domingo, 31 de julho de 2011

Ultra-capitalismo: do terrorismo ao calote mundial


Por que não podemos classificar o terrorista norueguês como ultra-capitalista? Por que temos que nos conformar com o rótulo na capa da revista Veja, que o chama de ultra-nacionalista, ou com as variantes usadas no restante das corporações de mídia (atirador, terrorista, extremista e outros tantos, que confundem muito mais do que explicam). São confiáveis esses veículos de comunicação que imediatamente após o tiroteio sopravam que se tratava de um “extremista islâmico”? A versão amplamente divulgada não resistiu a 24 horas.
Mas estaria eu sendo radical? O capitalismo não prega genocídios? O capitalismo tem um lado humano? Vejamos:
Quando digo que o marginal norueguês é ultra-capitalista não estou pensando nos postulados de Adam Smith ou naquilo que é permitido que se publique a respeito do sistema que domina o mundo. Estou me referindo ao que é escondido (o trabalho escravo ou semi-escravo e a máquina de moer essa gente que trabalha por um salário mínimo de fome) e ao que está implícito, às sutis formas de produção e reprodução de subjetividades, que interferem nas formas de sentir, pensar e agir dos cidadãos e, conseqüentemente, da própria sociedade em que estes estão inseridos.
O assassino em massa que chocou o mundo agiu influenciado por doutrinas que pregam a concorrência violenta, o ódio ao próximo. Essa teoria que joga a culpa de tudo em estrangeiros, negros, gays, ou em qualquer um que seja diferente. É reducionista, mas funciona. Em vez de reconhecer os próprios defeitos, o que demanda tempo, reflexão e análise, basta jogar a culpa em alguém com quem a pessoa não se reconhece: o outro.
Não me parece casual que o alvo do assassino tenha sido um acampamento da juventude socialista, que reuniu centenas de jovens de todos os cantos do mundo – inclusive do Brasil. O bandido criticava o multiculturalismo e chegou a dizer que esse era o grande problema do nosso país. Essa seria a razão para sermos uma sociedade “disfuncional”, de segunda classe.
É evidente que o genocida norueguês nunca viu um Neymar da vida jogando. Muito menos teve a oportunidade de apreciar uma partida como a de quarta-feira, entre Flamengo e Santos. Ali, na Vila Belmiro, quando todos os deuses do futebol (que não são nórdicos, por suposto) baixaram simultaneamente em campo, ficou provada a existência de milagres. Esses milagres que permitem uma jogada como a do terceiro gol do Santos, quando o miscigenado Neymar fez com a bola algo que desafia a compreensão até mesmo dos deuses. Esses milagres que fizeram com que o Flamengo virasse uma partida após estar perdendo por três gols de diferença, sendo que o miscigenado Ronaldinho fez três e foi chamado de “gênio” pelo melhor jogador do mundo na atualidade. Foi um jogo que será lembrado daqui a cem anos. Deve ser duro para os racistas ouvirem isso, mas a verdade é que esses milagres nascem justamente com a miscigenação que as teorias nazistas repudiam. Futebol e música soam melhor quando tem mistura, é assim em qualquer lugar do mundo.
A propósito: o nazismo não era capitalista? Se não, o que era?
A dificuldade de se entender o discurso do premiê da Noruega é compreensível. Todos ficaram chocados quando ele afirmou que discursos de ultra-direita são legítimos. Isso porque as corporações de mídia não conseguiram traduzir para o bom português; preferiram fingir que ele não estava se referindo à ultra-direita, ou seja, a versão mais descarada do capitalismo. Para as corporações de mídia é melhor apostar na confusão do que mostrar ao povo brasileiro que seus sócios e amigos defendem, por exemplo, o cercamento de favelas. Ou o abandono da gente pobre. A tortura de traficantes varejistas.
Os tiros disparados na Noruega também ecoam nos Estados Unidos. O extremismo do assassino nórdico tem tudo a ver com o fundamentalismo neoliberal de mercado. Ambos reivindicam para si a verdade, como se existisse apenas uma, a deles. Ambos consideram-se pertencentes a uma casta superior. E ambos agiram com planejamento, método e frieza.
Agora a maior economia do mundo anuncia tranqüilamente que pode dar um calote amplo, geral e irrestrito, mas não aparece um economista para entoar os cânticos de “irresponsável”. Onde estão os fiscais dos fundamentos da economia? Onde os que diziam que Lula quebraria o Brasil? Cadê a turma que defendia o modelo estadunidense como digno de ser seguido? Estão todos quietinhos, debaixo da cama, morrendo de medo das conseqüências, imprevisíveis, de uma moratória dos Estados Unidos.
O mundo não está nessa situação porque de vez em quando aparece um lunático disposto a tudo para fazer valer sua irracionalidade. Chegamos a este ponto porque o modelo de sociedade adotado pela maior parte do mundo não presta. Quem sabe a União de Nações Sul-Americanas – Unasul – aponte uma nova direção.

