terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Na cara




autor: Jader Resende 
 
De um lado e do outro da rua, aos poucos formavam aglomerados de olho na sinaleira.  Logo, logo, brilhou o sinal verde, esperamos o invasor de sinal passar. Infelizmente um rapaz confiando na faixa amarela não percebeu o apressado, foi atingido pelo carro e atirado no meio da rua. Todos correram para ajudar. Quando uma voz grossa berrou.

—Sai da frente que vou dar uma lição nesse vagabundo. Atingindo-o com um murro na cara. Quando tentaram segurar o furioso homem, ele fez um gesto suspeito com ódio encarniçado na cara e disse:

—Vão me encarar? Foi o bastante pra todos se afastarem. Entrou no carro e disse:

—Anote a placa, dê queixa na delegacia e saio cantando pneus.  Todos foram chegando lentamente e falando ao mesmo tempo.

—Leva o homem pro pronto socorro, dizia uma mulher.

—O rapaz foi atropelado, apanha e ninguém faz nada. Falava um senhor.  

—Esse queria se matar, dizia outro.

—Cala boca, já viu alguém se matar na faixa de segurança.

—Esta cheirando a desilusão amorosa. Insistia o adepto ao suicídio.

—É culpa do governo, pobre só serve pra votar e tomar na cara.

—O fuzuê estava formado.  Apareceu gente de todos os lados.

A dona da loja em frente socorreu o rapaz sem ninguém perceber e deu-lhe água com açúcar. Como ele nada falava, ela perguntou.

—Você quer alguma coisa, um café, telefonar pra alguém? Ele balançava negativamente a cabeça. Sentou-se a seu lado e perguntou.

—Você se machucou?

Não, nada grave.

—Como é seu nome?
—Zé. Respondeu numa introversão denunciando sua origem.
—Zé, vá direto a delegacia dar queixa.

—Pra quê?

—Pra tomarem a carteira dele.

—Vou não, senhora.

—Ele te atropelou e ainda te agrediu.

—O que se há de fazer?

—Meu filho que pessimismo é esse. Temos leis, justiça. Vá por mim, vai dar tudo certo.

—Vai não, senhora.

—Mas por que, meu filho? Vira-se para sua vendedora e diz.

—Fecha à porta, por favor. Ela fechou, ficando do lado de fora olhando o tumulto.

—Então meu filho, seja corajoso, vá e registre queixa.

—Não vou senhora.
—Olha, Maria anotou a placa do carro, cor, modelo e tudo. Esta no meio da confusão, mas ela volta.
—Agradeço, mas não vou.

—Então diga. Por quê?

—Nunca entrei numa delegacia e não vou de jeito nenhum.

—Meu filho, precisa fazer valer seus direitos.

—Não acredito.

—Como, não! Zé.

— Esse golpe é velho. É justamente o que ele quer. Invadiu o sinal, me atropelou encima da faixa. Nessa altura já esta na delegacia e registrou queixa contra mim.

— Como assim, meu filho?

—Diz que o sinal foi invadido por um louco e ele freou bruscamente para não me atropelar, que tentei esfaqueá-lo e com medo de ser morto buscou ajuda da policia.

—Mas isso não é verdade.

—Pois é. Se aparecer numa delegacia vai dar flagrante, quando me condenarem, já cumpri o dobro esperando julgamento.

—Virgem Mãe de Deus, isso é muito triste. Como você sabe disso?

—Vejo acontecer todos os dias onde moro, com pessoas desempregadas como eu e de varias formas. A senhora não precisa ficar constrangida que não vou à delegacia, nem preciso de testemunhas.

—Posso ficar aqui até ter certeza que a policia não veio me buscar.

—Claro que pode. Admirava a inteligência daquele rapaz, sua inconsciência coletiva se manifestava firme e forte. O motorista infrator aplicava uma tentativa de psicologia reversa,  pretendia anular o seu crime através de uma contradição proposital, planejada e fazer do Zé um criminoso.

Pensava no poder de uma técnica tão primária da psicologia assumida pelo povo, onde se procura construir um resultado através de outro inverso, de forma tão covarde e desumana. Via no seu gesto, verdades que os meios de comunicação e a justiça negam a todos. Só restou a tomada de consciência social adquirida no dia a dia, talvez vendo seus amigos de infância serem presos ou mortos sem terem cometido nenhum crime e acabou criando um sistema de auto defesa.

