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por Bruna Andrade, Jornalismo B
Nascido
na Itália e chegado ao Brasil em 1964, Vito Gianotti foi metalúrgico e
deixou de sê-lo, mas não deixou a classe trabalhadora. Como coordenador
do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), que oferece cursos de
comunicação sindical em todo o Brasil, ele segue lado a lado, ombro a
ombro com os trabalhadores, buscando, através da transformação da
comunicação, ajudar a transformar a sociedade. Na entrevista a seguir,
concedida com exclusividade ao Jornalismo B, Vito fala sobre a
importância e as dificuldades da comunicação sindical e popular.
Como começou a atuação do NPC?
O Núcleo Piratininga é um grupo de pessoas – professores, jornalistas, artistas ligados à comunicação, artistas gráficos, designers e companhia – militantes sociais preocupados com a comunicação dos trabalhadores. Porque nós achamos que os trabalhadores têm que ter o seu projeto político e têm que divulgar o projeto social, político. Têm que fazer conhecer. E isso se faz com a comunicação, a mais competente possível, que consiga realmente transmitir essas ideias. Os trabalhadores têm esse direito e essa obrigação, se querem mudar a sociedade. Então criamos (o NPC) pra ajudar, através da nossa experiência – seja de jornalista, seja de professor, seja de militante –, ajudar nesse aspecto da luta por uma transformação social. Ajudar os trabalhadores a melhorar, a aumentar, a potencializar sua comunicação.
Qual a importância de fortalecer os espaços de comunicação popular? De que forma isso ajuda as pessoas a se emanciparem?
A
comunicação popular significa, pra nós, a comunicação dos trabalhadores.
Hoje os trabalhadores têm pouquíssima possibilidade de expressar. Quem
se comunica à sociedade é a classe dominante. Eles são os donos das
rádios, das televisões, dos jornais, das revistas, das editoras, de tudo
que serve pra comunicar. E os trabalhadores têm muito pouca
possibilidade. Pra se comunicar tem que ter uma grande capacitação, e
tem que ter dinheiro pra poder investir. Então os trabalhadores precisam
lutar pelo seu espaço na sociedade, nas comunicações. Seu espaço no
sentido de exigir uma legislação mais democrática e justa. Mais
democrática no aspecto de ter acesso a rádio e televisão. Hoje os
trabalhadores não têm direito a isso. As rádios e televisões estão
concentradíssimas nas mãos de alguns pretensos donos – que não são
donos, mas se dizem donos – que fazem e desfazem o que bem querem.
Queremos que os trabalhadores conquistem a possibilidade de ter suas
rádios e suas televisões e financiamento público pra poder funcionar.
Então lutamos pela democratização da mídia. E isso significa a
possibilidade de ter jornais financiados, com propaganda oficial, com
propaganda do governo, tanto quanto hoje os jornais são apoiados pela
propaganda oficial das estatais – Banco do Brasil, Caixa Econômica,
BNDES, Petrobrás. Nós queremos que tenha um dinheiro destinado ao
incentivo à cultura, incentivo à pluralidade, incentivo à expressão das
várias vozes que compõem a sociedade, quando hoje está concentrado nas
mãos de quem detém o poder econômico. Nós queremos que mude isso, por
isso tem a batalha da democratização da mídia, que é uma, e a outra
grande batalha que é capacitar os trabalhadores para tomar esse espaço,
ocupar esse espaço e se colocar da melhor maneira possível.
Como tu vês o cenário atual da mídia comunitária, popular, dos trabalhadores?
Muito
fraco, muito pequeno, por várias razões. Não termos meios econômicos é
um problema. Mas não é só esse o problema. O problema é não termos a
convicção, a certeza, de que a mídia é central na nossa sociedade. A
compreensão dos trabalhadores sobre a centralidade da mídia na disputa
política é muito pequena. A gente acha que um jornalzinho resolve, um
boletinzinho resolve, uma radiozinha comunitária resolve. Não é verdade.
Nós temos que ter muito, mas muito, mas muito mais, investindo todo o
dinheiro que nós tivermos, os trabalhadores tiverem, os sindicatos, e
exigir dinheiro público para isso. Esse é um bordão que eu repito o
tempo todo. Isso não significa ter dependência do poder público,
significa o poder público, a sociedade, assumir sua responsabilidade com
a pluralidade de opiniões, com a divulgação de opiniões de maneira
democrática, e não manter a estrutura atual que concentra tudo nas mãos
de quem tem o capital.
