quinta-feira, 24 de abril de 2014

A Farsa da “Governança da Internet” e a sua ilusão “Multi-Setorial”



 

buscado no Passa Palavra




Já existe uma estrutura para a gestão coletiva da Internet: nós, cidadãos, somos todos co-proprietários da Internet.  

Por Jérémie Zimmermann


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Por quase 15 anos, reuniões de “Governança da Internet” [1] têm chamado a atenção e dirigido nossos imaginários rumo à crença de que regras consensuais para a Internet poderiam surgir de discussões globais “multi-setoriais”. Alguns dias antes do fórum “NETmundial”, em São Paulo, se tornou óbvio que a “Governança da Internet” é uma maneira farsesca de nos manter ocupados e esconder uma triste realidade: nada de concreto, nem uma única ação, surgiu dessas reuniões entre “multi-setoriais” nesses 15 anos, enquanto ao mesmo tempo a tecnologia como um todo tem sido dirigida contra os seus usuários, como uma ferramenta de vigilância, controle e opressão.

Os cidadãos do mundo devem pensar nos importantes desafios à nossa frente: acabar com a vigilância de massa, proteger as liberdades online sem concessões, garantir a neutralidade da Rede, criar condições de acesso universal à Internet Livre… Nenhum deles pode ser discutido nessas discussões “multi-setoriais” estéreis com lista de participantes manipuladas [2], mas só em contextos políticos apropriados, baseados em redes descentralizadas de cidadãos, organizadas através de uma Internet Livre.

Através do site alternativo http://netmundial.net e de muitos outros modos descentralizados de organização, cidadãos do mundo estão exigindo de seus governos outra coisa que não a farsa da “Governança da Internet”.

Por que deveríamos esperar que essas hiper-estruturas de “multi-setoriais” funcionem de maneira apropriada, se é que isso algum dia ocorrerá, antes de fazermos alguma coisa [3]? Já existe uma estrutura para a gestão coletiva da Internet: nós, cidadãos, somos todos co-proprietários da Internet, se a considerarmos como a soma de sua infraestrutura, suas tecnologias e, o mais importante, a soma de atividades, dados e conteúdo que nós, todos nós, contribuímos para fazer com que ela exista.

Nesse sentido, a Internet pode e deve ser considerada um bem comum.

É precisamente isso que devemos exigir dos governos agora, das cinzas ainda quentes da morte do modelo “multi-setorial”, esmagado sob a bota das decisões unilaterais da NSA, Google, Facebook, China, Apple, Rússia e todos os outros atores que não esperaram por um consenso para tomar passos radicais no sentido de alterar a forma da tecnologia e voltá-la contra os cidadãos.

Os governos devem considerar a Internet como nosso bem comum e protegê-lo como tal, sem concessões. Como a mais preciosa das reservas naturais ou das fontes de água potável. A partir daí devemos entrar em um debate profundo sobre a natureza da confiança que colocamos nos atores privados ou públicos (“curadores”) que irão gerir esse recurso. Quais são as condições de transparência e que maneiras de responsabilização (tais como a utilização de software livre e a habilidade do público de verificar esses softwares) deveremos exigir, em uma sociedade democrática, daqueles que são responsáveis pelas nossas liberdades fundamentais, por meio do controle deles de parte da nossa infraestrutura comum?

Essa é a natureza do debate que nós queríamos que tivesse surgido da NETmundial, sob o impulso corajoso da presidente Dilma Rousseff. Infelizmente, parece que ela preferiu se dobrar frente à pressão dos EUA [4], da União Europeia [5] e dos interesses industriais. Será que uma mensagem dos cidadãos do mundo inteiro conseguirá mudar o nosso status quo? Seja como for, precisamos tentar!

Por favor se junte a nós assinando a mensagem no site http://netmundial.net, espalhando essa mensagem por aí e participando ativamente no desmantelamento da ilusão da “Governança multi-setorial da Internet”.


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Notas


[1] Desde o Encontro de Cúpula Mundial da Sociedade da Informação até os mais recentes Fórums de Governança da Internet.

[2] Mais de 90% dos membros da “comunidade técnica” na NETmundial, como no Fórum de Governança da Internet, ou são parte do governo ou das corporações http://netmundial.br/blog/2014/04/20/netmundial-announces-list-of-registered-participants/
  [3] Como esses estudiosos observam na conclusão de seu estudo sobre o “multi-setorialismo” http://ssrn.com/abstract=2354377: “Além disso, o fato de que os atores majoritários na governança da Internet apoiam diversas visões de legitimidade procedimental ajuda a explicar a tensão crescente nessa área de questões e também sugere que os atores deveriam tentar forjar um modus vivendi procedimental antes de tentar resolver as questões substantivas”.

[4] Não menciona a NSA, a vigilância de massa e a participação ativa de empresas do Vale do Silício na última versão dos “princípios da governança da internet”.

[5] Menção à “neutralidade da rede” removida dos “princípios” por influência da comissária da União Europeia Neelie Kroes: http://ec.europa.eu/commission_2010-2014/kroes/en/content/my-thoughts-netmundial-and-future-internet-governance

Tradução do Passa Palavra a partir daqui.



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