terça-feira, 30 de julho de 2013

É o povo que, pressionando, pode mudar a saúde pública no Brasil

buscado no Com Texto Livre 

 


Doutora Ana Costa: “As políticas sociais universalistas são
 incompatíveis com a escolha de um Estado enxuto, que é
a marca do neoliberalismo”



O país, os governos e a classe política foram desnudados pelo povo nas ruas, que denunciou as precárias políticas públicas do Brasil, incluindo as de saúde. Impossível escamotear e, com o problema explicitado, o momento pode ser de mudanças de caminhos e rumos.
Começar por reconhecer que, de fato, as coisas estão muito mal com a saúde, o que não significa que o problema seja com o SUS, um sistema único criado pela Constituição de 88 com arquitetura e princípios adequados para ser universal e de qualidade.
É preciso identificar que, nestes 25 anos, o SUS sobrevive pela paixão e dedicação dos seus defensores e ativistas, particularmente os trabalhadores e gestores que dão conta de transformar suas deficiências orçamentárias em mecanismos de sustentação para uma sobrevivência espetacular.
Aos trancos e barrancos a atenção básica vem expandindo sua cobertura; a emergência antes inexistente é hoje realidade para grande parcela da população. E é no SUS, com toda sua carência, que são tratadas as doenças de alto custo terapêutico.
Mas ainda estamos muito distantes daquele projeto político talhado na 8ª Conferência Nacional de Saúde e que saiu dali para a Assembleia Constituinte. E, mediante a pressão popular, transformou a saúde em direitos universais sob a responsabilidade pública.
É preciso reafirmar que o pacote de medidas do governo, mesmo tangenciando velhas pendências como a formação de profissionais de saúde ou mesmo a interiorização de médicos, não tem potencial de impactar substancialmente sobre o atual caos em que a saúde se encontra.
Para mudanças radicais e definitivas, é preciso identificar, analisar e expor as razões pelas quais o projeto do SUS desandou. E mesmo com muitos problemas, não foi por má gestão, como muitos querem vaticinar.
Para que o estado brasileiro assumisse suas obrigações definidas pela Constituição, o Brasil não poderia ter caído no conto da sereia do neoliberalismo incorporado nos anos noventa e do qual até hoje não se desvencilhou.
As políticas sociais universalistas são  incompatíveis com a escolha de um Estado enxuto, com poucas e restritas atribuições que é a marca do neoliberalismo. O SUS teria mais chance de ser viabilizado na sua plenitude se o Brasil tivesse pendido por se transformar em um Estado de bem-estar social.
Nessa opção, os sucessivos governos vêem assumindo cada vez mais a eleição pelo mercado, alegando que o custo da saúde é alto e que o sistema é mal gerenciado. Com isso, vem crescendo o setor privado da saúde no país, mesmo em desobediência aos preceitos Constitucionais.
Renúncia fiscal e benefícios tributários são apenas algumas das facilidades aliadas a uma regulação enviesada praticada pela ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], que, de forma tendenciosa, favorece o mercado.
A agência reguladora das prestadoras de serviços de saúde sob a forma de planos privados tem sido sistematicamente dirigida por quadros do setor regulado.
Ao tempo em que hoje 30% da população aderiu aos planos privados, os recursos públicos destinados para o SUS mínguam a míseros 300 dólares per capita/ano, constrangendo o sistema a uma péssima avaliação e satisfação popular.
A fórmula perfeita foi encontrada para o sucesso de um projeto anti-SUS, antidireito à saúde, antidireitos sociais, e, de sobra, as empresas da saúde comparecem nos processos eleitorais com polpudas contribuições que, ao fim e ao cabo, não resultam gratuitas. Um ciclo pernicioso que somente poderá ser revertido com a força e o poder popular.
Nesta mudança, primeiro é necessário convencer a sociedade e o Estado brasileiro de que a saúde é investimento, e não gasto, como os setores da economia tradicionalmente a tratam. Hoje, o PIB setorial conta com a participação de menos de 40% dos recursos públicos e a grande parcela vem do bolso das famílias. Como assim?
O sentido ético e político dessa inversão para investimentos confere outra lógica aos governos quanto ao tratamento e às decisões destinadas ao setor público da saúde e ao SUS, que precisa de outro tratamento para ser consolidado e se transformar naquilo que a população aspira.
Ana Costa, médica e presidente do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes)
No Blog da Saúde



Ana Costa, Ligia Bahia e Mario Scheffer: Onde foi parar o sonho do SUS?

 

 

buscado no VIOMUNDO

 


publicado no VIOMUNDO em 9 de abril de 2013 às 16:55

 

Depois de tantas promessas frustradas de redenção da rede assistencial pública, a tendência de governantes – que buscam responder às demandas por saúde dentro do limite de seus mandatos – tem sido delegar cada vez mais atribuições estatais à iniciativa privada. Essa inclinação privatizante não reverteu e nem sequer amenizou o quadro de dificuldades da população em acessar e utilizar os serviços de saúde.

por Ana Maria Costa, Ligia Bahia e Mario Scheffer, no Le Monde Diplomatique Brasil, via Plataforma Política Social

