Barrabás e a
hora dos calouros
por Wanderley Guilherme dos
Santos,
especial pra o IG
Consultas plebiscitárias e referendos são ferramentas auxiliares de
governo. Em si mesmas são indiferentes às conseqüências de sua
adoção, não lhes transferindo virtudes ou defeitos. Benefícios ou
maldades resultam do que é deliberado ou referendado. Mais
sutilmente, grandes perversidades podem ser longamente preservadas
por não constarem das opções submetidas a consulta anterior ou
consagração posterior. Típico, ademais, de decisões
plebiscitárias ou referendadas é seu implacável caráter
terminativo, irrecorrível. Plebiscitos e referendos são terríveis,
para o bem e para o mal.
Em sua época de ouro,
as estações de rádio transmitiam programas altamente populares
genericamente conhecidos como “hora dos calouros”. Nele se
apresentavam candidatos e candidatas a ingressarem no então mundo
das celebridades – o universo dos artistas de rádio. Eram
potenciais cantores, locutores, rádio atores que submetiam seus
talentos ao julgamento da audiência presente aos auditórios. E era
a audiência que julgava méritos e deméritos dos candidatos,
aplaudindo com maior ou menor intensidade os competidores,
substituindo-os ou não no topo das preferências, geralmente
denominado de “trono”. Ao final do programa saiam vencedores os
que se mantiveram no “trono” de cantor, imitador, humorista e
toda a gama de atividades artísticas.
A hora dos calouros era
uma modalidade de decisão plebiscitária tecnicamente perfeita,
inclusive por ser precedida por um filtro nas escolhas da audiência,
simbolizado pelo “gongo” que excluía candidatos de baixa
qualidade. O “gongo” dos programas de calouros é o equivalente
da atual seleção prévia do que será submetido a julgamento,
realizada pelos promotores do plebiscito ou referendo. Tudo somado,
os resultados plebiscitários das horas dos calouros foram, sem
dúvida, magníficos, dando oportunidade e revelando artistas de
primeira grandeza da cultura brasileira.
Comprovando a tese de
que consultas plebiscitárias são indiferentes à virtude da
escolha, lembrem de Poncio Pilatos. Alheio às disputas internas de
um pequeno povo dominado por Roma, promoveu um plebiscito,
convocando-o às ruas para decidir a quem escolhia libertar: Jesus ou
Barrabás. A multidão preferiu Barrabás, o mais famoso beneficiário
de maligna vingança popular sob proteção legal.
Ao aderir ao
diagnóstico simplório de que as mazelas nacionais decorrem das
instituições representativas, o governo sugere um plebiscito
Barrabás, em regime de urgência, com a audiência em estado de
choque e desorientada. Além de promover ainda mais divisão e
confusão entre seus apoiadores, expõe-se a ter incluídas entre as
opções algumas que definitivamente não vão lhe apetecer.
Pior que a forma é o
conteúdo. Em nome do progresso pretende submeter ao público
velharias de mais de três séculos, por exemplo, o voto majoritário,
em gradual substituição pelo sistema proporcional mundo a fora. E,
por fim, escamoteando alternativas que, de fato, significariam
progresso nos direitos da cidadania. Sabe o governo, sabem os
congressistas, que são eleitos pelos votos dos analfabetos,
inclusive, mas que estes não podem ser eleitos? Podem votar, mas não
podem ser votados, são meio cidadãos. Por que não eliminar esta
barreira totalmente preconceituosa aos direitos políticos de um
segmento da população? Esta é uma das questões efetivamente
relevantes surrupiada pelo plebiscito proposto.
A consulta
plebiscitária em discussão é do tipo Barrabás e seria “gongada”
na hora do pato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário