watch?v=7EYAUazLI9k&feature=fvsr

http://www.youtube.com/watch?v=IzN9mYooxp0

http://www.youtube.com/watch?v=NLjuGPBusxs

jader resende disse...

Caro amigo Burgos.
Obrigado pelos esclarecedores comentários, conhecia os dois primeiros vídeos, o terceiro em homenagem a Opera conheci agora. Três criativas manifestações que realmente mexe com a gente e torna a vida melhor, duas delas magnificamente produzidas por agencias de propaganda, quanto a opera é uma manifestação rara, mesmo nos países Europeus, considero a mais original, sem grandes patrocinadores conseguiram um momento de rara beleza no café.
Você tem razão, ficamos emocionados com os vídeos, imagine estar presente.
Abraços

Coloquei alguns comentários do you tube traduzidos pelo google, caso alguem tenha interesse.

http://www.youtube.com/watch?v=7EYAUazLI9k&feature=fvsr

Sound of Music | Central Station Antwerp (Belgium)
Mais de 200 dançarinos estavam realizando sua versão de "Do Re Mi", na Estação Central de Antuérpia. com apenas dois ensaios que criou esta incrível façanha! Aqueles quatro minutos fantástica começou a 23 de março 2009, 08:00. É um golpe de promoção de um programa de televisão belga, onde eles estão procurando alguém para desempenhar o papel principal, no musical de "The Sound of Music".

http://www.youtube.com/watch?v=IzN9mYooxp0

Escada de metrô é transformada em piano [Uhull.com.br]
A ação, feita em conjunto pela agência de publicidade DDB e pela
Volkswagen, foi implantada em um metrô de Estocolmo, na Suécia.
Imagine que você está descendo as escadas do metrô, como faz habitualmente
todos os dias, e começa a ouvir sons de piano, tocados em ritmo que vai de
acordo com os seu passos. Essa foi a proposta da agência de publicidade DDB
em uma parceria com a Volkswagen.
As duas empresas se reuniram para criarem um experimento chamado, Fun
Theory (algo como "teoria divertida", em inglês), uma tentativa bem
ambiciosa de tentar mudar os hábitos sedentários dos moradores da capital
da Suécia, Estocolmo.
Para isso, transformaram as escadas de uma estação de metrô em um piano, o
que aumentou surpreendentemente o uso das escadas em 66%. O resultado você
confere no vídeo.

http://www.youtube.com/watch?v=NLjuGPBusxs

Dia Europeo de la Opera en Pamplona.
CORO "PREMIER ENSEMBLE" de AGAO.

Apresentação surpresa da Opera AGAO do Coro "Ensemble Premier" no Café Iruña de Pamplona, Espanha. Celebração da "Jornadas Europeias do Opera 2010".
Organizado pela "Asociación Amigos de la Ópera Gayarre de Navarra" (AGAO) www.agao.es