No documentário Sicko, de Michael Moore, ao ser abordado sobre o fim hipotético do sistema universal de saúde inglês, o NHS, um dos entrevistados foi incisivo: “haveria uma revolução”. Orgulho nacional britânico, homenageado na cerimônia de abertura da Olimpíada de Londres, o NHS sempre inspirou o Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas, afinal, onde foi parar o sonho do SUS de uma cobertura pública universal que não deixaria, por definição, nenhuma pessoa sem atenção à saude?  Ao mesmo tempo em que os cidadãos deveriam financiar o sistema por meio de impostos, de acordo com a capacidade contributiva, poderiam acessá-lo conforme  a necessidade de saúde, não em função da possibilidade de pagar ou da inserção no mercado formal de trabalho. No sonho de tantos, inscrito na Constituição Brasileira, o SUS seria a expressão de solidariedade que une todos os brasileiros, ricos e pobres, sadios e doentes, moradores dos centros e dos grotões, em resposta coletiva ao essencial do ser humano, a saúde.
No Brasil, aonde as políticas sociais universais não chegaram a se consolidar, o SUS sucumbe às pressões dos que apostam na privatização, vindas tanto de setores situados à direita quanto à esquerda do espectro político-partidário.
A privatização da saúde sempre foi escamoteada no país, o que contribuiu para a demora de uma definição clara sobre o lugar que a coletividade deve confiar ao setor privado.
Durante a redemocratização, no processo constituinte, a plataforma conservadora dos grupos empresariais privados foi confrontada com a agenda reformista do movimento sanitário. Prevaleceu a concepção da relevância pública da saúde, mas o rótulo do “privado complementar” passou a abrigar segmentos empresariais de distintas naturezas e competências.
Um quarto de século depois permanece a confusão em torno da falsa unanimidade em defesa do SUS, reconstruída na ressaca após derrota da regulamentação da Emenda Constitucional 29 e na atual campanha pelos 10% de recursos da União para a saúde. A bandeira por mais recursos públicos tremula também sob a ótica contábil de grupos privados e interesses corporativos, que historicamente  nunca se colocaram ao lado da proteção social ampliada.
Depois de tantas promessas frustradas de redenção da rede assistencial pública, a tendência de governantes – que buscam responder às demandas por saúde dentro do limite de seus mandatos – tem sido delegar cada vez mais atribuições estatais à iniciativa privada. Essa inclinação privatizante não reverteu e nem sequer amenizou o quadro de dificuldades da população em acessar e utilizar os serviços de saúde.
Veja-se o exemplo da cidade de São Paulo: mesmo entregue em grande parte à iniciativa privada, a rede municipal de saúde exibia, ao final de 2012, fila de mais de 660 mil pedidos de consultas, exames e cirurgias. Acrescente-se o fato de que 60% dos paulistanos sofrem nas mãos de planos de saúde excludentes e de uma rede privada em colapso, saturada e incapaz de prestar bom atendimento.
Chegamos numa forqueadura. Nem se consegue vislumbrar o SUS como um sistema único de qualidade, nem há perspectiva de seguirmos para um modelo de saúde predominantemente privado, feito o americano, chileno ou colombiano.
O impasse consiste na inversão entre necessidades de saúde e uso do fundo público. O Brasil tem um sistema público universal, mas são privados, em sua maior parte, os recursos alocados na saúde. Há uma desconexão entre os valores igualitários formais e as práticas sociais concretas de apropriação dos recursos assistenciais, um cenário totalmente incompatível com a efetivação de políticas de saúde universais. Enquanto nos países europeus e até mesmo nos Estados Unidos, a parcela pública dos gastos com saúde só aumenta, no Brasil assiste-se o crescimento das despesas privadas na medida da intensificação de incentivos à privatização.
Em 2013, aos 25 anos da Constituição de 1988, há muito a ser comemorado. Os preceitos legais do SUS não soçobraram durante o tsunami neoliberal, devido a permanente resistência dos movimentos sociais contrários às mudanças do texto constitucional. Porém, fez água a expectativa de ultrapassagem do neoliberalismo por reformas estruturantes na saúde, a começar pela negação dos tão ansiados novos recursos federais que viriam com a regulamentação da EC 29.
Até hoje, permanecem enigmáticos os argumentos que teriam convencido a base do governo no Congresso Nacional a não ampliar o financiamento do SUS. É certo que, naquela época, as denúncias de corrupção e a malfadada tentativa de atrelar a prorrogação da CPMF à saúde criaram um clima desfavorável ao aumento de gastos públicos. No entanto, nada disso justificaria o covarde posicionamento de partidos progressistas.
O desfecho desfavorável à legislação, após arrastada tramitação, por 12 anos, deixou entidades do movimento social de orelha em pé. Por isso, nem foi grande surpresa a divulgação pela imprensa de uma reunião entre a Presidente Dilma Rousseff, ministros e empresas de planos de saúde, em março de 2013, para tratar da concessão de mais subsídios e desonerações fiscais destinados à expansão do mercado de assistência médica suplementar.
A novidade foi a rápida e uníssona reação em defesa do SUS de dezenas de entidades como CEBES, Abrasco, CUT, CONTAG, conselhos profissionais e Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.  Possivelmente, o posicionamento contrário até mesmo de setores sociais que supostamente representam futuros candidatos à obtenção de planos privados de saúde para trabalhadores e segmentos sociais que ascenderam na pirâmide de renda, espantou o fundamentalismo.
Planos privados florescem no momento em que as despesas públicas com a saúde são minguadas, no lastro da evolução do consumo e renda de estratos mais pobres da população, mas não resistirão a tensões macro-econômicas enão irão se alinhar a um sistema de saúde comprometido com a promoção da saúde, com a atenção primária, com os atuais desafios demográficos e epidemiológicos (nossos novos velhos e doentes), com a incorporação e o uso racional de tecnologias.
A cobertura privada suplementar jamais será uniforme e continuada, pois há diferenças abissais entre os produtos vendidos,  a pessoa sai do emprego que garantia o plano,  há exclusão pecuniária (idosos e doentes são expulsos porque gastam muito com saúde), há rescisão de contratos que não interessam mais às operadoras e a agência reguladora, capturada pelo mercado que deveria controlar, faz vistas grossas ao crescimento dos planos de baixo preço ( com rede restrita de prestadores)  e planos ‘falsos coletivos’ (contratados por pessoa jurídica, a partir de duas vidas, que escapam da regulamentação e ofertam serviços ruins).
Jogar fermento com dinheiro público no desordenado mercado de planos de saúde pode render votos e cai bem com o discurso de que o SUS para todos é inviável  e com a avaliação negativa  de parte da sociedade,  divorciada do sistema público. A lógica é antiga: em nome da limitada capacidade do Estado, propõe-se a transferir obrigações para o cidadão e o empregador que podem pagar pelo plano privado, empobrecendo a oferta e desidratando ainda mais o financiamento público do SUS.
As experiências negativas acumuladas com o atendimento dos planos de saúde desfazem ilusões de que o mercado, só o mercado, é capaz de resolver necessidades sociais. A proximidade e a desenvoltura de empresas com a cúpula do governo podem significar interferências permanentes na agenda pública da saúde.
Os passaportes dos empresários aos centros decisórios foram adquiridos em ambientes frequentados por médicos particulares dos mandatários da República e em fóruns corporativos do setor privado, mediante apoios políticos objetivos, inclusive com generosos financiamentos para campanhas eleitorais. Tais prerrogativas indicam que não se afugentou, definitivamente, a intenção de privatizar de vez o sistema de saúde brasileiro.
O que estará em jogo daqui em diante será o choque entre um projeto societário baseado na efetivação de direitos de cidadania e uma proposta de extensão da cobertura de planos de saúde. A “solução” privatizante empinou, revestida de forte teor pragmático e apelo eleitoral, adequada, portanto, à duração e continuidade dos mandatos governamentais. Sua concretude e aparente facilidade de implantação contrapõem-se a um SUS tido como inerte, cada vez menos vigoroso.
Trata-se de uma falsa representação, segundo a qual o mercado é portador do progresso e das inovações tecnológicas e o sistema público não passa de um apanágio do atraso. Ao longo do tempo essa inclinação ideológica produziu uma ideia síntese: o sistema universal de saúde é impossível e seus defensores, uns românticos desatualizados. Com os requerimentos do moderno individualismo, se não incomodarem, esses sonhadores devem ser tratados com condescendência, por serviços prestados no passado.
O grande desafio será questionar esse constructo, baseado nas certezas das preferências pela privatização, em um contexto de subfinanciamento do SUS.   O sonho de o Brasil garantir a igualdade de acesso em saúde para todos que precisam, em qualquer lugar, a qualquer hora, só irá adiante se os fundos públicos ganharem aportes significativos, passando a financiar apenas serviços, equipamentos e redes, públicos e privados, porém absolutamete includentes e deliberadamente universais.
Resgatar o SUS como um bem comum a ser protegido requer mobilização e novos arranjos políticos capazes de confrontar a marcha triunfal do privado. A hora é de escolhas essenciais para o futuro da saúde no Brasil. Não desistiremos de seguir lutando por um sistema de saúde moderno e justo, controlado pelos usuários, trabalhadores e agentes públicos, que traga desenvolvimento ao país e que tome um lugar de destaque na vida nacional.

