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O sucesso de convocatórias anónimas através das redes sociais da net é um fenómeno novo. Normalmente apresentam-se como gente anónima, aos milhares, sem compromissos com organizações ou estruturas, sejam estas políticas ou sociais, crentes ou ateias.
Este texto de George Monbiot, qualificado colaborador semanal The Guardian, explica-nos por que razão os mal alcunhados media de referência se entusiasmam tanto a divulgar este tipo de convocatórias, como acontece agora em Portugal com “O Público” do monopolista Belmiro de Azevedo e Fátima Campos Ferreira da Atenta Veneranda e Obrigada RTP…
Todos os meses, mais evidência acumula-se, sugerindo que comentários, tópicos e fóruns de internet estão sendo tomados por pessoas que não são exatamente o que parecem ser. O anonimato da rede garante a companhias e governos uma oportunidade de ouro para executar operações de astroturf(*): falsas campanhas populares que criam a impressão de que um grande grupo de pessoas está defendendo ou se opondo a alguma política em particular. Essa artimanha está mais propensa a acontecer quando os interesses das companhias ou dos governos estão em conflitos com os do público. Por exemplo, há uma história antiga das companhias de tabaco por trás de campanhas de astroturfing para lutar contra a regulamentação da indústria. (1)
Depois da última vez que escrevi sobre astroturfing (2), em dezembro, uma fonte disposta a contar detalhes entrou em contato comigo. Ele fazia parte de um time encarregado de infestar fóruns e tópicos de discussão na internet em favor de clientes corporativos, promovendo suas causas e discutindo com quem se opusesse. Como o resto da equipe, ele se passava por um cidadão comum, sem interesses particulares no assunto. Ou, para ser mais exato, como algumas dezenas de cidadãos comuns, sem interesses particulares no assunto: ele usava 70 perfis, para evitar ser desmascarado e criar a impressão de amplo apoio ao seu argumento pró-corporativo.
Eu revelarei mais do que ele me contou assim que terminar a investigação na qual estou trabalhando no momento. Mas parece que essas operações estão mais difundidas, mais sofisticadas e mais automatizadas do que a maioria de nós consegue imaginar. E-mails que hackers políticos obtiveram junto a uma empresa norte-americana de ciber-segurança chamada HB Gary Federal sugerem que um arsenal tecnologicamente impressionante está sendo usado para encobrir as vozes das pessoas reais. Como o Daily Kos relatou (3), os e-mails mostram que:
- Companhias agora usam um “software de gerenciamento de personagem”, que multiplica os esforços dos astroturfers trabalhando para eles, dando a impressão de que existe um apoio majoritário para aquilo que as empresas ou governos estão tentando colocar em prática.
- Esse software cria toda a mobília virtual que uma pessoa de verdade teria: um nome, contas de e-mail, páginas de internet e perfis em redes sociais. Em outras palavras, gera automaticamente um perfil que parece autêntico, dificultando a diferenciação entre o comentário de um robô e o de uma pessoa real.
- Contas falsas podem ser mantidas atualizadas pela republicação ou conexão de material gerado em outros lugares, reforçando a impressão de que o usuário da conta é real e ativo.
- Astroturfers humanos podem utilizar essas contras “pré-envelhecidas” para criar uma história sugerindo que eles estiveram publicando links e tweets por meses. Ninguém pode suspeitar que eles só agora apareceram pela primeira vez, com o único propósito de atacar um artigo sobre ciência climática ou argumentar contra novos controles dos níveis de sal em lanches das grande cadeias de fast food.
- Com o uso inteligente das redes sociais, os astroturfers podem, nas palavras da empresa de segurança, “fazer parecer que o personagem esteve em uma conferência e apresentar-se a certas pessoas chave como parte do exercício… Há variados truques de redes sociais que podemos usar para adicionar um grau de realismo a esses personagens fictícios”.
Mas talvez a mais perturbadora revelação seja essa. A Força Aérea dos EUA abriu licitação para empresas para o fornecimento de software de gerenciamento de personagem, que deve ter as seguintes capacidades:
a) criar “10 perfis por usuário, com passado, história, detalhes que os reforcem e ciber-presença que sejam técnica, cultural e geograficamente consistente…. Perfis precisam ser capazes de ser originários de qualquer parte do mundo e poder interagir através de serviços online convencionais e plataformas de redes sociais”.
b) Prover automaticamente os astroturfers com um “endereço de IP randomicamente escolhido através do qual possam acessar a internet”. [Um endereço de IP é o número que identifica o computador de alguém]. Eles precisam mudar todos os dias, “ocultando a existência da operação”. O software também deve misturar o tráfego de internet dos astroturfers com “o tráfego de multidão de usuários de fora da organização. Esse tráfego misturado fornece uma excelente cobertura e [é] uma poderosa negação”.
c) Criar “endereços de IP estáticos” para cada perfil, permitindo diferentes astroturfers “parecer a mesma pessoa ao longo do tempo”. Deve também permitir “organizações que usam os mesmos sites/serviços com frequência trocar endereços de IP para parecer como usuários normais e não uma organização”.
Um software como esse tem o potencial de destruir a internet como um fórum para o debate construtivo. Desrespeita e faz piada da democracia online. Tópicos em questões de maiores implicações comerciais já estão sendo arruinados pelo que parecem ser exércitos de provocadores organizados - como você pode ver com frequência nos sites do The Guardian. A internet é um presente maravilhoso, mas também o é para os lobistas do mundo corporativo, criadores de marketing viral e relações públicas de governos, que podem operar no mundo virtual sem regulamentação, responsabilização ou medo de serem detectados.
Deixe-me repetir uma pergunta que eu coloquei em meus artigos passados, e que ainda tem que ser respondida de modo satisfatório: o que devemos fazer para combater essas táticas?
Notas:
(1) The denial industry
(2) These astroturf libertarians are the real threat to internet democracy
(3) The HB Gary Email That Should Concern Us All
(4) https://www.fbo.gov/index?s=opportunity&mode=form&id=d88e9d660336be91552fe8c1a51bacb2&tab=core&_cview=1
Nota do tradutor - A expressão “astroturfing” é aqui usada em oposição a “grassroots movements”, que na língua inglesa se refere aos movimentos políticos e sociais que tem alguma base de apoio popular. Sendo “grassroots”, na tradução literal, as “raízes da grama”. E AstroTurf, a marca de uma grama sintética comercializada nos EUA. (1) The denial industry
(2) These astroturf libertarians are the real threat to internet democracy
(3) The HB Gary Email That Should Concern Us All
(4) https://www.fbo.gov/index?s=opportunity&mode=form&id=d88e9d660336be91552fe8c1a51bacb2&tab=core&_cview=1
* George Monbiot, jornalista, escritor académico e ambientalista escreve semanalmente no The Guardien..
Este texto foi publicado no The Guardien.
Tradução de Wilson Sobrinho, correspondente de Carta Maior em Londres. Esta tradução em português podendo ser vista em:
www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17486
www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17486
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