Que obstáculos a mídia sindical tem enfrentado para se expandir?
A mídia
sindical, o obstáculo que tem enfrentado é a cabeça do dirigente
sindical. Ou seja, a compreensão da imensa maioria dos dirigentes
sindicais sobre a centralidade da comunicação é muito pouca. Não têm
essa compreensão, não entendem que sem uma comunicação poderosa, forte e
muito bem feita, um sindicato não é nada. Um sindicato é um saco de
batatas se não tiver uma comunicação adequada. A maneira de um sindicato
ter força, ter qualidade, é ter uma comunicação pra divulgar suas
ideias, sua visão de mundo, seus valores, para poder convencer dezenas,
centenas, milhares de pessoas. Mas essa compreensão está muito ruim,
muito fraca, muito pequena entre os próprios sindicalistas. Então nosso
esforço tem que ser de convencer da centralidade da comunicação para a
disputa política.
Falas de uma comunicação apenas para a categoria ou de uma comunicação para toda a classe trabalhadora?
Primeiro a
comunicação dos trabalhadores teria que ter uma comunicação dos
partidos. Os partidos no Brasil têm uma comunicação paupérrima. Muito
pobre, muito pequena, muito fraca, muito insuficiente. Nós não temos um
jornal diário de esquerda no Brasil. Existe alguns semanários, poucos,
pequenos, insuficientes. Cito o jornal Brasil de Fato, o semanário. E
depois existe alguns pequenos semanários, de grupos políticos menores,
com uma tiragem insignificante frente ao Brasil, incapaz de conseguir
mudar um conjunto de mentalidades da sociedade. A comunicação partidária
no Brasil é uma vergonha. Nós não temos um partido de esquerda com um
jornal diário. Isso é um absurdo. O que temos são algumas revistas
mensais, que são absolutamente insuficientes pra disputar uma visão de
sociedade em uma sociedade que muda, que tem um volume de informações
enorme. Uma revista mensal é muito insuficiente. Outras formas, além do
jornal: rádios. As rádios comunitárias são ridículas. O alcance delas,
pela lei, é super insuficiente. Um alcance muito pequeno, sem nenhuma
estrutura, sem nenhum instrumento para expandir suas ideias. Televisão
comunitária: falta verba, falta investimento, falta compreensão da
esquerda como um todo, do movimento sindical e do movimento popular, da
necessidade de a gente exigir, reivindicar, impor a nossa televisão e
investir nisso. Internet: o uso da internet é um uso importante, atual,
moderno, mas não podemos cair na bobagem de colocar ou internet, ou
jornal, ou rádio, ou televisão. Nós, hoje, temos que repetir sempre a
mesma frase: é internet, mais rádio, mais televisão, mais jornal, mais
livro, mais mil maneiras. Não podemos cair na ilusão de que a internet
resolve o problema. A internet é um dos instrumentos, que não substitui
absolutamente os outros. Nós temos no Brasil 60% de analfabetos totais e
analfabetos funcionais, ou seja, 60% da população não chega perto do
Facebook, do Twitter, do Youtube. E daí? Temos que ter outros
instrumentos. Por exemplo, o rádio. Mas não é uma radiozinha
comunitária. Nós temos que ter grandes rádios FM. No Uruguai, a partir
desse mês de dezembro, a central sindical uruguaia vai ter uma concessão
pública de rádio FM nacional. A televisão no Uruguai vai ter uma TV
aberta, de canal aberto, para a central sindical. E no Brasil nós não
temos nada disso. Temos que revolucionar todo o sistema de concessão de
rádio e televisão. Temos mil passos a dar. Nós estamos hoje, no Brasil,
do ponto de vista das comunicações, estamos na vanguarda do atraso na
América Latina. Somos o país mais atrasado na democratização das
comunicações.
Que características principais deve ter uma boa comunicação sindical?