Incapaz de ajudá-lo sofria por sua fraqueza, tinha vergonha de sentir tanta impotência pairando entre eles. Pensou  na lei de Greshan que determina a destruição de uma moeda boa para a sobrevivência da ruim. O homem bom, inteligente e humano como esse rapaz esta sendo destruído pela política da desinformação dos governos de todo o mundo.

Como estátuas permaneceram quietos e mudos até a rua ficar deserta.

Despediram-se de cabeça baixa sem se olharem.

Conto de Jader Resende


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Matar reputações



autor: Jader Resende 

O poder ou a sombra dele subestima a população, além é claro, de aterrorizar, manipular e ignorar suas básicas necessidades.

O povo sempre foi sábio, criativo, improvisa suas prendas constrói sua história e tradições independente dos governos e aprende os ensinamentos que lhes são dados.

Vê as manobras e armações mirabolantes com produções caríssimas, onde tudo é valido para manter  aqueles com mais poder. A moral e o imoral unidos na violência do silencio desta força perversa na sociedade.  

Na impossibilidade de segregar em prisões ou manicômio, negros, pobres ou militantes políticos, são privatizados do direito de viver quando marcados a ferro em brasa como inimigos.

Justiceiros obedecem cegamente à manipulação dos com pouco ou muito poder e partem eufóricos para crucificar todo e qualquer suposto inimigo, na esperança dum lugar a sombra do grande irmão.  

Pregam que, presos políticos levaram para dentro dos presídios novas formas de organizações, influenciaram na formação de varias siglas do submundo. Pode ate ser.

Torturas também poderiam ser difundidas e sorrateiramente adaptadas, camufladas psicologicamente nas  entrelinhas da dominada comunicação, são armas extremamente dolorosas, eficazes e impiedosamente destruidoras.

Pode parecer novidade, mas já se tornou arma de domínio público, manipular um crime é assunto de qualquer grupo desocupado em volta de uma caixa de isopor nas esquinas da cidade.

Discretamente nas armações, difamações, mentiras, metalinguagem e do assedio moral, retém a vitima na pura vida de sofrimento.

 Vale qualquer acusação para quebrar a linha moral, por mais absurda que seja. Mudam a camuflagem das agressões de acordo com o que melhor se adapta ao momento. 
Tudo será usado nas diabrites executadas, mudança de uma vírgula, valores, frases, ideias ou até palavras são canalizadas em beneficio dos com pouco ou muito poder ou dos que vivem a sombra deles.

Cultivam a rivalidade entre sua vitima e qualquer outra pessoa próxima a ela. Semear animosidades é de suma importância para isolar a vitima, deixá-la sem poder se comunicar, assim não poderá explicar, se defender ou receber ajuda tão pouco reunir forças para lutar.

A turba anônima e justiceira alegremente dosa na intensidade e no tempo as difamações, fofocas, provocações diárias e constantes, na  transformação de grandes mentiras em verdade a troco de promessas, favores ou conduzidas por manipulações.

Aos poucos e homeopaticamente numa forma calculada de sofrimento destrói o passado da vitima, fazendo da sua vida um inferno, levando o infeliz a sérias enfermidades, desprezo pela justiça a ponto de se matar ou enlouquecer.

Ninguém vê, além do que lhe é imposto. Os crimes invisíveis não deixam pistas, marcas, culpados ou condenados.

Agridem o tempo todo sem medo e risco, vão torturando psicologicamente, sistematicamente vão matando sua reputação, identidade, destruindo seus códigos moral, sua honra e sua confiança no ser humano. Enfim, dosar o sofrimento na intensidade e no tempo deixa o criminoso livre das provas de seus crimes e alcança seus objetivos.


"Mas agora estava tudo em paz,
tudo ótimo, acabada a luta.
Finalmente lograra a vitória sobre si mesmo.
Amava o grande irmão."
George Orwell, 1984



Depois de matá-la sem nenhum risco de ser preso ou responder por seus crimes, seu papel na sociedade já esta definido como carrascos de aluguel.

