segunda-feira, 18 de julho de 2011

Filósofos e pensadores contra as mulheres

  blog do Ozaí

por Antonio Ozaí da Silva

 

“Ninguém admite o antifeminismo. Ninguém diz: “sou um misógino”, escreve Bloch.[1] Esse discurso é uma fala autorizada e que autoriza; remete às autoridades sacras e/ou de intelectuais de renome. Muitas vezes, trata-se de uma retórica intelectualizada e pretensamente científica, mas que, a despeito das melhores intenções, revela um pensamento e comportamento que concebe as mulheres como seres humanos inferiores, incapazes até mesmo de filosofar.


Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)
É um paradoxo que encontremos exemplos de misoginia entre os filósofos e pensadores considerados pilares da cultura ocidental civilizada. Proudhon nega às mulheres os direitos de cidadania política plena. Por concebê-las como inferiores aos homens, ele imagina uma fórmula aritmética, pseudocientífica e justa, que determine o valor e a grau de representação política do sexo feminino:
“Idéias desconexas, raciocínios ilógicos, ilusões tomadas por realidade, analogias vazias transformadas em princípios, uma disposição de espírito fatalmente inclinada à destruição: esta é a inteligência da mulher (…). E uma vez que, no que concerne à vida econômica, política e social, o corpo e a mente trabalham juntos, cada um multiplicando o efeito do outro, então o valor físico e intelectual do homem comparado ao a mulher atinge uma proporção de 3 x 3 para 2 x 2, ou de 9 para 4. Sem dúvida, se a mulher contribuir para a ordem e a prosperidade social no grau que lhe corresponde, é justo que sua voz seja ouvida; mas que na assembléia geral o voto do homem conte por 9 e a mulher por 4; isto é decidido pela aritmética quanto pela justiça”.[2]
A mulher é concebida como inferior e parece justo que seus direitos políticos sejam limitados. Na filosofia moral proudhoniana a mulher tem valor intelectual menor. Para Proudhon: “Ela não generaliza de modo algum, não sintetiza. Sua mente é antimetafísica”. Ele é taxativo: “A mulher não filosofa”.[3]


Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) 

O fundador do anarquismo moderno tem a companhia de outros filósofos ilustres como Hegel. Para o filósofo alemão: “As mulheres são passíveis de educação, mas não são feitas para atividades que demandam uma faculdade universal, tais como as ciências mais avançadas, a filosofia e certas formas de produção artística. As mulheres podem ter idéias felizes, gosto e elegância, mas não podem atingir o ideal”.[4]
Michelet, contemporâneo de Proudhon, desenvolve preconceito análogo ao afirmar que a mulher “é produtiva pela sua influência sobre o homem, tanto no ideal como no real. Mas o seu pensamento raramente atinge uma realidade sólida; e é por isso que ela tem criado tão pouco”.[5]


Cesare Lombroso (1835-1909)
Cesare Lombroso, famoso criminalista, arremata com um argumento científico sobre a suposta inabilidade da mulher para filosofar. Segundo tão proeminente cientista:
“Encontra-se outra prova da inferioridade da mente feminina em seu poder inferior de abstração, e em seu grande preciosismo. A inteligência da mulher é vista como deficiente no que concerne à forma mais alta de evolução mental, a faculdade de síntese e de abstração; em contraste, ela se distingue pela sutileza de análise e percepção clara dos detalhes”.[6]
Na filosofia, a naturalização da inferioridade feminina é tão antiga quanto a obra de Aristóteles![7] Schopenhauer, por exemplo, apresenta um sofisticado argumento atinente à seleção natural:
Arthur Schopenhauer (1788-1860)
“Pois assim como a natureza equipou o leão com garras e dentes, o elefante com presas, o javali com colmilhos, o touro com chifres e a siba com tinta, do mesmo modo equipou a mulher com o poder da dissimulação como seu meio de ataque e defesa, e transformou nesse dom toda a força que conferiu ao homem na forma de força física e poder de raciocínio. A dissimulação portanto é inata nela (…). Fazer uso disso a cada oportunidade é tão natural para ela como o é para um animal empregar seu meio de defesa sempre que é atacado (…). Uma mulher inteiramente confiável que não pratica a dissimulação é talvez uma impossibilidade”.
Para Schopenhauer: “Como o sexo mais frágil, elas são levadas a se fiar não só na força como na astúcia; daí sua sutileza instintiva, e sua tendência incorrigível a contar mentiras”. [8] Se a mulher é, por natureza, dissimulada, isto é, fingida, astuta, ardilosa, mentirosa, etc., ela é incapaz de atingir a verdade filosófica. Explica-se, assim, sua incapacidadede filosofar.


Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Nietzsche, não deixa dúvidas:
“O que é a verdade para uma mulher? Desde o início, nada foi mais alheio, repugnante e hostil à mulher do que a verdade – sua grande arte é a mentira, sua preocupação máxima é a mera aparência e beleza. Confessemos nós, homens: reverenciamos e amamos precisamente esta arte e este instinto na mulher”.[9]
Estes filósofos e pensadores representam a civilização ocidental e, indubitavelmente, deram uma contribuição importante à evolução cultural. Claro, pode-se argumentar que suas idéias misóginas nada mais são do que a expressão da época. Não obstante, é lícito observar que se tais idéias expressam as idéias dominantes do seu tempo histórico, era possível pensar diferente. Talvez hoje seja considerado arrogância e estupidez imaginar que a filosofia e outras áreas do pensamento sejam naturalmente destinadas aos homens – ou será que ainda há quem duvide da capacidade das mulheres?!
De qualquer forma, como homens considerados tão inteligentes foram capazes de argumentos tão absurdos, ainda que sob a auréola da filosofia? Como é possível que tenham encontrado crédulos e seguidores? O problema é que, para além da filosofia e dos filósofos, para além das teorias e da ciência, dos teóricos e dos cientistas em geral, ainda há quem acredite piamente que a mulher é inferior ao homem e que lhe deve obediência. Então, já não é da filosofia e teorias que se trata, mas de mulheres e homens de carne e osso; mulheres reais, na vida real, vítimas da misoginia.



* Agradeço ao Josimar Priori pela indicação deste vídeo, relacionado com o tema do post.


[1] BLOCH, R. Howard. Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995, p. 64.
[2] PROUDHON, P.J. De la Justice dans la Révolution et dans l’église. Paris: Garnier Frères, 1858, 3 vols., p.348, 361; apud BLOCH, p.87.
[3] Idem, p. 356, 357, 358, apud BLOCH, p. 37.
[4] HEGEL, A Filosofia do Direito, apud BLOCH, p. 37.
[5] Jules Michelet, Woman (trad. John W. Palmer), Nova Iorque: Charleton, 1866, p.202; apud BLOCH, p. 37.
[6] Lombroso, Cesare. La Femme criminelle et la prostituée. Paris: Félix Alcan, 1896, p.180; apud BLOCH, p.37.
[7] Ver A Política, de Aristóteles, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2009/04/22/a-politica-de-aristoteles/
[8] Ver: Essays and Aphorisms, trad. R. J. Hollingdale, Harmondsworth: Penguin, 1970, p. 83; “Ensaio sobre a mulher”, de Schopenhauer, in Parerga und Paralipomena; e H. R. Hays, The Dangerous Sex: the Myth of Feminine Evil, Nova Iorque: G.P. Putnan’s Sons, 1964, p. 209; apud Bloch, p.31 e 48.
[9] NIETZSCHE, F. Beyond Good and Evil, trad. Walter Kaufmann, Nova Iorque: Vintage Books, 1966, p.163; apud BLOCH, p. 31.

*Antonio Ozaí da Silva é graduado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (1994), Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997), Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (2004) e Pós-graduado em História das Religiões, Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (2007). Docente no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Teoria Política Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: política, partidos políticos, educação, pedagogia libertária, anarquismo, marxismo e literatura política.

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