Buscado no Naufrago da utopia
por Celso Lungaretti
Ao
qualificar estridentemente os black blocs de "fascistas" (o que não
são), estimulando enrijecimentos repressivos e penais, a presidente
Dilma Rousseff omite que eles estão ocupando um espaço aberto pela
domesticação da esquerda tradicional, que hoje nem sequer pronuncia mais
a palavra revolução -tão
cooptada está pelo capitalismo e tamanha é sua obsessão em se mostrar
inofensiva para os inimigos de outrora, visando manter e aumentar cada
vez mais suas boquinhas na democracia burguesa.
Para quem aspira apenas a gerenciar o capitalismo pelo máximo possível
de mandatos, os black blocs não passam de um empecilho, e como tal são
tratados. Chama a polícia!
Para quem não abdicou dos ideais revolucionários em troca de um poder
ilusório e subalterno, eles se constituem, isto sim, numa dura acusação:
suas ações, algumas das quais desatinadas, são consequência de nossa
incapacidade de engajar os jovens num combate mais consequente à
desigualdade, injustiças e crimes que caracterizam a dominação burguesa.
Nostra maxima culpa!
Faz um bom tempo que a esquerda brasileira alterna fases de legalismo exagerado com acessos, geralmente curtos, de radicalismo.
Sua tibieza face ao golpe de 1964, contudo, mexeu com os brios dos
comunistas. Houve luta interna, um sem-número de cisões e o PCB burocratizado
deixou de ser a força hegemônica da esquerda. Como consequência, a
decretação do AI-5 levou muitos agrupamentos resultantes da pulverização
do partidão a aderirem à luta armada, que se tornou a principal (praticamente única) forma de resistência à ditadura.
Restava a esperança de que algum pequeno partido de esquerda repetisse a
trajetória do PT, mas sem descaracterizar-se no meio do caminho. Era o
sonho do PSOL, do PSTU, do PCO...
No más!
Salta aos olhos que tal brecha histórica deixou de existir, não só em
função do formidável aparato de comunicação de que hoje a burguesia
dispõe, como também porque o PT conseguiu dilapidar o patrimônio moral
acumulado pela esquerda durante a resistência à ditadura.
Na redemocratização de 1985, éramos respeitados por nosso heroísmo e
tidos como uma reserva moral, uma alternativa à podridão capitalista;
foi o que alavancou o crescimento petista. Os 11 anos do PT no poder,
contudo, corroeram tal conceito, favorecendo a disseminação da descrença
na política e nos políticos (os quais voltaram a ser encarados,
indistintamente, como farinha do mesmo saco).
Faltou a percepção de que a sanha reacionária não visava destruir o Zé Dirceu e o José Genoíno atuais, mas sim o símbolo do movimento estudantil de 1968 e o símbolo da guerrilha do Araguaia, pouco importando que um e outro já não fossem mais os homens que eram naquele passado distante.
Tratava-se de um daqueles episódios nos quais as individualidades (até
por terem cometido erros bisonhos) deveriam ser sacrificadas em nome da
causa. Não o foram, e a indústria cultural deitou e rolou com a
oportunidade única, concedida de mão beijada, de ficar desmoralizando a
esquerda e seus mitos por oito anos a fio. Sabe-se lá até quando
continuará capitalizando esta incrível lambança... O certo é que, quanto
mais os condenados espernearem, mais impacto assegurarão para o
espetáculo. O show nunca termina.
Por essa e outras, hoje praticamente inexiste o voto idealista; as eleições voltaram a ser decididas pelo voto interesseiro (que amiúde chega a ser mendicante) e pelo voto útil.
São os trunfos com que o PT conta para tentar quebrar o recorde do PRI:
sete décadas de permanência estéril no poder, findos os quais os
trabalhadores mexicanos continuavam tão explorados, humilhados e
ofendidos como antes.
OS MASCARADOS JAMAIS CONSEGUIRÃO
IGUALAR A TRUCULÊNCIA DOS FARDADOS
Dilma mostra muita insensibilidade política ao acusar os black blocs de
não serem "democráticos", exatamente num momento em que o desencanto com
a democracia brasileira é generalizado e os três Poderes parecem estar
numa competição de quem se desmoraliza mais no menor espaço de tempo.
Quem ainda conserva um mínimo de capacidade crítica, constata a cada
momento que só há um poder real na atualidade: o econômico, em torno do
qual gravitam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, arrotando
independência em relação às miudezas mas caninamente submissos à voz do dono nas questões que afetam os interesses maiores do grande capital.
Então, com a esquerda palaciana se distanciando cada vez mais do campo
revolucionário e alguns partidos bem intencionados desperdiçando
esforços em eleições nas quais patinam sem saírem do lugar, a esperança
que resta (como augurava há meio século o fundamental Herbert Marcuse)
são os contingentes à margem do jogo de cartas marcadas do sistema: os indignados que se mobilizam por meio das redes sociais e vêm sacudindo a pasmaceira da política brasileira.
Alguns já mostram uma surpreendente maturidade política, elegendo
objetivos e alvos com muito discernimento, conscientes de que lhes cabe
conquistarem corações e mentes, sem fornecerem pretextos para que a
imprensa canalha os difame. É o caso, p. ex., do Movimento Passe Livre e
dos organizadores de escrachos contra os monstros impunes da ditadura
militar.
No entanto, os mascarados jamais conseguirão igualar a truculência dos
fardados. E -lição que aprendemos amargamente nos anos de chumbo!- os
jagunços do sistema eram descartáveis e facilmente substituíveis,
enquanto nós nos enfraquecíamos a cada baixa sofrida, perdendo
companheiros de valor inestimável.
Enfim, as batalhas campais com a repressão tendem a terminar mal para o lado dos black blocs, além de conduzi-los à prisão. Devem ser evitadas tanto quanto possível, o que não implica cruzarem os braços diante das agressões bestiais que os PMs amiúde desfecham contra os manifestantes. Quando os agentes do Estado se comportam como hordas de linchadores, é lícito, sim, defender-se deles.
Enfim, as batalhas campais com a repressão tendem a terminar mal para o lado dos black blocs, além de conduzi-los à prisão. Devem ser evitadas tanto quanto possível, o que não implica cruzarem os braços diante das agressões bestiais que os PMs amiúde desfecham contra os manifestantes. Quando os agentes do Estado se comportam como hordas de linchadores, é lícito, sim, defender-se deles.
Quanto à destruição de bens, mesmo que justificada, nunca vai
transparecer como tal para o grande público, já que a imprensa burguesa a
apresentará da pior forma possível, fazendo a cabeça dos videotas. Com
mais humor e menos furor, o recado poderia ser passado sem chocar o
homem comum, nem facilitar tanto a vilificação por parte da mídia.
A atuação dos black blocs, no seu todo, deveria ser melhor dosada, pois
os excessos só favorecem o inimigo. Confio em que eles saberão extrair
as lições dos últimos episódios, efetuando as correções táticas que se
impõem.
Mas, respeito a determinação com que combatem o capitalismo, exibindo um
espírito de luta há muito inexistente em tantos esquerdistas que os
vituperam, temerosos dos transtornos que poderão trazer à Copa das maracutaias e à próxima temporada de caça aos votos.
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