A vida roubada e massacrada impiedosamente  transforma-se em pura indignação e um exemplo nas facilidades dos crimes invisíveis por mais fútil que seja o benefício dos poderoso ou ex-poderosos.

A repetição destes crimes no cotidiano é destrutiva para a sociedade, a barbárie e a crueldade passam a ser uma necessidade na existência dos capatazes justiceiros, que continuaram sempre fabricando outras vitimas. 


Jader Resende
A minha natureza inquieta, fé no trabalho e confiança num futuro onde: espírito, liberdade e natureza, estejam numa só manifestação do homem é que me leva a ser sempre Jader Resende e não imitador de Jader Resende


domingo, 15 de dezembro de 2013

Surge um novo inimigo interno

 

buscado no diárioliberdade 

 

131213 br black blocs 












Brasil - Le Monde Diplomatique
[Andressa Caldas e Eduardo Baker, Thiago Melo] 

As mesmas alcunhas de “subversivos”, “baderneiros”, “vândalos”, “terroristas” já foram e seguem sendo repetidas pelos mesmos meios de comunicação para designar militantes que lutaram contra a ditadura, grevistas, sem-terra, sem-teto, vendedores ambulantes, indígenas e moradores de favelas. Hoje, o alvo são Black Blocs.

O ano de 2013 vai ficar marcado pelas manifestações iniciadas em junho e que tomaram as ruas de várias capitais brasileiras. Com o devido distanciamento histórico, seu significado e consequências ainda serão objeto de muitos estudos e análises.
Para perplexidade de muitos, as maiores mobilizações deste ano não foram planejadas por nenhum partido ou sindicato. Por outro lado, as frases estampadas nos cartazes feitos artesanalmente para as passeatas refletem em grande medida – de forma criativa e oxigenada – as agendas levantadas pelos movimentos sociais nos últimos anos.
Por enquanto, o que se pode dizer é que as mobilizações mudaram. Saem os discursos dos carros de som, entram as marchinhas e performances espontâneas de anônimos e coletivos. Menos panfletos e faixas, mais cartazes e projeções de vídeo. Tudo sendo transmitido ao vivo – por grupos de jornalismo independente ou por qualquer um com celular, outra novidade das jornadas de junho. Graças ao streaming, o reality showdos protestos escancarou situações há muito conhecidas e denunciadas pelas periferias urbanas e pelos movimentos sociais: a extrema brutalidade da polícia brasileira e a cobertura tendenciosa da mídia corporativa.

“Não acabou, tem que acabar,  eu quero o fim da Polícia Militar”

