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Ela mudou de ideia, mas o atraso do atraso vai levar um tempo para descobrir
por Pedro Toledo, via Facebook
Muito se discutiu sobre o bônus distribuído aos professores no final deste mês. Discussões, aliás, bastante apaixonadas, contra e a favor.
Acompanhei o debate em silêncio, apreensivo que tal tema tenha ganhado tamanha prioridade em nossas vidas. Alguns defendiam o mérito que o bônus tenta identificar e recompensar.
Outros apontavam para o caráter diversionista da política de bonificação, criada para dividir a categoria e mascarar as condições medonhas de trabalho em que vivemos. Agora que a Inês já está morta, gostaria de fazer algumas colocações.
O Bônus é excrecência de um modelo que fracassou miseravelmente no mundo todo. Este modelo, criado nos Estados Unidos na gênese da hegemonia neoliberal e exportado para o mundo todo, baseou-se na padronização curricular imposta de cima para baixo; na imposição de testes padronizados; na responsabilização da categoria docente pelo fracasso escolar; na utilização de um sem-número de avaliações externas que serviram para estabelecer valores de bonificação aos funcionários do sistema educacional; na planificação grosseira dos resultados escolares; e no enfraquecimento sistemático dos sindicatos. Vinte anos se passaram e a única conquista desse modelo já não tão novo foi possibilitar a infestação de Charter Schools, escolas fundacionais alimentadas com o dinheiro público.
Diane Ravitch esteve na vanguarda desse processo, como secretária assistente da Educação do EUA e, por vinte anos, o defendeu ardorosamente. No ano passado, publicou um livro obrigatório para todos os que refletem sobre os rumos das políticas educacionais: “The Death and Life of the Great American School System: How Testing and Choice Are Undermining Education”.
Em sua obra, Diane faz uma “mea culpa” sobre sua atuação à frente da reforma educacional neoliberal, admitindo que o sucesso escolar vai muito além do esforço economicista e da neurose estatística que tomou os especialistas em educação pública.
Não contente, a autora denuncia os crimes cometidos pela imposição desse modelo ao sistema educacional americano que, após vinte anos, não impediu que os EUA, cujas escolas encontram-se em estado de abandono material, amargassem uma das últimas posições entre os países desenvolvidos
O que assusta não é o arrependimento tardio de Ravitch. Antes tarde do que nunca. O que assusta é saber que tal modelo entranhou-se de tal forma no sistema educacional brasileiro que rompeu todas as barreiras ideológicas e partidárias.
Não há diferença ALGUMA entre as políticas educacionais implementadas pelos governos do PSDB e PT, seja na prefeitura de São Paulo, seja no governo do Estado mais rico da Federação.
Na rede municipal somos assediados com o desconto do PDE em caso de licença médica e abonadas. No Estado, somos obrigados a nos digladiar pelo malfadado bônus.
Provas Brasil, São Paulo, Saeb, Saresp e outras são aplicadas obsessivamente, não importando a sigla da vez que governa. Do PSDB, já esperava. O fetichismo Ianque está no DNA dessa gente. Mas me entristece saber que o PT que abrigou Paulo Freire como secretário da Educação faz hoje política educacional como Paulo Renato.
E quanto ao Bônus? Como professor, sou radicalmente contrário à sua implementação. Gostaria aqui de enumerar as razões:
1 — O IDESP, índice que orienta o pagamento de bônus, é incapaz de determinar mérito. Sob o pretexto de selecionar os “melhores” grupos escolares, o IDESP desqualifica a diversidade pedagógica das escolas. As boas escolas deixam de ser aquelas que educam para a formação crítica, para o respeito à diversidade, para o crescimento emocional das crianças, para a formação Iluminista. As escolas que atuam por meio de projetos pedagógicos criativos e interdisciplinares e que por isso são amadas por seus alunos, também desaparecem no IDESP. No IDESP só aparecem as escolas que massacraram seus alunos durante um ano com a aplicação torturante da péssima apostila do Estado ao ponto de fazerem as crianças decorarem a maldita. Não importa que as crianças se sintam queridas em um espaço seguro. Não importam os diversos projetos bem-sucedidos que tomam centenas de horas não pagas de seus professores. O que importa para o IDESP é a decoreba da apostilinha.
2 — O bônus promove a corrupção e o desvio moral dentro das escolas. Desesperados pelo bônus, não é incomum que equipes escolares realizem a prova junto aos seus alunos. Também é comum a aprovação arbitrária em Conselho de alunos evadidos para evitar a redução da nota geral. Diversas escolas promovem “suspensões” em massa, para impedir que alunos com déficit compareçam no dia da Aplicação. A situação acomete mesmo supervisores que, pressionados pelos Dirigentes, acabam por rematricular à revelia alunos evadidos de diversas escolas em uma única escola, cujo IDESP vai à zero e poupa as outras unidades, servindo de bode expiatório no Holocausto Educacional do ranqueamento. Como cobrar compromisso ético de nossos alunos se o sistema educacional privilegia o desvio dos agentes educacionais?
