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Cronópios
Por Frederico Füllgraf
Por Frederico Füllgraf
A convite de Manuel
Araya - dublê de chofer e segurança de Pablo Neruda, de 1972 até o
dia da morte do poeta, ocorrida em 23 de setembro de 1973 -
participei como documentarista e repórter credenciado da exumação
dos despojos do Prêmio Nobel chileno, em Isla Negra, Chile, no
início de abril passado. Com o título “Crônica de um assassinato
presumido”, minha tentativa de iluminar os bastidores históricos e
políticos dessa exumação é narrada nas páginas 108-113 da edição
de nº 70 (maio 2013) da revista Brasileiros, que acaba de chegar às
bancas.
Faltava apenas um dia
para a remessa da matéria para São Paulo, quando, guiado no Chile
por teimoso instinto farejador (dizem que é “mão de anjo”),
deparei-me no Google com uma foto incomum de Neruda, batida no
interior do apartamento da mal afamada Clínica Santa María, de
Santiago do Chile. Prova de raro respeito por direitos autorais na
internet, uma página da mais recôndita província de Maule,
atribuía o crédito da foto a “Evandro Teixeira”; um nome de
óbvia sonância e escrita portuguesa.
Telefonema do Pacífico
para o sertão da Bahia
Confesso que Teixeira
não reverberou imediatamente em minha lembrança, e decidi
colocar-me em seu encalço, na internet e por outros meios. Nessa
busca – e há que saber buscar no Google, com palavras-chave fora
do padrão – cairam em minhas mãos cinco fotos diferentes do corpo
de Pablo Neruda, batidas na referida clínica, e todas de Evandro
Teixeira.
Alertei minha colega
Candida Tedesco, coordenadora editorial da Brasileiros, em
São Paulo, ao achado e, durante alguns dias, tentei encontrar
Evandro Teixeira no Brasil: primeiro através do e-mail, mas também
pelo celular; contatos amealhados ao ritmo de conta-gotas em vários
endereços brasileiros. No final do terceiro dia, ligando de
Concepción, às margens do Pacífico, eu o localizei em Canudos,
interior da Bahia, locação de uma de suas mais famosas fotos
antigas: “Sertão de Canudos”. A qualidade da ligação não
estava boa, mas Evandro já havia lido meu e-mail e prometeu retornar
três dias depois, de volta ao Rio de Janeiro.
Baiano de Irajuba, em 1957, Teixeira iniciara sua carreira como repórter fotográfico de O Diário da Noite e O Jornal (Diários Associados), no Rio de Janeiro. Em 1963, mudara-se para o Jornal do Brasil, para o qual, viajando aos quatro cantos do mundo, ao longo de 47 anos tornara-se um dos mais respeitados fotojornalistas internacionais. Tinha recebido vários prêmios e publicado seu livro Fotojornalismo (1983), que integra o acervo da Biblioteca do Centro de Artes Georges Pompidou, em Paris.
Baiano de Irajuba, em 1957, Teixeira iniciara sua carreira como repórter fotográfico de O Diário da Noite e O Jornal (Diários Associados), no Rio de Janeiro. Em 1963, mudara-se para o Jornal do Brasil, para o qual, viajando aos quatro cantos do mundo, ao longo de 47 anos tornara-se um dos mais respeitados fotojornalistas internacionais. Tinha recebido vários prêmios e publicado seu livro Fotojornalismo (1983), que integra o acervo da Biblioteca do Centro de Artes Georges Pompidou, em Paris.
A partir do golpe
militar de 1964, Teixeira documentara a repressão da ditadura no
Brasil, consagrando-se como autor de fotos históricas, como a
Passeata dos Cem Mil (1968) e a resistência de trabalhadores,
estudantes e artistas contra os militares. Personagem de variadas
exposições individuais nas principais capitais do mundo e em várias
cidades do Brasil, Teixeira, na altura de seus 70 anos de idade,
ainda é um dos grandes nomes da fotografia brasileira e mundial.