Se tudo começou por 20 centavos – sintoma mais evidente do encarecimento do custo de vida e da gentrificação dos centros urbanos –, não há dúvidas de que tanto a resposta violenta da polícia como a cobertura distorcida das empresas de comunicação acabaram por rapidamente unificar no país duas pautas necessárias e urgentes: a desmilitarização da polícia e a democratização da mídia.
A dobradinha “a mídia aponta, a polícia atira” tem servido para estigmatizar e criminalizar todo aquele que ameace a ordem e os interesses corporativos. As mesmas alcunhas de “subversivos”, “baderneiros”, “vândalos”, “terroristas” já foram e seguem sendo repetidaspelos mesmos meios de comunicação para designar militantes que lutaram contra a ditadura, trabalhadores grevistas, sem-terra, sem-teto, vendedores ambulantes, indígenas e moradores de favelas.
Hoje, o alvo são os Black Blocs. Para desespero inconformado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e das polícias, o novo “inimigo interno” nem sequer se constitui como movimento. Não tem líderes nem sede. Como se sabe, black blocnada mais é do que uma tática de ação direta surgida na Europa nos anos 1980, que, por um lado, protege os manifestantes da violência policial e, por outro, ataca símbolos do autoritarismo e do capitalismo. Porém, nada disso importa: eles são o novo bode expiatório.
Se a tática black blocpode ser considerada uma das grandes novidades das mobilizações no Brasil, a resposta do Estado, no entanto, continua a mesma: abuso de autoridade, repressão policial, legislação de exceção e criminalização.
Há requintes de crueldade e toques de surrealismo na ação dos agentes de segurança nestes últimos seis meses. Policiais sem identificação nominal usam indiscriminadamente armas Taser e spray de pimenta, jogam bombas dentro de casas e hospitais e abusam dos tiros de bala de borracha – que cegaram pelo menos duas pessoas.
No Complexo da Maré, no entanto, as balas não eram de borracha. Em 24 de junho, após manifestação realizada no bairro de Bonsucesso pela redução do valor da passagem de ônibus, o Bope – com o apoio da Força Nacional – entrou na favela e matou dez moradores. A mídia tradicional logo caracterizou o massacre como “confronto entre policiais e traficantes”. Longe de ser um ato isolado de alguns agentes, a brutalidade e a arbitrariedade constituem o modus operandida polícia, claramente ditado por seus comandantes, que devem ser responsabilizados.
Em São Paulo, pessoas foram detidas por “porte de vinagre” – como no caso do jornalista Piero Locatelli, que cobria as manifestações. No Rio, o morador de rua Rafael Vieira está preso desde 20 de junho, autuado por suposto “porte de explosivo”. No documento policial, no entanto, consta a apreensão de uma vassoura, uma garrafa de desinfetante e água sanitária, material que Rafael usava para limpar o local onde dormia: o chão da rua.
No Distrito Federal, mais de trinta pessoas foram detidas durante protesto na abertura da Copa das Confederações. Muitas horas depois, militantes foram presos dentro de casa, em suposto flagrante. Também na capital, no dia 15 de novembro, após ato pela desmilitarização da polícia, cinquenta manifestantes foram detidos e quinze deles levados para presídios.
No Rio de Janeiro, após manifestação no dia 15 de outubro em apoio à greve dos professores municipais, cerca de duzentas pessoas foram conduzidas à força a delegacias, tendo ocorrido 84 prisões provisórias por supostos flagrantes. Além do grande volume de detenções, o que qualifica especialmente esse dia é o uso da Lei de Organizações Criminosas (Lei n. 12.805/2013) contra os manifestantes, enquadrando a atividade de protesto como “associação criminosa”. Igualmente grave foi o uso de penas inafiançáveis para dificultar a liberdade dos manifestantes presos e a internação forçada de adolescentes. Um manifestante que participava da ocupação na escadaria externa da Câmara dos Vereadores do Rio, Jair Seixas, conhecido como Baiano, permanece preso, acusado injustamente do crime de associação com porte de arma.
Em São Paulo, a polícia ressuscitou da ditadura a Lei de Segurança Nacional para enquadrar um casal de manifestantes. Em 28 de outubro, a polícia prendeu mais de noventa manifestantes na zona norte paulistana. No dia 14 de novembro, cerca de oitenta manifestantes, logo chamados de “Black Blocs”, foram intimados a prestar depoimento. O promotor do caso, antes mesmo de concluir as investigações, afirmou estar “lidando com uma organização criminosa” e, com base em “matérias jornalísticas”, comparou os Black Blocs às Farc, exatamente como fez o Ministério Público do Rio Grande do Sul em relação ao MST cinco anos atrás.

“Da Copa, eu abro mão. Quero dinheiro para a saúde e a educação”

A menção à Copa do Mundo nos gritos durante os protestos no país não é por acaso. Das vaias à presidente Dilma na abertura da Copa das Confederações em Brasília, os protestos seguiram o calendário dos jogos e ocorreram em praticamente todas as cidades-sede, deixando claro o descontentamento da população com os excessivos gastos em megaeventos esportivos e com as inúmeras violações de direitos humanos cometidas “em nome da Copa”. O desfecho violento na final no Maracanã mostrou o que pode acontecer – em maior ou menor escala – em 2014.
Em seu pronunciamento oficial de 21 de junho, a presidente Dilma defendeu que o Brasil vai fazer uma grande Copa. Apesar de se dizer atenta “às vozes democráticas que pedem mudanças”, a presidente não proferiu nenhuma palavra sobre os abusos policiais nem fez até hoje qualquer menção à urgente reforma das polícias, reivindicada nas ruas.
No dia 31 de outubro, o governo federal deu mostras que terá uma postura ainda mais repressiva. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se reuniu com os secretários de Segurança Pública do Rio e de São Paulo para propor a cooperação das inteligências das polícias e da Abin e medidas de exceção, como a criação de tribunais itinerantes durante as manifestações e mudanças na legislação.
Coincidentemente ou não, as medidas do Ministério da Justiça e as ações mais contundentes de repressão e prisões maciças em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal ocorreram algumas semanas após uma reunião de emergência da presidente Dilma com dois dos principais patrocinadores da Copa, que pediram garantias de que as manifestações não atrapalhariam o Mundial. De acordo com a imprensa, a presidente teria assegurado que fará “tudo o que for preciso” para que não haja protestos.
Enquanto o governo garante que não vai haver protestos durante a Copa, as multidões e as redes sociais ecoam o grito de “Não vai ter Copa”. Essa é a nova síntese que vem das ruas. Ainda é cedo para saber se a expressão é um vaticínio ou mera provocação; uma palavra de ordem ou apenas uma hashtag. 2014 ainda não começou. 

