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Sobre os protestos
Publicado em 14 de junho de 2013, em A Época Folhetinesca
O tempo de explicações passou. Não há mais espaço para responder sobre os motivos dos protestos que se espalham pelo país. Não há mais tempo para tentar esclarecer que alguns centavos não são apenas alguns centavos, que o aumento de passagens é mais que o aumento de passagens, que árvores não são apenas árvores e que um tatu de plástico, embora seja apenas um tatu de plástico, é bem mais do que um tatu de plástico.
Passou a época em que fazia sentido dizer que um vidro quebrado não é obra de milhares ao mesmo tempo, e não cabe mais argumentar para explicar que a violência da Brigada, por vir diretamente do Estado, é sempre mais grave, mais preocupante e terrível do que milhares eventuais atos de vandalismo, baderna, desordem e outros chavões do tipo. Não é mais tempo dessas coisas. Simplesmente porque o tempo acabou.
Acredito que, a partir de agora, quem ainda não tinha entendido vai ter que dar um jeito de entender. Vai ter que olhar as fotos de jornalistas com olhos estourados por bala de borracha ou levando spray de pimenta no rosto em pleno exercício profissional e formar uma opinião sobre isso. Vai ter que olhar imagens de pessoas de joelhos, mãos para cima, levando bala de borracha e bomba de gás e pensar um pouco a respeito.
Vai ter que levar em conta o fato de que foram presas pessoas portando vinagre em SP, que invadiram um restaurante em Porto Alegre para prender quem estava fugindo da confusão criada pela própria polícia, que crianças e idosos foram agredidos em nome da suposta proteção de seus próprios interesses.
Vai ter que olhar mais para as redes sociais e menos para a televisão e para os jornais. Vai precisar olhar para as pessoas e enxergar nelas outras pessoas, ouvir o que elas dizem, entender o que elas sentem. Vai precisar compreender que é cada vez mais gente na rua, cada vez mais indignação, e que o discurso político está cada vez mais desligado do que as pessoas querem, necessitam, exigem. E vai ter que entender tudo isso por si só, a essa altura. Sozinho.
Porque não dá mais tempo de explicar. A onda está chegando, ganhando volume, e não vai fazer uma pausa para que algumas pessoas tenham tempo de entendê-la. Ela vai fazer exatamente o que ondas costumam fazer – levar tudo e todos de arrasto.
É um vagalhão que encontrou no aumento de passagens uma materialização mais evidente, mas que diz respeito a inúmeras outras coisas – desde índios sendo mortos em nome de latifúndios até jovens apanhando numa área pública em nome de um totem de borracha.
Dá testemunho de um desencanto profundo, genuíno e potencialmente violento de boa parte da população com o discurso do Estado, completamente desconectado da realidade que as pessoas vivem diariamente, de seus anseios e necessidades.
Porque o Estado é cada vez mais um serviçal do poder financeiro, e cada vez esmaga mais as pessoas para atender interesses cada vez mais irreais e desumanos. E cada vez menos gente consegue suportar.
É uma crise de modelo e de representação, e ela não vai tomar conta do Brasil: ela já tomou.
Do mundo todo, na verdade. E nada adiantará gritar contra os vândalos, ridicularizar suas demandas ou diminuir sua relevância. Porque a onda ganhou corpo, e o discurso foi além das próprias limitações: agora, a indignação alimenta a si mesma.
E é por isso que o Estado é cada vez mais brutal e que a reação é cada vez mais barulhenta, volumosa e não raro violenta: porque não há, nessa conjuntura, quem possa recuar. A coisa vai crescer até onde puder, e então explodirá. E a nós não cabe senão assistir ou tomar, de alguma forma, parte nisso.
Não é mais tempo de explicar nada.
É o melhor dos tempos, é o pior dos tempos, e são todos de uma vez só.
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