quarta-feira, 19 de junho de 2013

A primavera brasileira

 

buscado no Gilson Sampaio 

 

Sugestão do compa Elmo Cordeiro no facebook



por Henrique Borralho
São 3 horas da manhã e não consigo dormir. Minhas filhas dormem os sonos dos justos sem saberem ou entenderem o que se passa no Brasil. Assisti pelo noticiário os acontecimentos país afora: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasilia. Pela internet chamadas para a mobilização nacional na próxima quarta-feira. 
Não sabemos ao certo o que está acontecendo, mas algo está e grandioso. Leituras apressadas dão conta de um golpe de direita para macular a governança da Dilma em plena Copa das Confederações, não creio. Outra diz que se trata de estratégias da própria esquerda ultra-radical prevendo as eleições para o ano que vem, também não creio. O mais apropriado é falar de uma insatisfação geral nascida há muito tempo e que ganhou força à medida que as pessoas tomaram pé do que se passa fora e dentro do Brasil.
Leituras as mais diversas sobre este pais já fizeram: "república de bananas", "pais do futebol", "terra das mulheres bonitas", "pais da malandragem", "do jeitinho", como forma de mascarar séculos de lutas e contraposição social. O Brasil nunca foi pacífico, as estratégias de controle social e repressão por parte das elites é que sempre foram violentas. Controle dos aparatos burocráticos do estado, dos aparelhos ideológicos sempre foram eficazes na tentativa de conter as imensas contradições sociais. Durante muito tempo funcionou.
O exemplo mais eficaz de combate as transformações sociais foi o golpe militar de 1964: uma aliança entre a elite politica, as forças armadas, o capital estrangeiro e nacional especulativo. Foram 21 anos de solapamento de esperanças e sonhos, além de mortes, perseguições e outras brutalidades.
Depois de anos a fio de politicas de pão e circo e de medidas compensatórias, no horizonte, o usufruto da riqueza nacional por parte de apenas 5% da população mais rica. Um escândalo.
Agora, "contraditoriamente", quando os índices sociais melhoram, a estabilidade econômica é uma realidade, realizamos e realizaremos três grandes eventos internacionais: Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas, eclodem país afora uma onda, uma PRIMAVERA BRASILEIRA contra o aumento das passagens de ônibus, contra os gastos da Copa do Mundo, sucateamento da saúde, desvio de verbas, corrupção. E o estopim foi exatamente a violência e a truculência da policia militar de São Paulo que matou e feriu manifestantes durante o primeiro protesto contra o aumento das passagens.
Há quem diga que isso é uma articulação da direita contra a gestão de Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, do PT, partido dos trabalhadores, já que na época do ex-prefeito Kassab, as passagens chegaram a R$ 3,00 e houve incêndios criminosos nas favelas da maior metrópole brasileira sem que houvesse protestos. Análise pobre, pois a direita sempre orquestrou golpes via mídia, judiciário, empresários e nunca com grandes mobilizações sociais, exceção da marcha pela Família apoiando a ditadura militar, ainda assim, não sem grandes repercussões pais afora.
Desta vez não. O povo incansável sai todos os dias às ruas protestar contra toda a ordem de descaso, bradando palavras de ordem do tipo: "nenhum partido me representa", "a saúde é mais importante que o Neymar", dentre outras.
A internet ocupa um papel importante nesse processo, tal como ocupou na primavera árabe. Lá, foi usada para reverberar mundo afora a ditadura de seus governos, aqui, para divulgação de toda ordem de corrupção, desvio de verbas, farra do dinheiro público, nepotismo, dentre outras coisas.
Esse movimento não é exatamente contra o governo Dilma, é muito maior que isso. É contra o capital que ceifa vidas todos os dias, controla o aparelho burocrático do estado, determina o ritmo dos investimentos, desmata a Amazônia, mata pacientes nas filas do SUS (Sistema Único de Saúde), empurra pessoas do campo para a cidade, privilegia o agrobusiness, favorece a elite que estuda em escolas particulares, dentre outras coisas.
Há quem se pergunta qual a razão disso tudo? Quem orquestrou tudo isso? Resposta: milhares de pessoas via facebook, essa ferramenta fantástica de circulação de idéias e noticias sem controle de seu conteúdo por parte de governos, a não ser a censura de vinculação pornográfica. Eis a questão. O capital cria meneios de entretenimento mas não consegue controlar os destino de suas ferramentas. O facebook se tornou um aparelho também de divulgação de noticias e idéias para além da grande mídia vendida ao grande capital, aos governos.
Estamos vivendo um momento histórico, como todos os outros, mas de matizes que serão lembradas para sempre. Os brasileiros estão aproveitando a oportunidade que os olhos do mundo estão voltadas para cá para desnudar as nossas contradições. Tem sido vinculado mundo afora a grande fase de mudança porque passa o Brasil, é verdade, no entanto, o recado das ruas é: "é pouco". Se nos tornamos a 7ª potência econômica do mundo, então vamos erradicar o analfabetismo, acabar com a favelização constante e crescente, investir em educação, saúde, moradia, segurança e transporte, este último, olha que coincidência, o gargalo do crescimento econômico, afinal, quem conduz os trabalhadores para seus lugares de trabalho todos os dias?
Existe uma verdadeira perfumaria no Brasil. Os estádios onde estão sendo realizados as competições da Copa das Confederações estão inacabados, como seus entornos. Os gastos públicos com tais obras mais que triplicaram, os investimentos em transporte de massa, como metrô, estão a passos de cágados, parte do compromisso firmado para infra-estrutura ainda não foi e nem será cumprida. Os brasileiros estão cansados de tanta propaganda enquanto nossas contradições, mazelas afloram, gritam.
Os índices de violência são alarmantes. Os usuários de crack se multiplicam, os casos de dengue, idem. Pastor evangélico congressista assume a presidência da comissão dos direitos humanos, assumidamente homofóbico, casos de corrupção passiva e ativa não cessam, velhos caciques da politica assumem a presidência do senado, como Sarney e Renan Calheiros. Chega!!!!!! A hora chegou e ninguém vai conseguir parar esse trem.
É certo que é cedo para entender os desdobramentos, mas os clamores das ruas estão claros. Leituras apressadas tentando vincular ou perfilar o movimento a este ou aquele seguimento são rasas, sem profundidade. Os estudantes estão a frente desse movimento, mas não só. Trabalhadores em geral, professores, intelectuais, jornalistas a cada dia engrossam o caldo da insatisfação.
A inflação voltou, ainda que timidamente, os sinais de crescimento econômico estagnaram, os investimentos públicos em infra-estrutura diminuíram, o fôlego da grande euforia brasileira começou a verter água. Isso já era previsto. Os aumentos de passagens urbanas são um sintoma. Se os brasileiros estivessem tão bem  financeiramente não estariam todos os dias protestando contra isso.
Agora aparecem os desdobramentos. O que começou contra o aumento das passagens se amplifica contra a precarização da saúde, habitação, contra a corrupção, oligarquias e toda sorte de descontentamento. Se mandarem as PM's (Policias militares) conterem tais movimentos haverá ainda mais derramamento de sangue, como já ocorreram 4. Ninguém pode parar o motor da história.
Milhares de brasileiros que deram suas vidas por um pais mais digno não viram o que está acontecendo, mas devem estar satisfeitos. Anos de luta e conscientização enfim surtiram efeito.
Os maiores derrotados são os pragmáticos, exatamente aqueles que bradam que nada acontece, que nada vai mudar, que o importante é se dar bem, que se danem os mais fracos, pobres e excluídos, que quem não vence na vida é vagabundo, afinal, o sol nasceu para todos. Não, o sol nasceu para todos, mas poucos os usufruem em coberturas de luxo, gozando a vida muitas vezes com o dinheiro público.
À medida que a escolarização aumentou, a universalização do saber e conhecimento, o acesso a equipamentos e utensílios eletrônicos, aumentou também o grau de conscientização e mobilização. Esse é o processo endógeno da melhor distribuição de renda. A questão é que as pessoas descobriram que isso é pouco, sobretudo em comparação com outras realidades econômicas de outros países. Como é possível o mundo está em crise e o Brasil gastando dinheiro público em obras para a Copa super-faturadas, 6 vezes mais que outros países já gastaram? Quem vai pagar a conta? Afinal, não existe limite e nem fim para tanto dinheiro desperdiçado? Onde está o controle dos gastos públicos com essas obras? Porque o teto do Engenhão rachou se ele é um estádio novinho em folha? Porque as obras atrasaram? Quem são os responsáveis? 
O dia começa a raiar. Minhas filhas dormem os sonos dos justos sem saberem que Brasil afora uma primavera se levanta. Elas irão desfrutar de um pais melhor, mais justo, menos desigual.
Um dia vou contar a elas o que está acontecendo.


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