Andressa Caldas e Eduardo Baker são advogados e pesquisadores da Justiça Global

Thiago Melo é advogado do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH).

domingo, 8 de dezembro de 2013

O Brasil que condena por desinfetante e mata por pão de queijo

buscado no Gilson Sampaio 

 

fonte Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Rafael
Condenado a cinco anos de prisão por carregar pinho sol e água sanitária durante as manifestações de junho. O Ministério Público e a Justiça consideraram que o catador de material reciclável iria fazer um coquetel molotov.

Maria Aparecida
Mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador em um supermercado e perdeu um olho enquanto estava presa.

Sueli
Condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas em uma loja.

Januário
Espancado por cinco seguranças, durante 20 minutos, no estacionamento de um hipermercado pois acharam que o vigilante estava roubando o próprio automóvel.

Domingos
Assassinado ao tentar entrar em uma agência bancária. Não adiantou ele mostrar um documento comprovando que usava um marca-passo, o que faria e a porta-giratória apitar: levou bala.

Franciely
Acusada de ter roubado duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em um hipermercado.

Ademir
Assassinado por ter furtado coxinhas, pães de queijo e creme para cabelo de um supermercado. O pedreiro foi levado até um banheiro, agredido com chutes, socos e um rodo e deixado trancado, definhando. Morreu por hemorragia interna e traumatismos.

Maria Baixinha
Assassinada por espancamento, junto a outras sete pessoas em situação de rua no Centro de São Paulo. Na época, policiais militares e seguranças privados foram apontados como responsáveis, que formariam uma espécie de grupo de extermínio.

Valdete
Condenada a dois anos de prisão em regime fechado por ter roubado caixas de chiclete, teve um habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal, pois o princípio da insinificância não se aplicaria, pois não era para saciar a fome.

Walter
Espancado em uma cela para que confessasse o furto de uma máquina de lavar do desembargador Teodomiro Fernandez, crime que ele não cometeu. Cuspindo sangue, pediu pediu que o magistrado fizesse o investigador de polícia interromper a sessão de tortura. “Ele vai parar, quem vai bater agora sou eu”, foi a resposta. Não foram para a cadeia porque o crime prescreveu.

Mas, calma, não precisa se preocupar. Estado e empresas só agiram dessa forma porque esse pessoal era pobre. Se você não se enquadra nessa categoria (e também não é negro, índio, homossexual, transexual, mulher…), fique tranquilo. O Brasil foi feito para você e continua a ser o país mais legal do mundo.

E vai ter Copa!