3 — O bônus sustenta a política de arrocho salarial que vivenciamos há décadas. O apoio desesperado que alguns educadores dedicam à defesa do Bônus evidencia a carência privada sobre a necessidade pública. Somos uma categoria pauperizada. Somos a profissão mais mal paga entre as atividades que requerem curso superior. Para aqueles que dependem do salário, a manutenção de um custo de vida pouco acima da linha da pobreza resume-se em uma única palavra: dívidas. Somos uma categoria endividada. Não raro, o bônus serve como uma tragada de ar para o afogado. Com o bônus, muitos professores conseguem uma folga financeira que sinaliza a possibilidade de mais dívidas até o próximo bônus. O Governo do Estado de São Paulo conta com a nossa miséria para perpetuar tal política. O Bônus, em suma, torna particular um problema que exige uma resposta pública.
4 — O Bônus esconde o descalabro da Educação Pública ao creditar para os professores o protagonismo singular para o sucesso escolar das crianças. Resume-se o fracasso escolar a “bons” ou ‘maus” professores, escamoteando a infraestrutura precária, a falta de laboratórios, as bibliotecas esvaziadas, as salas de informática fechadas, a quantidade insuficiente de livros didáticos, as “saunas” de aula, a superlotação, a violência deflagrada entre professores e alunos, a gestão escolar incompetente, aos conselhos escolares vazios, ao entorno escolar degradado, a falta de segurança, etc, etc, etc… fatores que vão muito além do chão da sala de aula e que exigem medidas drásticas e eficazes, medidas que necessitam de uma coragem que inexiste no comando do Governo Estadual.
5 — O Bônus afasta os bons professores das escolas que mais precisam deles: as escolas prioritárias da periferia. Uma rápida passada de olhos no topo da lista do IDESP, mostra que as escolas que ali figuram encontram-se todas em regiões centrais e bairros nobres da cidade de São Paulo. Atrás apenas das ETECs mais tradicionais figura a Escola de referência em Ensino Integral Prof. Antonio Alves Cruz, melhor escola estadual regular de SP, localizada entre Alto de Pinheiros e Perdizes. Como as Escolas de Ensino Integral selecionam seus professores por perfil, fica claro que para ali vão os melhores e mais experientes, criando assim um círculo vicioso: as escolas mais carentes tornam-se lugares malditos para a maioria dos professores, sofrendo com a carência de professores de Português, Geografia, Matemática, Física e Química, justamente as matérias que são mais cobradas na prova do Saresp.
Poderia continuar listando motivos: afastamento de alunos pró-ativos, assédio moral por parte da gestão, etc.
Mas o que me interessa mesmo é entender os efeitos dessa política sobre a nossa categoria.
Para começar, devemos reconhecer que essa situação tem dinamitado nosso sindicato, controlado por um grupo que coloca os interesses partidários do PT à frente das necessidades de nossa categoria.
Ora, como confrontar o Governo Tucano do Estado de São Paulo, se a menina dos olhos de nosso partido faz a mesmíssima coisa na Prefeitura? Além disso, assistimos hoje a um hiato abismal entre a diretoria burocratizada do nosso sindicato e a base dos professores. É desanimador perceber que as eleições sindicais que se avizinham foram fortemente preteridas em favor do Bônus no debate cotidiano. Eu credito isso ao enfraquecimento da imagem do nosso sindicato junto aos professores, que não enxergam na direção colegas de categoria e com uma boa razão: a maioria não sabe o que é pó de giz há muito tempo.
Por fim, ainda que seja um alívio no plano individual, o Bônus deve ser visto como realmente é: uma esmola. Pior, uma droga que traz prazer na hora, mas que mata à longo prazo. A única resposta que podemos dar é a luta organizada, de atrito, através da organização sindical. Não vejo isso ocorrendo nos próximos anos, uma vez que o hiato não afeta apenas a direção, mas também a oposição. Precisamos refundar nosso sindicato através da base. Acho saudável que os partidos participem da vida sindical. Não só saudável, mas também necessário!
Mas não podemos permitir que o sindicato seja tomado como ferramenta de luta partidária em detrimento das necessidades da nossa categoria. Não é o PT, PCO, PSTU ou PSOL que sabem o que é melhor para a gente. Quem sabe isso somos nós e nosso sindicato deve ser a nossa ferramenta de luta. Saúdo a todos os companheiros de esquerda que queiram lutar com a gente, mas não posso aceitar que nos usem para lutar por eles.
Reclamar do Bônus não adianta. Temos que retomar nosso sindicato. E aqui é o espaço ideal para sairmos da lamúria e partirmos para a ação.
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