A cobertura de Evandro
Teixeira do golpe de Pinochet no ChileEm meu e-mail, eu lhe
pedia uma entrevista gravada em vídeo para um documentário sobre e
com Manuel Araya, inciado durante a exumação de Neruda em Isla
Negra, e também algumas palavras para a reportagem recém-concluída
para a Brasileiros, na qual eu obviamente pretendia incluir
a estória de Teixeira e suas misteriosas fotos. O pessoal da revista
reagiu extasiado à ideia, embora o retorno anunciado pelo fotógrafo
ameaçasse estourar o prazo para o fechamento editorial da
revista.
Fruto da minha pesquisa
na internet sobre Teixeira, foi uma entrevista do fotógrafo
concedida em 2012 a Paulo César Boni, da UEL-Universidade de
Londrina, intitulada “A fotografia a serviço da luta contra a
ditadura militar no Brasil”. Nela, pela primeira vez, narrava como
conseguira aproximar-se de Pablo Neruda em setembro de 1973, como
enviado especial do JB para cobrir o golpe de Pinochet no Chile.
Certa noite, conta o
fotógrafo, poucos dias após o golpe de 11 de setembro de 1973, fora
jantar no terraço do Hotel Carrera, onde estava hospedado - o mesmo
hotel, de onde o cinegrafista alemão, Peter Hellmich, filmara oculta
e magistralmente o bombardeio do Palácio da Moneda.
No restaurante fora-lhe
apresentada uma senhora, por coincidência, esposa de um adido
militar do Chile no Brasil. A senhora passava suas horas no hotel,
enquanto o marido participava do golpe. “Mas ela era paulista,
gente nossa”, comenta Teixeira, irônico. Ele precisava de fotos de
gente importante e mencionou Pablo Neruda. Então, como se fosse
enviada pela providência divina, a brasileira lhe confidenciou um
segredo: ninguém conseguiria falar com Neruda, porque estava
confinado em Isla Negra, mas como estava mal de saúde, seria trazido
para o Hospital “São José”, em Santiago.
O nome estava errado,
não se sabe se por engano da informante, ou por esquecimento de
Teixeira. Fato é que a “gente [ou agente?] nossa” era bem
relacionada, e deu seu cartão de visitas ao fotógrafio. como senha
para o contato com o diretor da Clínica Santa Maria.
Teixeira fora à
clínica, cujo diretor o recebera, confirmando que Neruda dera
entrada, acompanhado de sua esposa, Matilde Urrutía. Com um truque,
Teixeira apresentara-se como “amigo” de Neruda, pois o tinha
fotografado no Brasil, ao lado de Jorge Amado e coisa e tal. “O
médico respondeu que não confiava muito em nós, jornalistas, não”,
lembra-se Teixeira, que exagerara na dose, já afirmando ser também
amigo de Matilde, ao que o médico cedera e, abrindo uma portinhola,
permitira que Teixeira visse a esposa de Neruda, que saudou,
desejando melhoras ao poeta.
“Já ia por a mão na
câmera, mas o médico não permitiu”, conta, mas não conta se
também conseguira ver Neruda. Em seguida fora mandado embora pelo
diretor, que lhe prometera enviar ao hotel o boletim médico do
poeta, que seria emitido às 22h00. Teixeira não menciona a data,
mas só podia ser o fatídico domingo, 23 de setembro de 1973.
Contudo, o relógio marcara 22h e o médico não havia enviado o
boletim. Quando Teixeira lhe ligara, cobrando o boletim, o médico o
surpreendera com a notícia súbita morte de Neruda.
Mal bateram 6h da manhã
do dia seguinte, suspenso o toque de recolher, Teixeira retornara à
clínica, escondendo sua máquina Leica debaixo da camisa. Sua visita
não fora anunciada e, corajosamente, o brasileiro infiltrara-se na
clínica através de uma porta dos fundos. Quando alcançara o
corredor do dia anterior, viu “Pablo Neruda jogado numa sala
qualquer, e a Matilde ao seu lado” – e começou a fotografar. Em
seguida, dirigira-se a Matilde, jogando verde, de que era o fotógrafo
de Jorge Amado, e a esposa do poeta colhera maduro, deixando-o
fotografar.