Nos 185 anos de Tolstói



buscado no Portal Vermelho


Por Urariano Mota.
Desenvolvo nestas linhas uma entrevista que o Diário de Pernambuco publicou em 9 de setembro de 2013, em razão dos 185 anos do gênio universal.
– Por que ler Tolstói?
– A sua leitura, releitura é urgente, porque virou moda o escracho, o medíocre, a ideia vulgar de que o respeito aos oprimidos é algo “politicamente correto”, ou que se pode zombar impune de minorias e pessoas discriminadas. Tolstói põe o dedo na ferida e nos mostra a cara feia ou digna da realidade. E com que arte, e com que aprofundamento de reflexão e revolta. O quanto ele sabe contar uma história em pessoas e personagens vivas.
Ele é um autor que nos enche as medidas, que nos alimenta e nutre numa carência insatisfeita satisfeita contínua. Ler esse gênio da humanidade é como aprender o mundo num salto de conhecimento, e por alcançar esse ponto mais alto querermos outros saltos. Tolstói, para o artista que está dentro de todo homem, em todos os tempos, é um autor imprescindível, sem o qual seremos todos menores, menos homens humanos.
E, importante, Tolstói não brinca de fazer literatura. Nem põe a sua pessoa acima da maioria de todos os homens, fazendo poses de criador.
– Qual a importância da obra?
– Para os escritores em particular, a importância desse gênio foi bem expressa por Thomas Mann:
“A força narrativa dessa obra não tem igual: todo contato com ela traz ao escritor talentoso e receptivo (e uma coisa não pode existir sem a outra) uma enxurrada de força e frescor, de prazer criativo primordial e de sanidade”.
“Assim como um Anteu que se revigora em contato com a terra materna, a criação de Tolstói nos parece terra e natureza. Relê-lo significa livrar-se de qualquer perigo de artificialidade ou de jogo doentio. Com ele se volta ao primordial e sadio, ou a volta àquilo que em nós é saudável e primordial.”
Graciliano Ramos, mais de uma vez, afirmou que Guerra e Paz era o maior romance da literatura mundial. E dizia mais, que nunca havia lido novela melhor que A morte de Ivan Ilitich. Nesse particular, o padre e poeta Daniel Lima uma vez me disse que para ele a maior obra de Tolstói era A morte de Ivan Ilitch.
Agora, para todos nós, escritores e leitores unidos em uma só pessoa: somente conseguimos refletir a obra de Tosltói com superlativos, o que quer dizer: ela é a esperança de que em nós também resida algo menos canalha, algo imenso, de um futuro de fraternidade que a nossa porca vida ainda não permite existir. É a esperança de que poderemos ser um homem melhor, ainda que carreguemos esta ancestralidade animal.
– Que aspectos são mais interessantes na obra do escritor?
– Penso que Tolstói representa para a literatura o que Karl Marx representa para a filosofia. Não no sentido de que ele tenha escrito um romance equivalente a O capital. Não é isso. Mas no sentido de que com ele se instala o desejo de transformar o mundo a partir da literatura. A fazer a transformação do mundo a partir dos seus livros. Tolstói não se satisfazia mais em explicar, descrever ou narrar mundo. Ele queria mudar o mundo com o seu grande romance. E a tarefa foi tão imensa, que no seu sonho impossível ele fundou uma nova religião, o tolstoísmo. Era um louco com o fogo de Deus. Ele sabia que a grande arte se avizinha da utopia da religião.
É sempre destacada, e com muita razão, o que ele realizou em romances únicos, como Guerra e Paz e Ana Karenina. Mas o que dizer, para ficar no mais simples, do seu conto Os três Anciãos, que em algumas editoras chamam de Os três Eremitas? É um conto breve e cortante como quicé, a nos derrubar pela graça, ainda que pregue o valor de um milagre gerado pelo amor absoluto a Deus. Só mesmo lendo para sentir como a mão do mestre põe três velhinhos a correr sobre o mar, por quilômetro sobre as águas, na maior naturalidade. É comovente a ideia que a narração nos deixa, ao opor a ingenuidade de três velhinhos simples, ignorantes dos rituais e do luxo da Igreja, e que, por isso mesmo, conseguem maravilhas.
E o conto Depois do baile? Penso que um escritor, depois de escrevê-lo, poderia dizer-se, “cumpri o meu dever, todos os meus pecados foram pagos”. Nele se ressalta uma imensa vergonha por um ato desonroso, que é mais sensível em pessoas que acabam de se acovardar por egoísmo ou medo. O leitor acaba o conto e em vez de jogá-lo a um canto, pergunta-se a si mesmo, como eu me perguntei e me pergunto até hoje: “quantas vezes isso já não ocorreu a mim nos meus dias?”. Então a imensa desonra do personagem passa a ser do leitor também, porque, afinal, todos cometemos pequenas ou grandes indignidades. E que disfarçamos com discursos enganadores. O que me deixa feliz nesse conto é que Tolstói o escreveu com a idade de 75 anos. Que coisa bonita ele planta em nossos corações, porque se um homem é capaz de um conto tão magnífico nessa idade, isso quer dizer que podemos alimentar a esperança de ter uma atividade criadora por muitos e muitos anos.
Copio de Máximo Górki, no magnífico livro Três Russos, este flagrante de Tolstói:
“Uma tarde, ao crepúsculo, ele lia, piscando os olhos e remexendo as sobrancelhas, uma variante da cena do Padre Sérgio, em que uma mulher se dirige à casa do eremita para seduzi –lo. Quando acabou de ler, levantou a cabeça e, fechando os olhos, pronunciou distintamente:
– Escreve bem isto, o velho! Muito bem!