Artigo elaborado para o Le Monde Diplomatique Brasil (abril 2013), parceiro da rede Plataforma Política Social. 

Ana Maria Costa é presidente do Centro Brasileiro de Estudos da saúde – CEBES. 

Ligia Bahia é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Mario Scheffer é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Entrega de minérios.









Carlos Bittencourt: Governo entrega minérios no ritmo do mercado


A gente se vê na China



  Código da Mineração: a urgência é do mercado. 

Entrevista especial com Carlos Bittencourt
 
“A única urgência na cabeça dos formuladores da proposta é captar urgentemente um pouco mais de royalties para o estado e garantir que as empresas sigam tendo enormes lucros no setor”, adverte o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.

 
A votação em regime de urgência do novo Código da Mineração demonstra a “a velha (i)razão patrimonialista e autoritária do estado brasileiro”, declara Carlos Bittencourt à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.
Se as propostas de alteração do Código da Mineração estão sendo debatidas “em sigilo” há quatro anos, “por que o Poder Legislativo e a sociedade civil terão apenas 90 dias (45 dias em cada Casa Legislativa) para debater e chegar a conclusões?”, questiona. Para ele, o regime de urgência demonstra a postura do Estado brasileiro “contra o debate e a participação da cidadania”.
De acordo com Bittencourt, os movimentos sociais e representantes da sociedade civil não tiveram acesso à proposta do novo Código da Mineração. “O governo recebeu alguns movimentos já às vésperas da apresentação da proposta, mas não publicizou o texto e nem se comprometeu com as reivindicações que vinham da sociedade civil”, informa. Por outro lado, lamenta, “as empresas conseguiram negociar detalhes da proposta antes do seu envio ao Congresso, como, por exemplo, a questão da taxação especial e a alíquota dos roylaties. Isso mostra que os interessados não foram tratados de forma equitativa, dando-se prioridade ao setor empresarial”.
Na avaliação do pesquisador, o novo Código da Mineração é “desumano”, pois não considera as condições de trabalho dos trabalhadores, nem a situação dos afetados pela mineração. “Mais uma vez fica claro que é a regulação de um negócio e não de uma atividade com todas as suas implicações”, assinala. E dispara: “O Código trata a mineração apenas como um negócio. Nem sequer considera que está regulando um bem comum natural, finito e não renovável. Nesse sentido, penso que o Código da Mineração pode ter uma dimensão mais perversa do que o Código Florestal, pois se trata de ações irreversíveis”.
Carlos Bittencourt é historiador e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.
 
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por quais razões o projeto de lei que propõe a substituição do Código da Mineração será votado em regime de urgência no legislativo?
Carlos Bittencourt - Do ponto de vista da sociedade civil e da razão democrática, não há qualquer razão. A única (i)razão aparente para a apresentação da proposta em regime de urgência é a velha (i)razão patrimonialista e autoritária do estado brasileiro. O motivo, mais do que a razão, é o impedimento do debate público, do envolvimento da cidadania brasileira nesta decisão tão importante e que envolve a todos.
O Código atual é de 1967, o governo vem debatendo a nova proposta há quatro anos. Mas por que agora o Poder Legislativo e a sociedade civil terão apenas 90 dias (45 dias em cada Casa Legislativa) para debater e chegar a conclusões? Durante os quatro anos de sua elaboração, a proposta foi mantida em sigilo. Olhando dessa perspectiva, só é possível ver o regime de urgência como um ato contra o debate e a participação da cidadania.
E a resposta à pergunta sobre o por quê se quer evitar o debate me parece mais simples: para não se encarar o quanto a estratégia pública e privada da exploração mineral brasileira está baseada na dilapidação dos territórios, das reservas nacionais de minérios e na reprimarização da nossa economia. Se há urgência é a urgência do mercado. A democracia exige ritmos de debates completamente distintos dos ritmos do mercado.


  IHU On-Line – Qual a urgência em alterar o Código?
Carlos Bittencourt - Como disse, a alteração da lei precisa respeitar os tempos e os ritmos da democracia. Há muitas urgências envolvendo o debate da mineração no Brasil e para saná-las é necessário um amplo debate público envolvendo o conjunto da cidadania brasileira e, especialmente, aqueles e aquelas que são afetados cotidianamente pela mineração. É urgente encararmos de frente os problemas causados pela mineração.
Por exemplo, alguém sabe que a mineração consumiu em 2012, segundo dados incompletos da Agência Nacional de Águas, cerca de cinco quatrilhões de litros de água através de seus pedidos de outorgas? E que mais uma quantidade não mensurada foi consumida nos processos de drenagem das minas, que quanto mais se aprofundam mais atingem as águas subterrâneas e locais de armazenamento geohidrológico. E que, por fim, um sem número de rios, mananciais e águas subterrâneas foram contaminadas em níveis extraordinariamente superiores aos permitidos pela Organização Mundial de Saúde, com substâncias como o mercúrio, o cianureto e as drenagens ácidas?
O número de famílias que estão sendo direta e indiretamente afetados pela mineração é a cada ano maior. São pessoas que têm de deixar os locais onde viviam há décadas, às vezes séculos; que sofrem com a logística da mineração; cidades que sofrem gigantescos fluxos migratórios para a instalação das minas que quando iniciam sua operação não empregam sequer a terça parte dessa mão de obra inicial, causando uma crise nos serviços públicos locais e instituindo o problema da prostituição, inclusive infantil.
Também é urgente sair desse modelo que, impulsionando irrefletidamente a extração mineral, torna nossa economia cada vez mais primária exportadora, dependente dos voláteis preços das commodities minerais, o que pode, de uma hora para a outra, fazer enormes danos econômicos às contas públicas, como agora está se verificando com o crescente déficit da balança comercial brasileira.
Nenhuma dessas preocupações foi levada a sério na proposta do novo Código da Mineração, o que me faz crer que a única urgência na cabeça dos formuladores da proposta é captar urgentemente um pouco mais de royalties para o estado e garantir que as empresas sigam tendo enormes lucros no setor. A urgência é a urgência do mercado.


IHU On-Line – Como estão ocorrendo as negociações para alterar o Código da Mineração e que setores da sociedade participam?
Carlos Bittencourt - Esse foi um processo super fechado. O professor da UFJF, Rodrigo dos  Santos, analisou os dados que o governo divulgou sobre a participação no processo de elaboração da proposta. De acordo com ele, participaram das discussões 189 representantes diferentes, sendo, em sua grande maioria, representantes ministeriais: Ministério de Minas e Energia – MME, Ministério do Meio Ambiente – MMA, Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC. Em menor número estiveram presentes representantes da Vale S.A. e do Ibram. Já os sindicatos, movimentos sociais e ONGs foram praticamente ausentes a essas discussões.
Apesar dos movimentos sociais lançarem a campanha “Queremos debater o novo Código da Mineração”, até a sua apresentação ao Congresso não se teve sequer acesso à proposta. O governo recebeu alguns movimentos já às vésperas da apresentação da proposta, mas não publicizou o texto e nem se comprometeu com as reivindicações que vinham da sociedade civil.
É sabido que as empresas tiveram acesso à proposta, conforme foi divulgado na imprensa e em seminários do setor empresarial. As empresas conseguiram negociar detalhes da proposta antes do seu envio ao Congresso, como, por exemplo, a questão da taxação especial e a alíquota dos roylaties. Isso mostra que os interessados não foram tratados de forma equitativa, dando-se prioridade ao setor empresarial.


