buscado no Roberto Gordilho
Publicado
na Folha de S. Paulo, acadêmicos Mário Scheffer e Lígia Bahia criticam a
conduta da agência. Segundo eles, a leniência na fiscalização está ligada à utilização
de cargos para a obtenção de benefícios.
Em artigo publicado nesta quarta-feira
(24), na Folha de S. Paulo, o professor do Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mário
Scheffer, e Lígia Bahia, professora do Instituto de Saúde Coletiva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, criticaram a conduta da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por ter sido, segundo eles, “capturada pelo
mercado que ela deveria fiscalizar”.
Os
acadêmicos acusam a agência, um órgão público sustentado com recursos públicos,
de conflito de interesses. “A agência instalou em suas entranhas uma porta
giratória, engrenagem que destina cargos a ex-funcionários de operadoras que
depois retornam ao setor privado”, afirmam. Ainda segundo os autores, as
medidas sugeridas para coibir a utilização de cargos para benefício sempre foi contestada
pelo órgão “sob o argumento de que tais pessoas 'entendem do setor'”.
“A
atuação frouxa da ANS”, baseada no lucro máximo e na responsabilidade mínima
das operadoras, ocorre, de acordo com Scheffer e Lígia Bahia, devido à
leniência da fiscalização. Ainda segundo os autores, as empresas deixaram de
vender planos individuais porque, “sob o olhar complacente da ANS, dão calote
no SUS, pois não fazem o ressarcimento quando seus clientes são atendidos em
hospitais públicos”. E acusam: “Os planos de saúde doam recursos para
candidatos em tempo de eleição que, depois de eleitos, devolvem a mão amiga com
favores e cargos. Há coincidências que merecem explicação”.
Leia o
artigo na íntegra:
SINISTRO
NA ANS
Desde sua criação, a agência foi capturada pelo
mercado que ela deveria fiscalizar. Medidas para coibir conflito de interesses
sempre foram contestadas
No jargão
dos planos de saúde, sinistro é a perda financeira a cada demanda de um cliente
doente. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi tomada pelo
sinistro no sentido popular do termo --ou seja, aquilo que é pernicioso.
Dois
ex-executivos de planos de saúde – um serviu à maior operadora do país e outro,
à empresa líder no Nordeste – acabam de ser nomeados diretores da ANS.
Desde sua
criação, há 13 anos, a agência foi capturada pelo mercado que ela deveria
fiscalizar. As medidas sugeridas para coibir o conflito de interesses na ANS –
frise-se, um órgão público sustentado com recursos públicos – sempre foram
contestadas sob o argumento de que tais pessoas "entendem do setor".
Assim, a
agência instalou em suas entranhas uma porta giratória, engrenagem que destina
cargos a ex-funcionários de operadoras que depois retornam ao setor privado.
A atuação
frouxa da ANS, baseada no lucro máximo e na responsabilidade mínima das
operadoras, tem a ver com essa contaminação. Impunes e protegidos pela
fiscalização leniente, os planos de saúde ao fim restringem atendimentos e
entregam emergências lotadas e filas de espera para consultas, exames e cirurgias.
As
empresas deixaram de vender planos individuais, pois têm o aval da ANS para
comercializar planos coletivos a partir de duas pessoas, com imposição de
reajustes abusivos e rescisão unilateral de contrato sempre que os usuários
passam a ter problemas de saúde dispendiosos. Sob o olhar complacente da ANS,
dão calote no SUS, pois não fazem o ressarcimento quando seus clientes são
atendidos em hospitais públicos.
Os planos
de saúde doam recursos para candidatos em tempo de eleição que, depois de
eleitos, devolvem a mão amiga com favores e cargos. Há coincidências que
merecem explicação.
Em 2010,
as operadoras ajudaram na eleição de 38 deputados federais, três senadores,
além de quatro governadores e da própria presidente da República. Da empresa
que doou legalmente R$ 1 milhão para a campanha de Dilma Rousseff, saiu o nome
que presidiu a ANS até 2012. O plano de saúde que doou R$ 100 mil à campanha de
um aliado – o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral – emplacou um diretor
da agência que, aliás, acaba de ser reconduzido ao cargo.
Em 1997,
o texto do que viria a ser a lei nº 9.656/98, que regula o setor, foi
praticamente escrito por lobistas dos planos. Em 2003, na CPI dos Planos de
Saúde, as empresas impediram investigações. Em 2011, um plano de saúde cedeu
jatinho para o então presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), em
viagem particular.
Quase mil
empresas de planos de saúde que atendem 48 milhões de brasileiros faturaram R$
93 bilhões em 2012. Com tal poder econômico, barram propostas de ampliação de
coberturas, fecham contratos com ministérios e estatais para venda de planos ao
funcionalismo público, definem leis que lhes garantem isenções tributárias. E
se beneficiam da "dupla porta" (o atendimento diferenciado de seus
conveniados em hospitais do SUS) e da renúncia fiscal de pessoas físicas e
jurídicas, que abatem do Imposto de Renda os gastos com planos privados.
Agora as
operadoras bateram às portas do governo federal, pedindo mais subsídios
públicos em troca da ampliação da oferta de planos populares de baixo preço –
mas cobertura pífia.
No
momento em que os brasileiros foram às ruas protestar contra a precariedade dos
serviços essenciais, num rasgo de improviso os problemas da saúde foram
reduzidos à falta de médicos. O que falta é dotar o SUS de mais recursos,
aplicar a ficha limpa na ocupação de cargos e eliminar a promiscuidade entre
interesses públicos e privados na saúde, chaga renitente no país.
MÁRIO SCHEFFER, 46, é professor do Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)
LÍGIA BAHIA, 57, é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
*O artigo
foi publicado na Folha de S. Paulo.
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