Com o truque inusitado,
Teixeira passara o dia 24, todo, fotografando, inclusive durante a
preparação do corpo de Neruda. “Começaram a arrumar o corpo,
passar formol, aquelas coisas, todas - e eu fotografando. Terminaram
o preparo e colocaram o corpo num caixão - e eu fotografando. Dali
ele foi levado para sua casa, que ficava no alto de uma colina, e eu
fotografando tudo”. Depois, ainda com a permissão de Matilde
Urrutía, acompanhou a condução do corpo até a “Chascona”,
toda destruída, onde ocorreu o velório. No dia seguinte, Teixeira
acompanhou Neruda até seu primeiro túmulo no Cemitério Geral de
Santiago, acompanhado de milhares de pessoas, como primeira
manifestação de resistência pacífica à ditadura.
Fotografias desmentem
atestato de óbito de Neruda
Durante alguns dias, a
revista Brasileiros e eu, à distância, tentamos negociar
com Teixeira a cessão, obviamente paga, das fotos, mas com resolução
mais adequada para a impressão. O fotógrafo, ao que tudo indica,
não cedeu ao pedido da revista e, com excessão da foto do velório
de Neruda, Brasileiros teve que abrir mão dos importantes
documentos históricos.
Por que as poucas fotos
conhecidas de Evandro Teixeira são importantes?
Evandro afirmou que
passou o dia 24/09/1973 fotografando sem parar, na clínica citada.
Devem ser muitas fotos e jamais foram divulgadas. As que seguem em
anexo, junto com a entrevista que fiz por escrito com Teixeira, são
apenas alguns instantâneos da morte de Neruda.
O que chama atenção
nestas fotos é o seguinte: o atestado de óbito emitido pela Clínica
Santa María em 24/09/1973, afirma que a causa mortis de Neruda teria
sido uma "caquexia" (= estado degenerativo geral,
definhamento) que o teria reduzido a "40 Kg de peso". Não
é o que afirma o motorista Manuel Araya, que o deixara poucas horas
antes da sua morte, afirmando teimosamente que Neruda pesava "mais
de 100 kg", e embora Evandro Teixeira o tenha fotografado de
perfil e enfaixado, as fotos não reproduzem um Neruda definhado.
Este detalhe poderia interessar o juiz Mario Carroza, em Santiago do
Chile.
*
Breve entrevista minha
com Teixeira, 28/04/2013
(sem correção de seus erros de digitação):
(sem correção de seus erros de digitação):
"FREDERICO, SEGUEM
AS RESPOSTAS:
1) Apesar da
resistência do médico, não conseguiu bater nenhuma foto de Neruda
ainda vivo?
ESTE ACONTECIMENTO É
UM DOS MAIS IMPORTANTES QUE FAZEM PARTE DE TODAS AS COBERTURAS QUE
PRESENCIEI. ESTAVA NO CHILE, EM 1973, LOGO APÓS O GOLPE MILITAR.