 IHU On-Line – É preciso alterar o Código da Mineração, considerando que foi elaborado há 40 anos?
Carlos Bittencourt - Sim, é preciso. O Código atual foi elaborado pela ditadura e traz consigo as marcas desse período autoritário, tanto do ponto de vista da sua forma política como na maneira de entender os territórios e territorialidades.
Por exemplo, na época da elaboração do Código atual, o Brasil não era signatário da Convenção 169 da OIT, que garante às comunidades indígenas e tradicionais o direito de serem consultados previamente de forma livre e informada sobre a instalação de grandes empreendimentos em seus territórios. Hoje o Brasil é signatário e deveria obrigatoriamente levar isso em conta.
Naquela época, todo o debate sobre direitos da natureza, mudanças climáticas, bens comuns se encontravam muito incipientes. Hoje já se sabe dos impactos potenciais de seguir desenvolvendo esse modelo de extrair mais, produzir mais, consumir mais e jogar mais coisas no lixo. Está claro que vivemos em um mundo finito, onde não é possível seguir crescendo infinitamente.
Por fim, uma mudança fundamental e necessário em um período democrático é construção de vias de acesso para a cidadania influir no planejamento do setor. É óbvio que o debate sobre se o minério de ferro brasileiro vai acabar em 80 ou 600 anos é do interesse de todos. Sob o marco da nova Constituição Brasileira, chamada por muitos de Constituição Cidadã, devemos construir um código da mineração mais democrático do que o apresentado peloMarechal Humberto de Alencar Castello Branco.
 

IHU On-Line – Quais são as propostas do atual projeto de lei que propõe alterar o Código da Mineração?
Carlos Bittencourt - Há basicamente modificações significativas em três dimensões na proposta atual frente à antiga. Uma mudança processual, uma fiscal e uma organizativa.
A primeira diz respeito ao processo de concessão dos direitos minerários e significa uma melhora com relação ao código atual. O mecanismo de prioridade, onde quem faz o requerimento minerário primeiro (mesmo pessoas físicas) fica com a licença para pesquisas e explorar os minérios, será substituído por um sistema de emissão de licenças similar ao modelo de concessões petrolíferas, onde o governo estabelece os blocos a concessionar e as empresas concorrem para conseguir a operação nessas áreas.
Outra mudança diz respeito à arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, que poderá ter alíquota máxima de 4% e incidirá sobre a receita bruta das empresas. Atualmente a CFEM incide sobre a receita líquida. Infelizmente, aqui houve um recuo importante do governo frente às empresas, pois abaixou a alíquota máxima de 6% para 4% e retirou da proposta a taxação especial para minas de alta lucratividade.
O governo propõe a extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral e a sua substituição por uma Agência Reguladora, que se responsabilizaria pela normatização e fiscalização do setor. Cria também o Conselho Nacional da Mineração, composto apenas por ministros indicados pelo Presidente da República e dá mais poderes para oServiço Geológico Nacional – CPRM na pesquisa e gestão das informações geológicas do Brasil.
Acredito que algumas dessas mudanças apontam em um sentido positivo, de um pouco mais de controle público sobre a operação privada do setor. Mas pensando a questão da mineração em seu conjunto e mesmo comparando com as normativas de outros países, vemos que essas medidas são bastante insuficientes.
 
IHU On-Line – Quais são suas principais críticas ao projeto de lei que propõe alterar o Código da Mineração?
Carlos Bittencourt - O Código trata a mineração apenas como um negócio. Nem sequer considera que está regulando um bem comum natural, finito e não renovável. Nesse sentido, penso que o Código da Mineração pode ter uma dimensão mais perversa do que o Código Florestal, pois se trata de ações irreversíveis. Em certa medida, em um governo menos dominado pelos ruralistas, se poderia alterar os limites de proteção das florestas para uma área maior do que a anterior às mudanças propostas no Código Florestal e, com o tempo, reflorestar essas áreas. Com a mineração não. Não há segunda safra na mineração. O que se avançar sobre as reservas de minérios do país exportando-as, será um avanço irrecuperável.
Outra crítica tão importante quanto à primeira é que não há qualquer menção a pessoas ou comunidades na proposta: é um código desumano, por assim dizer. As pessoas não aparecem nem como trabalhadores de um dos setores econômicos que mais mata, mutila e enlouquece seus operários, nem como os afetados pela mineração nos territórios que têm suas roças inviabilizadas pela contaminação das águas ou pela apropriação do solo. Mais uma vez fica claro que é a regulação de um negócio e não de uma atividade com todas as suas implicações.
Um terceiro problema, que complementa e intensifica os anteriores, é a total privatização dos bens naturais. Após a privatização do Sistema Mineral Brasileiro na década de 1990, os recursos minerais apenas formalmente são bens da União, enquanto não estão sendo explorados. Quando se inicia a exploração mineral, quem decide como, quanto e em que ritmo os minérios devem ser extraídos são as empresas privadas, levando em conta apenas as dinâmicas do mercado. Em muitos casos são empresas estrangeiras que determinam o planejamento sobre a produção mineral como, por exemplo, na extração de ouro, na qual 80% da extração é feita por empresas de fora do país. Não há um controle público sobre a extração e isso dificulta que os benefícios advindos daí retornem para a sociedade brasileira.
 

