buscado no Mauro Santayana
(JB) - Este
deveria ser, em todas as universidades do mundo, o Ano de Diderot. Em outubro
fará 300 anos de nascimento do pensador que, mais do que qualquer outro de seus
contemporâneos, acendeu as velas do Iluminismo e ajudou a dar autonomia à razão
dos homens. Diderot morreu cinco anos antes da Revolução Francesa. Sem ele, ela
teria sido inviável.
Voltar a Diderot não é fuga de cronista político de atualidades,
entediado, como tantos outros que sofrem com a mediocridade de nossos tempos
chochos, mas convite à reflexão. Estamos em pausa, não obstante a turbulência
aparente. A História cochila no mormaço de uma tarde que se alonga, enquanto as
universidades, as grandes editoras de livros, e o meio estridente da internet —
em que ainda se depositam esperanças — se encontram, a cada dia mais, sob o
domínio das instituições financeiras. A moeda, ficção útil à sociedade dos
homens, se tornou, manipulada por seus guardiões, instrumento de dissimulada
tirania. E essa tirania limita a liberdade de pensar e de criar.
Diderot, filho de um mestre cuteleiro de Langres, estava destinado
ao sacerdócio, de onde escapou ainda cedo. Educado pelos jesuítas, levou
algum tempo para abandonar a crença católica. Dedicou-se ao estudo das artes.
Aos 19 anos, obteve o mestrado na Universidade de Paris. Depois de breve
incursão no campo do direito, passou a viver aleatoriamente. Dava aulas
eventuais e, como ghost writer, redigia sermões para missionários. Ao
frequentar os cafés da moda, conheceu Rousseau, um ano mais velho, e os dois,
que se identificavam na inquietação filosófica e na sedução pessoal,
tornaram-se o centro de um grupo que daria motor ao Iluminismo. Durante anos,
ele, Condillac e Rousseau se reuniam para jantar e pensar em comum, no Panier
Fleuri, singular restaurante da cidade naquele tempo.
Era senhor de um talento universal. Seu conhecimento ia da alta
matemática de então aos ensaios em biologia — que o fez antecipar-se a
Darwin, ao discutir a capacidade da adaptação ao ambiente dos cegos, mediante o
tato, e inspirar Braille. E ainda havia a sua surpreendente literatura de
ficção. Diderot, no entanto, foi, antes de tudo, homem de ação.
Ao ser convidado pelo editor André Le Breton para traduzir a
discreta enciclopédia britânica de Chambers, em dois volumes, e, diante da
recusa do seu autor em permitir a edição francesa, Diderot encontrou sua
pólvora. Ele, Rousseau, Condillac e outros só viam uma saída para a Humanidade:
a universalização do conhecimento. Decidiu-se, então, pelo ambicioso projeto da
Encyclopédie e trouxe para a empreitada o químico — mas também grande humanista
— D´Alembert.
Durante 21 anos, de 1751 a 1772, Diderot — sem abandonar suas
múltiplas atividades e intensa vida social — empenhou-se na execução dos 17
extensos volumes da Enciclopédia. Além de rever todos os artigos e de fazer o
que chamaríamos hoje “a lincagem” entre os vários verbetes para o melhor
entendimento dos temas, Diderot administrou todo o processo editorial e
comercial do projeto. Enfrentou a censura, e, mais do que ela, a reação da
Igreja e dos aproveitadores das injustiças sociais e do obscurantismo que
temiam o conhecimento da verdade pelas massas. Para não deixar dúvida de seu
objetivo, Diderot deu à grande obra o subtítulo de Dictionnaire Raisonné: não
se tratava de uma coleção de verbetes mas de uma incitação à liberdade de
pensar sem os dogmas castradores da Igreja e seus teólogos.
Entre todos os depoimentos da grandeza de Diderot — que vendeu sua
biblioteca para Catarina II da Rússia e dela ganhou uma pensão para viver seus
últimos anos — está a de uma mulher da nobreza russa, princesa de Dachkov, que
o conheceu em Paris. Disse ela, em suas memórias: “O mundo não conheceu bem
esse homem extraordinário. Sua paixão dominante e seus estudos só visavam a
contribuir para a felicidade de seus semelhantes”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário