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Os acontecimentos do Brasil começaram
com teor bastante claro há 3 semanas, com reivindicações pautadas pelo
Movimento do Passe Livre exigindo revogação do aumento das passagens dos
transportes coletivos. Multidões tomaram as ruas em torno dessa pauta
com uma força sem precedentes nos últimos 20 anos. Nesse contexto, houve
uma criminalização do movimento por parte da grande imprensa que
legitimou a ação desproporcional da polícia. Naquele momento, nós
organizadores, enquanto estudantes brasileiros residentes em Paris,
resolvemos convocar um ato, previsto para sábado dia 22, em
solidariedade para com aquele movimento, para com suas reivindicações e
contra a violência da polícia.
Na última semana, a natureza dos
acontecimentos, entretanto, mudou. Tomando embalo na força popular
mobilizada então, a grande imprensa e a direita brasileira passaram a
apoiar as manifestações, visando diluir seu conteúdo e assim impor a
elas sua pauta conservadora. Desde então, passamos a ver o aumento de
discursos reacionários e a proliferação de posturas fascistas tomando as
ruas das cidades. Nessa mesma esteira, um anti-partidarismo difuso e
raivoso passou a incitar a violência levando alguns grupos autoritários a
se sentirem confortáveis em agredir membros de organizações da esquerda
que sempre construíram as grandes manifestações no Brasil.
Sabemos que grande parte das pessoas nas
ruas não compactuam com esse comportamento, mas, lamentavelmente, houve
consentimento desinformado por certa parte delas. Tal situação coloca
em risco o direito à livre manifestação e livre organização política
conquistados com luta histórica encabeçada pela esquerda que
quinta-feira, dia 20, foi espancada nas ruas.
Certa mídia se aproveita desses
acontecimentos, pintando-os como uma batalha pela desestabilização do
governo. É sem dúvida essa a posição da direita. Nós também, mas por
motivos completamente diversos, temos críticas a fazer às esferas
federal, estaduais e municipais do governo, inclusive no que toca o modo
pelo qual conduziram a negociação com o Passe Livre. Nós nos indignamos
com a maneira tecnocrata de lidar com as reivindicações populares, e
lamentamos o governo federal ter abandonado o diálogo com os movimento
de base dos quais seu partido nasceu. Porém temos clareza que em momento
nenhum pretendeu-se – nós não pretendemos – fazer dos protestos uma
marcha pela deposição de governantes democraticamente eleitos, por mais
críticos que sejamos a eles.
É preciso comemorar, sem dúvida, a
conquista que o Passe Livre obteve nas ruas, assim como o fato de que as
mobilizações tenham feito valer sua vontade perante as esferas
representativas do poder. As manifestações conseguiram colocar em debate
o que significa um estado efetivamente democrático, assim como
sensibilizar parte da população de que é a participação política direta
que traz conquistas.
O que acontece hoje em nosso país é algo
muito importante cujo sentido, porém, permanece indeterminado. A
organização deste ato não compactua com o rumo que a grande imprensa e a
direita têm tentado impor às mobilizações nas ruas em curso no país.
Seguiremos mobilizados pela transformação social no Brasil e em defesa
das pautas históricas dos movimentos sociais.
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