IHU On-Line – Quais são as reivindicações do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração?
Carlos Bittencourt - A reivindicação número 1 é a retirada do regime de urgência. Se o governo mantém a proposta tramitando nesse regime interpretaremos como uma falta de compromisso com o diálogo e o debate. A manutenção do regime de urgência inviabiliza a participação da cidadania e das comunidades afetadas na discussão.
Até aqui elaboramos sete pontos mínimos que acreditamos que devem ser inseridos no debate. São eles: Democracia e transparência na formulação e aplicação da política mineral brasileira; direito de consulta, consentimento e veto das comunidades locais afetadas pelas atividades mineradoras; definição de taxas e ritmos de extração, de acordo com planejamento democrático; delimitação e respeito a áreas livres de mineração; controle dos danos ambientais e estabelecimento de Planos de Fechamento de Minas com contingenciamento de recursos; respeito e proteção aos Direitos dos Trabalhadores; garantia de que a Mineração em Terras Indígenas respeite aConvenção 169 da OIT e esteja subordinada à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas.
Essas propostas vêm dos territórios afetados, dos movimentos sociais do campo e da cidade, de pensadores de nossas universidades e ONGs, que compõem o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Diz respeito a questões muito concretas envolvendo a mineração no país. Em torno delas temos debatido e apresentamos emendas ao projeto na Câmara Federal. É evidente que esses são temas que não podem ficar de fora e representam muitas entidades e movimentos sociais do Brasil.


domingo, 28 de julho de 2013

Lígia Bahia e Mário Scheffer: Os planos de saúde deitam e rolam. Entenda o motivo

 

 

buscado no VIOMUNDO





por Lígia Bahia e Mário Scheffer, na Folha de S. Paulo

No jargão dos planos de saúde, sinistro é a perda financeira a cada demanda de um cliente doente. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi tomada pelo sinistro no sentido popular do termo — ou seja, aquilo que é pernicioso.
Dois ex-executivos de planos de saúde — um serviu à maior operadora do país e outro, à empresa líder no Nordeste — acabam de ser nomeados diretores da ANS.
Desde sua criação, há 13 anos, a agência foi capturada pelo mercado que ela deveria fiscalizar. As medidas sugeridas para coibir o conflito de interesses na ANS — frise-se, um órgão público sustentado com recursos públicos — sempre foram contestadas sob o argumento de que tais pessoas “entendem do setor”.
Assim, a agência instalou em suas entranhas uma porta giratória, engrenagem que destina cargos a ex-funcionários de operadoras que depois retornam ao setor privado.
A atuação frouxa da ANS, baseada no lucro máximo e na responsabilidade mínima das operadoras, tem a ver com essa contaminação. Impunes e protegidos pela fiscalização leniente, os planos de saúde ao fim restringem atendimentos e entregam emergências lotadas e filas de espera para consultas, exames e cirurgias.
As empresas deixaram de vender planos individuais, pois têm o aval da ANS para comercializar planos coletivos a partir de duas pessoas, com imposição de reajustes abusivos e rescisão unilateral de contrato sempre que os usuários passam a ter problemas de saúde dispendiosos. Sob o olhar complacente da ANS, dão calote no SUS, pois não fazem o ressarcimento quando seus clientes são atendidos em hospitais públicos.
Os planos de saúde doam recursos para candidatos em tempo de eleição que, depois de eleitos, devolvem a mão amiga com favores e cargos. Há coincidências que merecem explicação.
Em 2010, as operadoras ajudaram na eleição de 38 deputados federais, três senadores, além de quatro governadores e da própria presidente da República. Da empresa que doou legalmente R$ 1 milhão para a campanha de Dilma Rousseff, saiu o nome que presidiu a ANS até 2012.
O plano de saúde que doou R$ 100 mil à campanha de um aliado — o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral — emplacou um diretor da agência que, aliás, acaba de ser reconduzido ao cargo.
Em 1997, o texto do que viria a ser a lei nº 9.656/98, que regula o setor, foi praticamente escrito por lobistas dos planos.
Em 2003, na CPI dos Planos de Saúde, as empresas impediram investigações.
Em 2011, um plano de saúde cedeu jatinho para o então presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), em viagem particular.
Quase mil empresas de planos de saúde que atendem 48 milhões de brasileiros faturaram R$ 93 bilhões em 2012.
Com tal poder econômico, barram propostas de ampliação de coberturas, fecham contratos com ministérios e estatais para venda de planos ao funcionalismo público, definem leis que lhes garantem isenções tributárias. E se beneficiam da “dupla porta” (o atendimento diferenciado de seus conveniados em hospitais do SUS) e da renúncia fiscal de pessoas físicas e jurídicas, que abatem do Imposto de Renda os gastos com planos privados.
Agora as operadoras bateram às portas do governo federal, pedindo mais subsídios públicos em troca da ampliação da oferta de planos populares de baixo preço — mas cobertura pífia.
No momento em que os brasileiros foram às ruas protestar contra a precariedade dos serviços essenciais, num rasgo de improviso os problemas da saúde foram reduzidos à falta de médicos. O que falta é dotar o SUS de mais recursos, aplicar a ficha limpa na ocupação de cargos e eliminar a promiscuidade entre interesses públicos e privados na saúde, chaga renitente no país.

MÁRIO SCHEFFER, 46, é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); LÍGIA BAHIA, 57, é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro

