buscado no Gilson Sampaio
Sugestão do compa Elmo Cordeiro no facebook
por Henrique Borralho
São
3 horas da manhã e não consigo dormir. Minhas filhas dormem os sonos
dos justos sem saberem ou entenderem o que se passa no Brasil. Assisti
pelo noticiário os acontecimentos país afora: São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Brasilia. Pela internet chamadas para a mobilização
nacional na próxima quarta-feira.
Não sabemos
ao certo o que está acontecendo, mas algo está e grandioso. Leituras
apressadas dão conta de um golpe de direita para macular a governança da
Dilma em plena Copa das Confederações, não creio. Outra diz que se
trata de estratégias da própria esquerda ultra-radical prevendo as
eleições para o ano que vem, também não creio. O mais apropriado é falar
de uma insatisfação geral nascida há muito tempo e que ganhou força à
medida que as pessoas tomaram pé do que se passa fora e dentro do
Brasil.
Leituras as mais diversas sobre este
pais já fizeram: "república de bananas", "pais do futebol", "terra das
mulheres bonitas", "pais da malandragem", "do jeitinho", como forma de
mascarar séculos de lutas e contraposição social. O Brasil nunca foi
pacífico, as estratégias de controle social e repressão por parte das
elites é que sempre foram violentas. Controle dos aparatos burocráticos
do estado, dos aparelhos ideológicos sempre foram eficazes na tentativa
de conter as imensas contradições sociais. Durante muito tempo
funcionou.
O exemplo mais eficaz de combate as
transformações sociais foi o golpe militar de 1964: uma aliança entre a
elite politica, as forças armadas, o capital estrangeiro e nacional
especulativo. Foram 21 anos de solapamento de esperanças e sonhos, além
de mortes, perseguições e outras brutalidades.
Depois
de anos a fio de politicas de pão e circo e de medidas compensatórias,
no horizonte, o usufruto da riqueza nacional por parte de apenas 5% da
população mais rica. Um escândalo.
Agora,
"contraditoriamente", quando os índices sociais melhoram, a estabilidade
econômica é uma realidade, realizamos e realizaremos três grandes
eventos internacionais: Copa das Confederações, Copa do Mundo,
Olimpíadas, eclodem país afora uma onda, uma PRIMAVERA BRASILEIRA contra
o aumento das passagens de ônibus, contra os gastos da Copa do Mundo,
sucateamento da saúde, desvio de verbas, corrupção. E o estopim foi
exatamente a violência e a truculência da policia militar de São Paulo
que matou e feriu manifestantes durante o primeiro protesto contra o
aumento das passagens.
Há quem diga que isso é
uma articulação da direita contra a gestão de Fernando Haddad, prefeito
de São Paulo, do PT, partido dos trabalhadores, já que na época do
ex-prefeito Kassab, as passagens chegaram a R$ 3,00 e houve incêndios
criminosos nas favelas da maior metrópole brasileira sem que houvesse
protestos. Análise pobre, pois a direita sempre orquestrou golpes via
mídia, judiciário, empresários e nunca com grandes mobilizações sociais,
exceção da marcha pela Família apoiando a ditadura militar, ainda
assim, não sem grandes repercussões pais afora.
Desta
vez não. O povo incansável sai todos os dias às ruas protestar contra
toda a ordem de descaso, bradando palavras de ordem do tipo: "nenhum
partido me representa", "a saúde é mais importante que o Neymar", dentre
outras.
A internet ocupa um papel importante
nesse processo, tal como ocupou na primavera árabe. Lá, foi usada para
reverberar mundo afora a ditadura de seus governos, aqui, para
divulgação de toda ordem de corrupção, desvio de verbas, farra do
dinheiro público, nepotismo, dentre outras coisas.
Esse
movimento não é exatamente contra o governo Dilma, é muito maior que
isso. É contra o capital que ceifa vidas todos os dias, controla o
aparelho burocrático do estado, determina o ritmo dos investimentos,
desmata a Amazônia, mata pacientes nas filas do SUS (Sistema Único de
Saúde), empurra pessoas do campo para a cidade, privilegia o
agrobusiness, favorece a elite que estuda em escolas particulares,
dentre outras coisas.
Há quem se pergunta qual a razão disso tudo? Quem orquestrou tudo isso? Resposta: milhares de pessoas via facebook,
essa ferramenta fantástica de circulação de idéias e noticias sem
controle de seu conteúdo por parte de governos, a não ser a censura de
vinculação pornográfica. Eis a questão. O capital cria meneios de
entretenimento mas não consegue controlar os destino de suas
ferramentas. O facebook se tornou um aparelho também de
divulgação de noticias e idéias para além da grande mídia vendida ao
grande capital, aos governos.