OS JORNAIS BRASILEIROS
ESTAVAM PROIBIDOS, PELA CENSURA, DE DAREM MANCHETE SOBRE À QUEDA DE
ALLENDE. ENTRETANTO, ESTANDO EM SANTIAGO, SÓ PENSAVA EM ENCONTRAR O
NERUDA. POIS, EU HAVIA ACOMPANHADO SEU ENCONTRO COM JORGE AMADO , NA
BAHIA. E O NERUDA, DIANTE DAQUELE CENÁRIO, REPRESENTAVA TODO O
IMPACTO DO PINOCHET. MAS INVESTIGANDO E TENTANDO LOCALIZÁ-LO, SOUBE
DE SUA DOENÇA. FOI ENTÃO, QUE FUI ATRAVÉS DO HOSPITAL, QUE HAVIA
ME SIDO INDICADO, E ME APRESENTEI AO DIRETOR USANDO O NOME DE UMA
CONHECIDA DE UMA SENHORA , CASADA COM UM MILITAR CHILENO. A TENTATIVA
FOI NEGADA, MAS CONSEGUI RECEBER OS BOLETINS MÉDICOS. E,
INFELIZMENTE, RECEBI A NOTICIA DE QUE ESTAVA MORTO. EM UMA NOVA
TENTATIVA, ENTREI POR UMA PORTA , QUE ESTAVBA SEM VIGILÂNCIA , E ,
POR SORTE, VI O CORPO DO NERUDA COM SUA ESPOSA, MATILDA. FOI UM
CHOQUE, MAS SABIA DA IMPORTANCIA DAQUELE MOMENTO .
2) Lembra-se das
pessoas que estavam com Neruda e de algum comentário na clínica
sobre a causa mortis? Alguma dúvida?
ERA UM GRANDE RISCO E
SABIA QUE A QUALQUER MOMENTO, PODERIAM ME PEGAR E TUDO ESTAVA
PERDIDO. COM ISSO, EU NAO PODIA CHAMAR MUITA ATENÇÃO. ME APRESENTEI
COMO FOTOGRAFO QUE HAVIA ACOMPANHANDO O ENCONTRO DELE COM O JORGE
AMADO. NESTE MOMENTO, GANHEI A PERMISSÃO DA SRA. MATIILDA DE
ACOMPANHAR O CORTEJO ATÉ O FUNERAL.
3) Você chegou poucas
horas depois do desaparecimento do chofer Manuel Araya, enviado pelo
médico atendente ou Matilde Urrutia a uma farmácia: ela chegou a
comentar isso com você?
NÃO.
4) A clínica informou
que Neruda pesava pouco mais de 40 Kg, de tão definhado (a tal
caquexia), mas em suas fotos, apesar de perfil, vê-se Neruda
rechonchudo como era: em que estado você o encontrou?
ACOMPANHEI O MOMENTO EM
QUE SEU CORPO FOI ARRUMADO. MAS COMO DISSE, ERA UMA TENSÃO MUITO
GRANDE. ALÉM DA EMOIÇÃO QUE TOMAVA CONTA DE MIM.
5) Sabendo que suas
fotos são as únicas no mundo daqueles momentos, nunca lhe ocorreu
entrar em contato com o juiz Mario Carroza, e oferecer-lhe as fotos
como material de investigação?
MINHAS FOTOS,
INFDEPENDENTE DO TEMA, ESTARÃO SEMPRE À DISPOSIÇÃO COMO UM
MATERIAL IMPORTANTE DE UM REGISTRO DE UM MOMENTO. ESTE ACERVO CHEGOU
A FAZER PARTE DE UM LIVRO E FOI CONHECIDO PELO MUNDO. ESSE É O MEU
PAPEL.
6) O que sentiu e
pensou estes anos, todos, sobre a morte de Neruda?
PENSEI O QUE PENSO ATE
HOJE. FOI UM DOS MOMENTOS MAIS MARCANBRTES DA MINHA PROFISSÃO E DA
MINHA VIDA. EU CHORAVA E FOTOGRAFAVA AO MESMO TEMPO.."
* * *
Frederico
Füllgraf, estudou na FUB-Universidade Livre de Berlim e na
DFFB-Academia Alemã de Cinema e Televisão, também em Berlim, até
seu mestrado (MA) em Comunicação Social. É escritor (A bomba
´pacífica´- o Brasil e outros cenários da corrida nuclear,
Brasiliense, 1988), roteirista e diretor de cinema. É colunista da
revista eletrônica Speculum, de arte e cultura, e das revistas
impressas Caros Amigos, Idéias e ETC (Travessa dos Editores).
Frederico reside em Curitiba). E-mail: f.fuellgraf@gmail.com
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