buscado no Gilson Sampaio
Via Viomundo
Por
que não aceleramos a construção da refinaria Abreu e Lima e do Complexo
de Itaboraí? Por que não admitimos que petróleo é uma questão de Estado
e não apenas matéria de governo?
Dom de Deus ou coisa do diabo
Em
recente entrevista, a presidente Dilma considerou a reação ao leilão de
Libra uma “absurda xenofobia”. Isso me permite acusá-la de fraca e
mentirosa, pois em 10 de abril de 2010 declarou, em pronunciamento no
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: “Não permitirei, se tiver forças para
isso, que o patrimônio nacional, representado por suas riquezas
naturais e suas empresas públicas, seja dilapidado e partido em
pedaços”.
A entrega de 60% do campo de Libra às
estatais chinesas e à Shell e Total reservou para a Petrobras 40%
(embora caiba sublinhar que pelo menos 31% de suas ações estão em posse
de estrangeiros.
As famílias Rothschild e Rockfeller já encarteiraram ações da Petrobras e estão também por trás da Shell e Total).
O
pré-sal foi partido em pedaços e seu melhor campo entregue à
propriedade estrangeira. Em tempo: para a “The Economist”, “simplesmente
conseguir fazer o leilão é para ser comemorado”. A presidente entregou
Libra.
Relembrar a história ajuda. Desde o final
da Segunda Guerra Mundial um coro declarava que o Brasil não tinha
competência financeira, econômica, técnica ou gerencial para assumir a
economia do petróleo.
Walter Link, geólogo chefe
aposentado da Standard Oil, declarou, à época, que o Brasil não tinha
boas chances de encontrar petróleo nas bacias sedimentares terrestres e
que, se houvesse petróleo, estaria no mar.
Esse juízo significava que o Brasil não tinha petróleo.
A
partir da campanha “O petróleo é nosso”, chefiada pelo general Horta
Barbosa, o povo brasileiro nas ruas apoiou a criação do monopólio do
petróleo. 60 anos depois, a Petrobras é a 4ª maior companhia de energia
do mundo e equivale a 6,5% do PIB nacional.
Algum
petróleo foi achado em terra, porém os geólogos brasileiros, em 1974,
localizaram o poço de Namorado, em mar aberto, na Bacia de Campos.
Em
2007, a Petrobras descobriu o pré-sal no litoral brasileiro, formações a
sete mil metros de profundidade, com um potencial superior a 100
bilhões de barris (somente Libra, que é o maior campo descoberto no
mundo na última década, provavelmente dispõe de mais de 10 bilhões de
barris).
A presidente Dilma disse que “não é
mole ser presidente” e que “exige estudar continuamente”. Agregaria que
não deve esquecer o que já aprendeu. Como economista, sabe que:
1–
Dispor de um mercado cativo é motor de crescimento de uma empresa. A
Petrobras desfrutou do monopólio mercadológico do Brasil e, por isso,
cresceu sem parar e ganhou competência técnica para descobrir o pré-sal,
que é equivalente a divisas líquidas (com a vantagem de não correr o
risco de desvalorização de reservas cambiais);
2
— Qualquer empresa pode calibrar seu ritmo de investimentos e abrir mão
de ativos não estratégicos. É óbvio que o Brasil pode desenvolver Libra
sem entregá-la a propriedade de estrangeiros. Por que a Petrobras não
vende as refinarias de Pasadena e do Japão?
3 —
Com energia abundante e relativamente barata, o Brasil pode aumentar a
competitividade de suas exportações. Atualmente, a Petrobras subsidia
gasolina importada, o que prejudica sua lucratividade e abre caminho
para o discurso entreguista.
Dispor de amplas
reservas mensuradas e acessíveis é deter o mais importante e crítico
recurso energético esgotável do planeta; isso pode ser dom de Deus ou
coisa do diabo.
A história dos países
exportadores de petróleo é, quase sempre, assustadora — não é necessário
mexer nos arquivos da história, basta observar a estrutura social e os
recorrentes banhos de sangue nos países petroleiros.
A exceção (que confirma a regra) é a Noruega; no outro limite, está o Iraque; na corda bamba caminha o Irã.
Histórias
pouco felizes se multiplicam: a Indonésia (país fundador da Opep)
exportou petróleo a menos de US$ 2 o barril e atualmente importa
petróleo a US$ 100 o barril; o México tem hoje uma situação inquietante.
São
assustadores os riscos geopolíticos e geoeconômicos de exportar energia
não renovável. A Holanda aproveitou suas reservas de gás e, vivendo
abundância de divisas — podendo importar produtos industriais e
alimentos — desmantelou sua economia produtiva e, com a exaustão das
reservas, percebeu que havia perdido forças de produção, o que ficou
conhecido como “doença holandesa”.
Os EUA
consomem 28% do petróleo extraído anualmente no mundo, dispõem de
reservas insignificantes (para mais três anos de consumo) e são
absolutamente conscientes de sua vulnerabilidade.
Suas
frotas, seus meios de bombardeio e sua espionagem têm, agora, uma
espetacular possibilidade eletrônica (com drones, matam e destroem, sem
qualquer perda de vida americana).
O Brasil,
fronteiro à África e tendo a América do Sul à retaguarda, pode, a
qualquer momento, integrar-se em uma hipotética “OTAS” (Organização do
Atlântico Sul).
O pré-sal se distribui pela plataforma continental e, provavelmente, do lado africano existe seu equivalente geológico.
A
Lei 8617, de 1993, afirma o domínio e o aproveitamento do leito e
subsolo do mar territorial brasileiro; as áreas exclusivas estão a até
200 milhas marítimas do território brasileiro (cada milha marítima tem
1.853 metros).
A Petrobras foi objeto de uma extensa espionagem eletrônica. A presidente Dilma, também devassada, por que não adiou o leilão?
O Brasil dispõe do pré-sal e da vantagem do conhecimento de sua geologia. Por quanto tempo?
Por
que não aceleramos a construção da refinaria Abreu e Lima e do Complexo
de Itaboraí? Por que não admitimos que petróleo é uma questão de Estado
e não apenas matéria de governo?
Por que não fazemos um plebiscito nacional sobre a questão do petróleo?
É
óbvio que o petróleo pertence ao Brasil. Sou carioca e fico surpreso
que o tema sobre os royalties ocupe espaço na mídia, aonde não se
discute na profundidade necessária o tema do petróleo, acentuando as
rivalidades provincianas, amesquinhando e mascarando a discussão-chave
sobre o tema.
A presidente Dilma disse, quando
candidata: “O Pré-sal é o nosso passaporte para o futuro; entregá-lo é
jogar dinheiro fora. O Brasil precisa desse recurso”.
Não
é saudável imitar FHC e renegar suas próprias palavras como candidata.
Por que anuncia, agora, aumentar para 30% o volume de ações do BB em
Nova Iorque? Sem xenofobia, não quero classificá-la como
cripto-entreguista.
Carlos Francisco
Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito e ex-reitor da
UFRJ. Foi presidente do BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras.
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