Estamos vivendo
um momento histórico, como todos os outros, mas de matizes que serão
lembradas para sempre. Os brasileiros estão aproveitando a oportunidade
que os olhos do mundo estão voltadas para cá para desnudar as nossas
contradições. Tem sido vinculado mundo afora a grande fase de mudança
porque passa o Brasil, é verdade, no entanto, o recado das ruas é: "é
pouco". Se nos tornamos a 7ª potência econômica do mundo, então vamos
erradicar o analfabetismo, acabar com a favelização constante e
crescente, investir em educação, saúde, moradia, segurança e transporte,
este último, olha que coincidência, o gargalo do crescimento econômico,
afinal, quem conduz os trabalhadores para seus lugares de trabalho
todos os dias?
Existe uma verdadeira perfumaria
no Brasil. Os estádios onde estão sendo realizados as competições da
Copa das Confederações estão inacabados, como seus entornos. Os gastos
públicos com tais obras mais que triplicaram, os investimentos em
transporte de massa, como metrô, estão a passos de cágados, parte do
compromisso firmado para infra-estrutura ainda não foi e nem será
cumprida. Os brasileiros estão cansados de tanta propaganda enquanto
nossas contradições, mazelas afloram, gritam.
Os
índices de violência são alarmantes. Os usuários de crack se
multiplicam, os casos de dengue, idem. Pastor evangélico congressista
assume a presidência da comissão dos direitos humanos, assumidamente
homofóbico, casos de corrupção passiva e ativa não cessam, velhos
caciques da politica assumem a presidência do senado, como Sarney e
Renan Calheiros. Chega!!!!!! A hora chegou e ninguém vai conseguir parar
esse trem.
É certo que é cedo para entender os
desdobramentos, mas os clamores das ruas estão claros. Leituras
apressadas tentando vincular ou perfilar o movimento a este ou aquele
seguimento são rasas, sem profundidade. Os estudantes estão a frente
desse movimento, mas não só. Trabalhadores em geral, professores,
intelectuais, jornalistas a cada dia engrossam o caldo da insatisfação.
A
inflação voltou, ainda que timidamente, os sinais de crescimento
econômico estagnaram, os investimentos públicos em infra-estrutura
diminuíram, o fôlego da grande euforia brasileira começou a verter água.
Isso já era previsto. Os aumentos de passagens urbanas são um sintoma.
Se os brasileiros estivessem tão bem financeiramente não estariam todos
os dias protestando contra isso.
Agora
aparecem os desdobramentos. O que começou contra o aumento das passagens
se amplifica contra a precarização da saúde, habitação, contra a
corrupção, oligarquias e toda sorte de descontentamento. Se mandarem as
PM's (Policias militares) conterem tais movimentos haverá ainda mais
derramamento de sangue, como já ocorreram 4. Ninguém pode parar o motor
da história.
Milhares de brasileiros que deram
suas vidas por um pais mais digno não viram o que está acontecendo, mas
devem estar satisfeitos. Anos de luta e conscientização enfim surtiram
efeito.
Os maiores derrotados são os
pragmáticos, exatamente aqueles que bradam que nada acontece, que nada
vai mudar, que o importante é se dar bem, que se danem os mais fracos,
pobres e excluídos, que quem não vence na vida é vagabundo, afinal, o
sol nasceu para todos. Não, o sol nasceu para todos, mas poucos os
usufruem em coberturas de luxo, gozando a vida muitas vezes com o
dinheiro público.
À medida que a escolarização
aumentou, a universalização do saber e conhecimento, o acesso a
equipamentos e utensílios eletrônicos, aumentou também o grau de
conscientização e mobilização. Esse é o processo endógeno da melhor
distribuição de renda. A questão é que as pessoas descobriram que isso é
pouco, sobretudo em comparação com outras realidades econômicas de
outros países. Como é possível o mundo está em crise e o Brasil gastando
dinheiro público em obras para a Copa super-faturadas, 6 vezes mais que
outros países já gastaram? Quem vai pagar a conta? Afinal, não existe
limite e nem fim para tanto dinheiro desperdiçado? Onde está o controle
dos gastos públicos com essas obras? Porque o teto do Engenhão rachou se
ele é um estádio novinho em folha? Porque as obras atrasaram? Quem são
os responsáveis?
O dia começa a raiar. Minhas
filhas dormem os sonos dos justos sem saberem que Brasil afora uma
primavera se levanta. Elas irão desfrutar de um pais melhor, mais justo,
menos desigual.
Um dia vou contar a elas o que está acontecendo.
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