sexta-feira, 26 de julho de 2013

ANS autoriza reajuste maior que a inflação para planos de saúde


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Via Hora do Povo

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou os planos de saúde a reajustarem seus valores em 9,04% nos contratos individuais e coletivos. O reajuste foi o maior desde 2005 e está mais de dois pontos percentuais acima da inflação, que atingiu, no acumulado de 12 meses, o índice de 6,7%, segundo o IPCA. No ano passado, o reajuste concedido foi de 7,93%. A alta no valor das mensalidades vai atingir 8,4 milhões de beneficiários em todo o país.
Os cálculos do reajuste feitos pela ANS foram questionados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e advogados especialistas em planos de saúde.
Para chegar ao valor máximo que pode ser aplicado às mensalidades dos planos individuais, a agência leva em consideração a média dos porcentuais de reajuste aplicados pelas operadoras aos planos coletivos com mais de 30 beneficiários.
No entanto afirmam os especialistas, a ANS não regula os reajustes aplicados nos planos coletivos. “A metodologia que a ANS usa para fazer esse cálculo é o maior problema. Ela se baseia na média do reajuste dos planos coletivos, que sofreram aumentos entre 15% e 20%. É um contrassenso a ANS calcular uma média sobre algo que ela não delibera. É quase uma tragédia anunciada”, avalia o advogado Julius Conforti.
Segundo Ione Amorin, economista do Idec, em apenas duas ocasiões o reajuste aplicado pela ANS foi inferior ao IPCA acumulado no período. “Neste ano, enquanto o valor acumulado do IPCA de 2003 a 2013 é de 99,86%, o índice acumulado dos reajustes da ANS é de 139,24%”, diz Ione.
Ione e Conforti afirmam ainda que a situação é agravada porque o consumidor sofre com a qualidade cada vez pior dos serviços oferecidos, como prazos longos para marcação de consultas e acesso a exames, além de frequentes descredenciamentos de médicos e laboratórios. “O consumidor paga mais por um serviço cada vez pior”, diz Conforti. 


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Soberania e sobrevivência



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Adriano Benayon [*]
Texto enviado por Beatrice



por Adriano Benayon

1. Muitos, se não a maioria, dos que não se importam com a entrega das riquezas do País à oligarquia financeira transnacional e a seus bancos e empresas, precisam mudar de atitude. Não é uma questão de patriotada, mas de entender que sem soberania um povo fica privado de dignidade e de prosperidade e até da chance de sobreviver.

2. Se o Brasil continuar à mercê de corporações transnacionais, bancos e potências imperiais, aumentará o fosso entre a minoria, cada vez menor, dos servidores desse sistema de poder e a maioria, esmagadora e crescente, dos brasileiros que vivem em condições de vida insuportáveis. Na verdade, escravos com seu destino nas mãos do império.

3. O fosso começou a ser alargado desde 1954, logo após o golpe militar-udenista que entregou, de bandeja, o mercado do País às transnacionais, através de privilégios incríveis, mantidos e aumentados nos cinco anos de JK. Esse processo foi-se agravando e, hoje, longe de ser revertido, prossegue intensificando-se.

4. As potências anglo-americanas não apenas intervieram nos golpes de 1954 e 1964, mas também determinaram o curso político do País desde o começo dos anos 80. 

5. Neste mês a grande mídia não teve como esconder as revelações de Edward Snowden, ex-contratado terceirizado dos serviços secretos dos Estados Unidos, sobre a abrangência da espionagem eletrônica, telefônica, etc., que estes fazem, há muitos anos, dentro do Brasil. Entretanto, quase não se divulgam as ações dos serviços de outras potências, como o Reino Unido.

6. Esse controle sobre as telecomunicações nem necessitava das tecnologias de captação de informações que os EUA hoje aplicam em quase todo o mundo. De fato, o grau de traição ao País foi de tal ordem, que o Brasil ficou, em 1998, sem satélite próprio de telecomunicações, com a privatização da EMBRATEL, controlada pela MCI dos EUA.

7. Datam de longe as intervenções do governo dos EUA praticadas para abortar iniciativas capazes de contribuir para o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Nos anos 70 e 80, os EUA vetaram a importação de componentes estratégicos pela EMBRAER e causaram o fechamento da empresa ENGESA, que fabricava blindados, ao intervir junto à Arábia Saudita para cancelar um grande contrato.

8. Em consequência do modelo instituído no Brasil a partir de 1954 - a que se atribuíram os falsos milagres de crescimento do PIB, pouco depois traduzidos em dívidas e estagnação - o poder das transnacionais sobre o mercado foi suficiente para asfixiar as empresas privadas nacionais, matando, no ovo, as possibilidades de estas desenvolverem tecnologia.

9. Entre as intervenções diretas das potências imperiais (EUA à frente), avulta ter feito explodir o míssil da missão espacial brasileira, na base de Alcântara, matando no ato seus mais de 20 membros, no momento do lançamento. Além disso, os EUA pressionaram a Ucrânia para não transferir tecnologia ao Brasil, como prevê o acordo de cooperação espacial com esse país.
 
10. Os EUA arranjaram com o governo de FHC um acordo para a cessão da base de Alcântara para lançamentos, altamente lesivo para nós, pois permite a construção de instalações e a entrada no País de equipamentos e efetivos das Forças Armadas da mais agressiva potência militar do mundo.

11. Com a saída do mega-entreguista em dezembro de 2002, esse acordo esteve, até há pouco, parado no Congresso, tendo sido agora colocado na pauta de votações do plenário da Câmara dos Deputados, o que confirma estar a atual presidenta cedendo às pressões imperiais em questões vitais para a soberania do Brasil.

12. Outros atos de submissão ocorrem com o petróleo. Pelo menos três destes terão, se não forem revertidos, consequências fatídicas para o País.

13. Primeiro, os leilões, em maio de 2013, de campos de petróleo na plataforma continental, com reservas de 19 bilhões de barris, na cotação atual, US$ 2 trilhões. Segundo: o anúncio de leilão para o campo Libra, na área do Pré-Sal, com reservas de 12 bilhões de barris. As duas medidas envolvem mais de 30 bilhões de barris. 

14. Mormente nas condições infracoloniais do sistema tributário brasileiro, leiloar petróleo para empresas estrangeiras significa dar-lhes todo ele. Fora do Pré-Sal, o Brasil só recebe 10% de royalties sobre aquilo a transnacional declarar (o que ninguém confere). Não há impostos nem contribuições sobre a exportação.

15. Os agentes pagos e os enganados dirão que o Brasil obterá grande quantidade de divisas (moeda estrangeira). Nós respondemos: quem recebe as divisas são os exportadores, as petroleiras estrangeiras.

