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Já existe uma estrutura para a gestão coletiva da Internet: nós, cidadãos, somos todos co-proprietários da Internet.
Por Jérémie Zimmermann
Por quase 15 anos, reuniões de “Governança da Internet” [1] têm
chamado a atenção e dirigido nossos imaginários rumo à crença de que
regras consensuais para a Internet poderiam surgir de discussões globais
“multi-setoriais”. Alguns dias antes do fórum “NETmundial”, em São
Paulo, se tornou óbvio que a “Governança da Internet” é uma maneira
farsesca de nos manter ocupados e esconder uma triste realidade: nada de
concreto, nem uma única ação, surgiu dessas reuniões entre
“multi-setoriais” nesses 15 anos, enquanto ao mesmo tempo a tecnologia
como um todo tem sido dirigida contra os seus usuários, como uma
ferramenta de vigilância, controle e opressão.
Os cidadãos do mundo devem pensar nos
importantes desafios à nossa frente: acabar com a vigilância de massa,
proteger as liberdades online sem concessões, garantir a neutralidade da
Rede, criar condições de acesso universal à Internet Livre… Nenhum
deles pode ser discutido nessas discussões “multi-setoriais” estéreis
com lista de participantes manipuladas [2], mas só em
contextos políticos apropriados, baseados em redes descentralizadas de
cidadãos, organizadas através de uma Internet Livre.
Através do site alternativo http://netmundial.net e
de muitos outros modos descentralizados de organização, cidadãos do
mundo estão exigindo de seus governos outra coisa que não a farsa da
“Governança da Internet”.
Por que deveríamos esperar que essas
hiper-estruturas de “multi-setoriais” funcionem de maneira apropriada,
se é que isso algum dia ocorrerá, antes de fazermos alguma coisa [3]?
Já existe uma estrutura para a gestão coletiva da Internet: nós,
cidadãos, somos todos co-proprietários da Internet, se a considerarmos
como a soma de sua infraestrutura, suas tecnologias e, o mais
importante, a soma de atividades, dados e conteúdo que nós, todos nós,
contribuímos para fazer com que ela exista.
Nesse sentido, a Internet pode e deve ser considerada um bem comum.
É precisamente isso que devemos exigir
dos governos agora, das cinzas ainda quentes da morte do modelo
“multi-setorial”, esmagado sob a bota das decisões unilaterais da NSA,
Google, Facebook, China, Apple, Rússia e todos os outros atores que não
esperaram por um consenso para tomar passos radicais no sentido de
alterar a forma da tecnologia e voltá-la contra os cidadãos.
Os governos devem considerar a Internet
como nosso bem comum e protegê-lo como tal, sem concessões. Como a mais
preciosa das reservas naturais ou das fontes de água potável. A partir
daí devemos entrar em um debate profundo sobre a natureza da confiança
que colocamos nos atores privados ou públicos (“curadores”) que irão
gerir esse recurso. Quais são as condições de transparência e que
maneiras de responsabilização (tais como a utilização de software livre e
a habilidade do público de verificar esses softwares) deveremos exigir,
em uma sociedade democrática, daqueles que são responsáveis pelas
nossas liberdades fundamentais, por meio do controle deles de parte da
nossa infraestrutura comum?
Essa é a natureza do debate que nós
queríamos que tivesse surgido da NETmundial, sob o impulso corajoso da
presidente Dilma Rousseff. Infelizmente, parece que ela preferiu se
dobrar frente à pressão dos EUA [4], da União Europeia [5] e dos interesses industriais. Será que uma mensagem dos cidadãos do mundo inteiro conseguirá mudar o nosso status quo? Seja como for, precisamos tentar!
Por favor se junte a nós assinando a mensagem no site http://netmundial.net,
espalhando essa mensagem por aí e participando ativamente no
desmantelamento da ilusão da “Governança multi-setorial da Internet”.
Notas
[1] Desde o Encontro de Cúpula Mundial da Sociedade da Informação até os mais recentes Fórums de Governança da Internet.
[2] Mais de 90% dos membros da “comunidade técnica” na NETmundial, como no Fórum de Governança da Internet, ou são parte do governo ou das corporações http://netmundial.br/blog/2014/04/20/netmundial-announces-list-of-registered-participants/
[3] Como esses estudiosos observam na conclusão de seu estudo sobre o “multi-setorialismo” http://ssrn.com/abstract=2354377:
“Além disso, o fato de que os atores majoritários na governança da
Internet apoiam diversas visões de legitimidade procedimental ajuda a
explicar a tensão crescente nessa área de questões e também sugere que
os atores deveriam tentar forjar um modus vivendi procedimental antes de tentar resolver as questões substantivas”.
[4] Não menciona a NSA, a vigilância de massa e a participação ativa de empresas do Vale do Silício na última versão dos “princípios da governança da internet”.
[5] Menção à “neutralidade da rede” removida dos “princípios” por influência da comissária da União Europeia Neelie Kroes: http://ec.europa.eu/commission_2010-2014/kroes/en/content/my-thoughts-netmundial-and-future-internet-governance
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