Isso nele foi de tão admirável simplicidade, sua admiração pela beleza era tão sincera, que não esquecerei jamais a alegria que senti nesse momento, uma alegria que eu não podia nem sabia exprimir, mas que tive também grande pesar em reprimir. Por um instante meu coração cessou de bater, mas depois tudo, em volta de mim, se tinha tornado novo e de um vivificante frescor”.
No Padre Sérgio, o relato a que Górki se refere, há uma intensa e tantalizante cena de sedução do padre, um eremita, que no vigor dos 49 anos quer se entregar de corpo e alma a seu Deus, recolhido em retiro. No entanto, uma bela e rica mulher, por diversão, aposta e leviandade quer testar em um só golpe a própria beleza e a dedicação do eremita. Traduzo um breve trecho de El Padre Sergio, que está online no CiudadSeva, site de língua espanhola:
“– Você não entrará aqui? – perguntou a mulher, rindo –se. – Vou tirar a roupa pra secar.
O padre Sérgio não respondeu e continuou rezando suas orações do outro lado do tabique, com a mesma voz tranquila.
‘Este, sim, é um verdadeiro homem’, pensou ela tirando com dificuldade a bota molhada. Mas por mais que tentasse, não podia tirá-la bem, e isso lhe pareceu engraçado. Riu baixinho, mas sabia que ele ouvia o seu riso, e que esse riso influía nele do modo que ela desejava. Então riu mais alto, e aquele riso alegre, natural e bondoso influiu realmente sobre o padre Sérgio tal como ela queria.
‘A um homem como este se pode amar. Que olhos ele tem! E que rosto mais aberto, mais nobre e mais apaixonado, mesmo que reze muitas orações – pensou ela –. As mulheres não nos enganamos. Tão logo ele aproximou o rosto no vidro da janela e me viu, eu o entendi e soube. Eu li no brilho dos seus olhos. Ele me amou, me desejou. Sim, ele me desejou’, dizia, tirando por fim a bota e depois as meias. Mas para tirar aquelas compridas meias, presas em ligas, tinha que levantar a saia…”.
E mais não falo do Padre e do castigo violento que ele se impôs, como uma confissão de derrota ante a força do sexo. O ato do padre, na violência que se faz, é de aparente desobediência ao impulso irreprimível da carne, como uma lava de vulcão contra a própria incapacidade de abafar o sexo como ele queria. Isso chama a atenção para o criador complexo em Tostói. Ele realiza uma narração impiedosa e captadora do movimento do real, ao mesmo tempo que narra ao lado, ou nas entranhas, por sugestão ou arte do diabo, suas convicções moralistas, aqui e ali se confundindo com um pregador de uma nova igreja. Notem como ele critica uma personagem de Górki, num primeiro e franco contato:
“Tolstói me fez sentar à sua frente e se pôs a falar de Varenka Olessova e de Vinte e seis e uma. Fiquei atordoado pela voz dele, de tal modo falava crua e brutalmente demonstrando que o pudor não era próprio da natureza de uma jovem sadia:
– Uma moça que passou dos quinze anos, que tem um bom físico, deseja que a beijem, que mexam com ela. A razão dela teme ainda o desconhecido, o que ela não compreende, e é o que se chama de castidade, pudor. Mas a carne já sabe que o incompreensível é inevitável, legítimo, e exige que a lei se cumpra, a despeito da razão. No entanto, em casa essa Varenka, que você descreve como boa e forte, tem sensações de anêmica. Isso é falso!”.
Para terminar, outra passagem de Três Russos, em que Tolstói nos deixa uma lição fundamental de literatura, gravada por Máximo Górki:
“– Em Moscou, perto da Torre Sukharev, num beco, vi no outono uma mulher embriagada. Estava deitada, bem junto ao passeio. Do pátio de uma casa vinha se escoando um enxurro de água imunda, que escorria mesmo por sua nuca e suas costas. A mulher deitada nesse molho frio resmungava, agitava-se. Seu corpo recaía, agitando na imundície. Ela, porém, não conseguia se levantar.
Tolstói estremeceu, fechou os olhos, balançou a cabeça e propôs afavelmente:
– Sentemo-nos aqui…. Uma mulher embriagada é a coisa mais horrível e ignóbil que há. Eu quis ajuda-la a se levantar, mas não pude me decidir a isso. Tive um excessivo desgosto: ela estava tão pegajosa, tão molhada; quem a tocasse não teria sido bastante um mês para limpar as mãos. Que horror! E durante esse tempo estava sentado no meio – fio da calçada um rapazinho louro, de olhos pardos, as lágrimas corriam ao longo de suas faces, fungava e repetia numa voz desesperada: “Ma-mãe… então, levante-se”. Ela mexia os braços, dava um grunhido, erguia a cabeça e recaía de novo, flac! com a cabeça na lama.
Calou-se, depois olhando bem em volta de si, repetiu ansiosamente, quase num murmúrio:
– Sim, sim, é horrível! Você tem visto muitas mulheres embriagadas? Muitas, sim, ah, meu Deus! Não descreva isto, não é preciso!
– Por quê?
Olhou-me nos olhos e repetiu sorrindo:
– Por quê?
Depois disse lentamente com um ar pensativo:
– Não sei. Eu disse isso assim… tem-se vergonha de escrever porcarias. E, no entanto, por que não? É preciso escrever sobre tudo…
Lágrimas vieram-lhe aos olhos. Enxugou-as e, sempre sorrindo, olhou o lenço, enquanto as lágrimas continuavam a correr ao longo de suas faces.
– Eu choro. Sou velho e me aperta o coração quando evoco uma lembrança horrorosa.
E me empurrando ligeiramente com o cotovelo:
– Você também quando tiver vivido sua vida, ao passo que tudo permanecerá como dantes, você chorará, e ainda mais do que eu, ‘aos baldes’, como dizem as mulheres do povo. Mas é preciso escrever tudo, sobre tudo. De outra forma o rapazinho louro nos quereria mal, nos censuraria. ‘Não é a verdade, não é toda a verdade’, dirá ele. E ele é severo no que se refere à verdade”.