Tem que
ter um conteúdo bom. Se não soubermos o que dizer, é melhor ficar
quieto. A comunicação sindical tem que ter um conteúdo capaz de disputar
a hegemonia na sociedade. Isto é, dialogar com a categoria e dialogar
com a sociedade como um todo. Com a categoria vai dialogar mais assuntos
imediatos, mais diretos, mais concretos do dia a dia. Mas no mesmo
jornal, no mesmo Facebook, no mesmo site, no mesmo programa de rádio e
televisão que o sindicato venha a fazer, tem que dialogar seja com o
trabalhador do ponto de vista dos interesses imediatos, concretos, seja
do ponto de vista de uma nova sociedade. Ou seja, os valores que o
sindicato tem que defender devem ser valores gerais da sociedade.
Valores da categoria e valores de uma sociedade democrática, livre,
solidária, uma sociedade onde todos tenham direito a serviço público
decente, a saúde decente, a educação decente. O mesmo pra um sindicato
de pedreiro e um sindicato de professor, de engenheiro. O sindicato de
engenheiro tem que pensar na saúde do povo brasileiro, sindicato de
ferroviário tem que pensar na educação do conjunto do povo. Temos que
disputar todos os temas: tratar de temas imediatos e temas históricos
dos trabalhadores, ou seja, interesses do dia a dia e interesses de uma
nova sociedade. Não porque o sindicato seja um partido, não é um
partido, mas tem um projeto político de sociedade, isso em uma visão de
sindicato que eu defendo. Então a primeira característica é ter um bom
conteúdo, capaz de atender aos interesses imediatos e gerais da
sociedade. A outra coisa: a nossa comunicação sindical, popular ou
comunitária tem que ser passada – escrita ou passada por rádio ou
televisão – em uma língua que o povo entenda. Tem que ser uma linguagem
que não seja aquele clássico juridiquês, economês, politiquês,
intelectualês. Tem que ser falado ou escrito em uma língua que o povo
entenda. E a terceira coisa é que tem que ser muito bonita. Porque ou
nós fazemos coisas bonitas ou os nossos jornais, boletins, programas de
rádio e televisão não serão vistos, nem lidos, nem ouvidos, porque
ninguém quer ver coisa feia. E no Brasil temos um problema, que é um
fato: a comunicação dos patrões, dos nossos inimigos, é muito bonita. A
Rede Globo desgraçadamente é tremendamente bonita. E ou nós fazemos
coisas tão bonitas quanto a Globo ou ninguém vai olhar nossos programas
de televisão, vai ouvir nossos programas de rádio e ler nossas revistas e
nossos jornais.
Que medidas são mais urgentes na democratização da comunicação?
Que
medidas? Todas. Porque não temos nenhuma. Hoje em dia tem um
abaixo-assinado que está rodando, mas que quebra o galho. É uma das
vinte e tantas coisas que temos que fazer. O que temos que fazer é
convencer o conjunto do movimento social, movimento sindical, movimento
político, movimento partidário de esquerda, de que ou nós temos uma
comunicação capaz de divulgar as nossas ideias, de disputar hegemonia
com o outro lado, ou nós não chegaremos nunca a nada. É pura ilusão.
Temos uma bela porcaria de comunicação. Tanto é que a classe dominante, a
classe burguesa, a classe patronal, a comunicação comercial, a
comunicação empresarial está por cima da carne seca. Os valores da
sociedade são os valores deles: o individualismo, a negação do Estado, a
negação das obrigações públicas, a necessidade de privatizar tudo, de
terceirizar tudo…todos os valores do neoliberalismo são os valores
dominantes hoje em dia. Nós temos que combate-los todos para colocar
outros.
Como tu avalias a atuação dos governos Lula e Dilma na questão da mídia?
Uma
desgraça. O governo Lula não fez quase nada durante anos na comunicação.
A única coisa decente que eu vi foram os Pontos de Cultura, foi um
momento em que o governo avançou um pouco na comunicação. Um pouco. Mas
logo, logo esqueceu. E o governo Dilma esqueceu tudo, voltou atrás,
diminuiu qualquer apoio à pluralidade de opiniões, pequenos jornais,
jornais de bairro, jornais dos pequenos movimentos, e não avançou
absolutamente nada na democratização das ondas do rádio. Ao contrário,
está sendo reforçado tudo o que é inimigo dos trabalhadores do ponto de
vista da comunicação. Em uma nota de zero a cem, eu colocaria um.
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