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O texto sobre Luiz Gama esta na parte III
“Quando Gama ficou crescidinho, o pai tentou vendê-lo ilegalmente como escravo a um comboieiro, dos que andavam pelo Norte, comprando carne humana”. Mas o menino era muito esperto e fugiu. Seu pai, então, levou-o a visitar um navio que estava no porto e enquanto o moleque percorria os porões e conveses, “o português aproveitou e fugiu, apertando no bolso o dinheiro da transação.”.
O navio pertencia a um comboieiro que tinha partes com a polícia e Gama foi transportado como escravo pelo navio até a cidade de Santos, e de lá até a Praça de Campinas, onde foi anunciado no mercado humano um lote de carnes, do qual ele fazia parte, com as palavras de sempre: “rapaziada moça e sadia, de virar e romper”.
A mercadoria ficou exposta, conta-nos Schmidt, na porta da igreja Matriz, num domingo à hora da missa. Os fazendeiros foram chegando, com botas enlameadas, chapéu do Chile e chicote na mão e passavam em revista a “negrada”: faziam avançar os que pareciam melhores, examinavam os dentes como aos cavalos e depois iam discutir com o comboieiro o preço da peça.
“Quando o melhor da leva havia sido comprado, o mercador de negros fez o leilão do refugo. Mas Luiz Gama nem assim foi vendido”. Quando um pretenso arrematador, Francisco Egídio, soube tratar-se de um baiano, persignou-se e disse: “Da Bahia só quero coco e pimenta, terra de negro revoltado, Deus que me livre”! Luiz Gama, então, foi trazido para São Paulo e exposto durante uma manhã inteira na Rua da Imperatriz. Aí o acaso acudiu-o. Um fazendeiro liberal vindo de Minas que procurava não um escravo, mas uma companhia para seu filho, matriculado na Faculdade de Direito, comprou-o.
O sinhozinho gostou de Luiz Gama, alfabetizou-o e dentro em breve eram os dois a estudar Direito. Apesar de não ser admitido na Academia, começou a participar das rodas estudantis, onde brilhou e conquistou grandes amizades. Fizeram-se seus amigos os Conselheiros Carrão e Crispiniano, José Bonifácio, José Maria de Andrade, jurisconsultos que muitas vezes ouviam sua opinião em questões de Direito.
Um dia, Conselheiro Furtado deu-lhe o emprego de amanuense na Polícia. Trabalhou no fórum com Lins de Vasconcelos e Américo de Campos. Foi quando ganhou demandas de centenas de contos de réis, mas nunca guardou um tostão para si, pois empregava todo o dinheiro que lhe pagavam na propaganda abolicionista, quando não comprava diretamente a alforria de negros escravos.
De Luís Gama, disse Raul Pompéia: “… não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor… E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente e toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro… E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom… Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de clientes mais abastados.”.
O filho do mineiro Francisco Egídio, aquele que se negara a arrematá-lo no leilão, agora marquês, tornou-se seu amigo inseparável e orgulhava-se da coragem e da dedicação de Luiz Gama. Esteve com o amigo presente, ao lado de Américo de Campos e de outros republicanos, na fundação da loja maçônica “América”, em cujo salão azul e enfeitado com estrelinhas de prata, nasceria de verdade, a campanha abolicionista da Província de São Paulo.
Na década de 1860, Luiz Gama deixou o funcionalismo público e tornou-se jornalista e poeta de renome, ligado aos círculos do Partido Liberal. Fundou, em 1869, o jornal Radical Paulistano, juntamente com Rui Barbosa. Participou da criação do Club Radical e, mais tarde, da criação do Partido Republicano Paulista (1873), ao qual se manteve ligado até à sua morte, em 1882. Por volta de 1880, foi líder da Mocidade Abolicionista e Republicana.
Em determinado momento de sua vida abolicionista Luiz Gama foi acusado de açoitar um escravo fugido. Levado como réu aos tribunais, Gama dispensou defensor e, desconhecendo a acusação forjada da qual era acusado declarou que “os senhores de escravos deveriam TODOS responder por pelo menos um crime: o de roubo! Roubo da liberdade de seu semelhante.” E nesse momento lançou a frase que daria um novo aspecto jurídico à campanha abolicionista: “ Para o coração não há códigos: e, se a piedade humana, a caridade cristã se devem enclausurar no peito de cada um, sem se manifestarem por atos concretos, em verdade vos digo aqui, que afrontando a lei, que todo escravo que assassina o seu senhor pratica um ato de legítima defesa.”
O réu foi absolvido por unanimidade. Os circunstantes aclamaram-no e o conduziram em triunfo pelas ruas da capital. À passagem da multidão, negras velhas ajoelhavam-se nas ruas e estendiam os braços para Luiz Gama aos gritos de: liberdade, liberdade!
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