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Soledad no Recife, de Urariano Mota, está à venda em versão eletrônica (ebook), 

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Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Vermelho. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e de O filho renegado de Deus (Bertrand Brasil, 2013), uma narração cruel e terna de certa Maria, vítima da opressão cultural e de classes no Brasil. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.


sábado, 7 de dezembro de 2013

Morre o amigo dos palestinos


buscado no Bourdoukan


                          Arafat e Mandela, eternos amigos

Nelson Mandela, o homem mais odiado pelos governantes de Israel partiu aos 95 anos.

Nelson Mandela, deixou como legado o apoio incondicional ao povo palestino.

Ficou indignado com a invasão da Líbia e assassinato de Kadafi.

Kadafi, o líder que esteve presente em todas as revoluções de independência das jovens nações africanas.

E dos movimentos revolucionários de todo o mundo, inclusive brasileiros, e que foi barbaramente assassinado pelos truculentos euro-estadunidenses.

É claro que você não lerá uma linha sobre Kadafi e nem sobre o fato de um dos netos de Mandela receber o nome do líder líbio.

Mandela declarou inúmeras vezes que o apartheid israelense contra os palestinos era mais brutal que o apartheid dos brancos sul-africanos contra os negros.

Mas como vivemos num mundo cínico, dominado por monstros travestidos de seres humanos, essas declarações de Mandela serão ignoradas olimpicamente.
                        Mandela e Kadafi