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PUXADINHO DO JADER
Frase da hora



Resposta de um gênio ao marginal terrorista norueguês


quando eu quero tirar uma obra, me deito na rede de papo prá riba, magino, magino e quando acabo de maginar, está maginado pru resto da vida”.




sábado, 30 de julho de 2011

A teoria dos módulos (Vinícius de Moraes falando de amor como o Google nunca viu)

 
 
Nota do QTMD?: De fato, o texto abaixo não é encontrável na internet. Pelo menos, não pelo todo-poderoso Google. Eu o achei numa revista antiga e, dada a beleza e raridade, resolvi transcrever. A revista – “Cláudia” – estava sem data, então, não sei de quando é, mas Vinícius morreu há 31 anos. Sem amor, não há democracia. Na verdade, sem amor não há vida. Portanto, vale leitura. E, como diz Vinícius ao final, espero que façam bom proveito.

A teoria dos módulos

Por Vinícius de Moraes
A cada ato de ódio e ressentimento, corresponde uma reação oposta e imediatamente contrária: um ato de amor. O homem que tem na mão o poder de apertar o botão que aciona o mecanismo da guerra atômica não sabe, ou prefere fingir ignorar, que o botão do seio da mulher amada, de cujo corpo ele usufrui na relação carnal, tem um poder infinitamente maior que qualquer arma nuclear, ou sua soma. Dali nasce a vida, de um contato de dois corpos feitos para se amar; gozar da plenitude física e espiritual desse amor e continuar a vida, no ato da criação.
Nada existe de mais revolucionário – porque evolucionário – que a consciência de que só o amor pode salvar o mundo. O amor é a única arma de que dispõe o homem para atravessar uma existência fatalizada pelo sofrimento de nascer, crescer, conviver, trabalhar, amadurecer e por fim morrer dentro de uma sociedade condicionada pelo lucro, pelo prazer e pela intolerância. Uma sociedade cuja cúpula odeia o amor e o considera, no fundo, uma desconversa diante de entidades mais importantes, quais sejam o poder econômico e político, o sentimento de mando, a superioridade hierárquica e de casta: a Supremacia e o Preconceito, enfim, sob todas as suas formas.
O terrível nisso tudo é que se vai fazendo cada dia mais difícil amar, dentro de um mundo neurotizado por mil problemas marginais aos da verdadeira existência, e coexistência, com o resultado de uma debilitação existencial enorme. Está ficando cada dia mais difícil amar direito, amar como deve ser: com o verdadeiro encontro de almas e de corpos totalizados num grande, num imenso entendimento comum. Nada me parece mais importante que a busca desse encontro, sem o qual nenhuma felicidade é possível, nenhum diálogo é provável, nenhum êxtase é absoluto.
Eu estou cada vez mais convencido de que o crescente desajustamento entre os sexos, a que corresponde também o crescente aumento de um sexo intermediário, é fundamentalmente um problema da personalidade. É o que procuro explicar aqui com o que chamo de Teoria dos Módulos. Quando dois seres se apaixonam e se querem unir, eles são como dois módulos lunares gravitando no sentido de um indispensável acoplamento. Até aí, cada um está, como se diz agora, “na sua”. Mas o grande, o infinito impulso de ambos é estar “na deles”.
E enquanto seu lobo não vem, as personalidades-módulos se aproximam, se estudam os ângulos de encaixe, se tateiam, se provam, se experimentam. A aspiração maior, como é claro, é o acoplamento o mais rápido possível. O problema é que, nesse interregno, as personalidades se expõem desvairadamente, naquele anseio de absoluto que o amor exige, naquele sentimento de dar-se e receber em troca. E aí é que está the heart of the matter, o nó da questão. Porque o amor é ao mesmo tempo maravilhosamente dadivoso e furiosamente antropofágico.
Assim, nesse constante confronto, a personalidade mais dependente começa a aderir à mais rica e, quando menos se espera, a passar para o módulo da outra, por isso que é tão mais confortável, e dá tão menos trabalho, largar o corpo. E deixa o módulo próprio vagando sozinho no espaço. Resultado: acoplamento impossível. Conseqüências futuras: a personalidade mais rica e forte começa a dominar instintivamente a mais pobre e dependente. Panorama geral: a quantidade infinita de mulheres despersonalizadas, servilmente submissas, verdadeiras escravas de homens déspotas, que fazem delas gato e sapato. Ou, menos freqüentemente, o desagradável caráter de mulheres dominadoras, que humilham o homem que têm sempre que podem.
Esse tipo de união, a meu ver, nunca é feliz, por isso que evidencia a omissão de uma das personalidades em jogo. Para que haja uma verdadeira felicidade, os dois têm que “estar na deles” ao mesmo tempo em que cada um nunca deixa de “estar na sua”. É a minha Teoria dos Módulos. Comigo está dando certo. Façam muito bom proveito.

Museu Eugenio Teixeia Leal