16. Estas venderão as divisas ao Banco Central, o qual, para pagá-las, emitirá moeda nacional (reais) em quantidade assombrosa: quando estiverem exportando 3 milhões de barris/dia = 1.080 bilhões barris/ano, serão cerca de US$ 356 bilhões, o equivalente a 150% do total das atuais exportações do Brasil. Ao câmbio de R$ 2,2 por dólar, estamos falando de R$ 783 bilhões = 3,5 vezes o atual saldo médio da base monetária.

17. Então? Ou o Banco Central emitiria moeda, e as petroleiras estrangeiras ficariam com caixa para comprar todas as empresas, bancos e propriedades que quisessem no Brasil, ou emitiria títulos da dívida pública, dentro da tradicional política de enxugar a base monetária.

18. Neste caso, aumentaria, de golpe, em 50% o estoque dos títulos da dívida pública fora do Banco Central, e cresceria em 25% o absurdo serviço da dívida, que já consome quase metade das despesas da União. Com a dinâmica da composição dos juros, a explosão não demoraria.

19. Terceiro desastre com o petróleo: a deterioração das finanças da Petrobrás, decorrente das políticas antinacionais prevalecentes na ANP e na própria estatal, desde 1997, quando da instituição da Lei 9.478.

20. Nada melhor que ter uma empresa nacional responsável pelo abastecimento do País, a qual logrou êxitos notáveis na pesquisa e exploração (descobrindo enormes reservas), em contraste com os países que se entregam ao cartel anglo-americano.

21. Ora, a política brasileira dominada por interessados na inviabilização do desenvolvimento nacional, vem minando a (ex?) estatal, fazendo reduzir sua capacidade de investimento e, ao mesmo tempo, abrindo, sem a menor necessidade, ao cartel mundial as reservas por ela descobertas.

22. Com essa fieira de inesgotáveis danos ao País:

1) ele entrega a principal fonte de energia, tendente à escassez, do mercado mundial;
2) cria terrível inflação e torna ainda mais letal a dívida pública;
3) recebe dólares, com os quais nada pode fazer no exterior (os juros lá são desprezíveis, e as potências estrangeiras não vendem ativos produtivos estratégicos);
4) com a abundância de divisas para importar, agrava a desnacionalização e a desindustrialização, suas principais desgraças estruturais.

23. Mais uma capitulação, que leva o Brasil à ruína: a volta das elevações da taxa básica dos juros, SELIC. Neste ano, ela subiu de 7,25% para 8,5%, com o que caem as possibilidades de reduzir os gastos federais de R$ 753 bilhões, de  2012, com juros e amortizações das dívidas interna e externa = 43% das despesas totais da União.

24. Não há que crer nos artifícios contábeis das “autoridades monetárias”. Elas apresentam as despesas da dívida expurgadas de correção monetária, o que não é correto: quando você paga R$ 30 reis para almoçar, você está pagando R$ 30,00 mesmo; não há razão para deduzir a variação do  IGP-M no ano.

25. Outra coisa: não computam o que é pago por meio de títulos públicos, como se não tivesse sido pago: se um aplicador resgata títulos comprados há um ano, a juros de 15% a.a., no valor de R$ 100 mi, e o Tesouro lhe paga, com novos títulos, R$ 115 mi, há que incluir esta quantia na despesa, pois o título do Tesouro vale dinheiro e, além disso, rende juros.

26. Ademais, as autoridades não incluem no total os títulos do Tesouro em poder do Banco Central, cuja maior parte circula entre o BACEN e os bancos, nas operações de mercado aberto.

27. Os brasileiros são espoliados também pelos juros bancários, a taxas muito maiores que as abusivas pagas pelo Tesouro nos títulos públicos.  O crédito de pessoas físicas e jurídicas chegou a R$ 2,4 trilhões = 54% do PIB. Se calcularmos taxa média de 30% aa., a conta dos juros, fora a da dívida pública, é quase outro tanto: R$ 720 bilhões.

28. Mais importante, além de estar na origem de todos os males da economia e das finanças, é o que vai para o exterior de lucros escondidos das transnacionais, através de diversas contas do balanço de pagamentos. Eles vêm dos altíssimos preços que elas praticam aqui dentro: é o mesmo que um imposto, só que pago pelos brasileiros às empresas transnacionais, em vez de ser pago ao governo, equivalente a outra carga tributária de 35% do PIB.

29. Do financiamento dos déficits externos resultantes das transferências em várias contas do balanço de transações com o exterior, resultou a dívida externa, e desta saiu a  dívida interna, quando faltaram divisas para servir aquela. Em função disso, os engenheiros brasileiros não têm empregos, e não se desenvolve tecnologia no País. Ademais, as pessoas ficam até sem saber para que servem as matérias primas e o preço que deveriam ter.

30. Como reagem os governos que têm fingido governar o País? Dão dinheiro e crédito barato às transnacionais e a aquinhoados em novas concessões públicas, como ocorre com o transporte, portos e aeroportos, estradas com pedágios abusivos etc.. E cortam impostos das transnacionais e outros concentradores.

31. Não reduzem, porém, os tributos que recaem sobre os cidadãos. Ao contrário, estes são onerados adicionalmente pelos sobrepreços dos oligopólios, como aponto no parágrafo 28 acima, e se exemplifica com os bens industriais, de qualidade sofrível e, amiúde, custando o dobro de seus congêneres no exterior. 




[*] Adriano Benayon Consultor em finanças e em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira, postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México. Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica tecnológica. Depois, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil). Autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo.