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quinta-feira, 25 de abril de 2013

POR QUE NENHUM MINISTRO DA CULTURA HOMENAGEOU PIXINGUINHA E O DIA NACIONAL DO CHORO?


buscado no Trezentos 

 



Por Carlos Henrique Machado Freitas

No dia 23 de abril se comemora o Dia Nacional do Choro. Trata-se de uma homenagem ao nascimento de Pixinguinha. A data foi criada oficialmente em 4 de setembro de 2000, ou seja, este ano completa 13 anos. Esse tempo atravessou a gestão de cinco ministros da cultura, Weffort, Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda e, agora, Marta Suplicy, sem que nenhum deles ao menos mencionasse, no site do MinC, o aniversário dessa linguagem que se confunde com a própria música brasileira e seu povo.

Poderia expressar qualquer coisa no tempo em que estiveram à frente da pasta da cultura, como, por exemplo, a extraordinária vida e obra do principal homenageado, Pixinguinha. Mas nada. Todos passaram frios e silenciosos pelo amor que o brasileiro tem pela obra deste grande mestre e de tantos outros grandes nomes como Villa Lobos, Nazareth, Garoto, Francisco Mignoni, Anacleto de Medeiros, Jacob do Bandolim, Baden Powel, etc. Uma linguagem de cultura universal, um tipo especial de música popular que não se encontra em qualquer outro lugar do planeta. Um palco de revoluções, de linguagens sonoras que estabelece todas as regras para o que chamamos de música brasileira em sua mais lúdica expressão de desejo.

Mas por que isso no Brasil? É um comportamento praticamente impossível de se descrever. Todos os que por lá passaram, ou têm uma relação com os padrões da arte musical brasileira ou são razoavelmente intelectualizados no campo da música para entender a produção das maravilhas que o choro, do mais clássico ao mais popular, desenvolveu por iniciativa do homem brasileiro, não pela indústria ou por escolas formais, mas pelas calçadas, pelos becos, pelos bares, pelo próprio estilo apaixonado das músicas que nascem nos terreiros nos quatro cantos do país, de forma extremamente densa e que não há nada de formal ou rígido em sua definição como gênero, como estudo ou mesmo como unidade de forma. Aonde se encontra uma linguagem tão rica e com uma latitude tão extraordinária?

O Choro é a peça mais longa de nossa civilização, é o grande disco com um repertório que não tem fim. Os chorões tradicionais são lobos solitários da cultura popular. E desde os primeiros tempos da revolução modernista nas artes brasileiras estavam eles lá inspirando os intelectuais da Semana de Arte Moderna de 22, quando na sala de espetáculos Villa Lobos fez um enorme barulho devorando antropofagicamente os sons estrangeiristas com o clássico musical inspirado no Choro Brasileiro.

Ora, a pergunta é até retórica: quando conseguiremos ganhar alguns degraus nessa estranha compulsão de negar ao máximo o que é criado pelo amplo círculo popular brasileiro? Tanta opulência, tantas auto-honrarias e tanta falta de poesia num mesmo espaço!
Nossos inspirados ministros não tiveram relação, em seus trabalhos, com a excepcional linguagem instrumental brasileira? Isso, a meu ver, é um retrocesso típico de quem na realidade se revela mais próximo do movimento globalizador seletivo do que do próprio povo brasileiro. Buscar adaptar as regras que se multiplicam como um Brasil emblemático para os estrangeiros sem ser para os brasileiros, parece mesmo uma tendência verossímel das relações internas do Ministério da Cultura. Por isso a sincrônica negação à esta criação que se apresenta verdadeiramente rica e cada vez mais viva é incompreensível. Mas, mesmo diante de uma indecisão pasmosa do Ministério da Cultura do Brasil que não consegue se deslocar do assento tradicional para expressar seu respeito a monumentos originalmente brasileiros, como é o caso de Pixinguinha e o choro, eles seguem sendo respeitados como uma das mais ricas manifestações da música universal no mundo todo.

Carlos Henrique Machado é músico, compositor e pesquisador.
www.myspace.com/carloshenriquemachado

 Por



domingo, 3 de março de 2013

MAR: artista igual merda


 






por Bruno Cava 

Ontem, estive com alguns companheiros na inauguração do novo Museu de Arte do Rio (MAR), no lado de fora. O museu passa a fazer parte do complexo urbanístico do Porto Maravilha, um conjunto de grandes obras na área portuária. Considerada por muito tempo “abandonada pelo poder público”, a região contém várias favelas, como o Morro da Providência e o Complexo do Caju. É ocupada na sua quase totalidade por moradias antigas habitadas por pobres. Nos últimos anos, o poder público resolveu cumprir a sua responsabilidade. A prefeitura de Eduardo Paes (PMDB/PT) disparou o projeto de “revitalização”, com faustosos empreendimentos da construção civil. Disso tem resultado a demolição de muitas moradias e o despejo de moradores, em paralelo a operações sistemáticas de recolhimento de camelôs, ocupantes, moradores de rua e dependentes químicos. O Porto Maravilha é uma peça-chave do Banco Imobiliário Carioca, como a prefeitura define o seu modo de governar.
Ontem, pude vislumbrar o resultado da obra do MAR. Vi prédios reformados e limpíssimos, iluminados como numa ópera italiana. Um monumento impecavelmente branco em meio à escuridão da via Perimetral, sempre suja e pixada. O museu fica no velho Palacete Dom João VI, repaginado com um visual modernista, com novos vidros e formas curvas. Dava quase para ouvir a música placidamente vinda do interior. O acesso estava controlado por cercas e tapumes, além de batalhões de agentes da Força Nacional, PM, Guarda Municipal, seguranças privados e agentes disfarçados. Uma depois da outra, chegaram autoridades, empresários, celebridades e outros membros da classe artística. Lucinha Araújo, Zuenir Ventura, Ziraldo, Ana Botafogo e Fernanda Torres estavam lá, além da presidenta Dilma, que elogiou a presença de mais gente nas filas de exposição, signo certo que brasileiro também tem cultura.
Todos esses festejaram, com sorrisos branquíssimos e taças de champagne, o novo espaço e as novas oportunidades que certamente se apresentariam. Para eles, lógico. Era gente bonita para uma cidade que se quer bonita, moderna, clean. No Rio, as ações de higienização/gentrificação se apóiam sobre tamanho consenso que a prefeitura não sentiu pudor em cunhar os conceitos de “choque de ordem” e “remoção democrática”(!),  para o tratamento aplicado às pessoas. Fala-se abertamente em “limpar” os territórios. O sempiterno racismo de classe foi erigido à política pública, com direito à frequente celebração pela TV e os jornais.
O MAR é o primeiro dos três novos megamuseus a ficar pronto. Virá a somar-se ao Museu do Amanhã, também na Zona Portuária, e ao Museu da Imagem e do Som, em Copacabana, no lugar da antiga boate Help, ambos ainda em construção. Os três serão entregues à tutela da Fundação Roberto Marinho. Eles atestam uma opção política dos governos, de privilegiar grandes aparelhos culturais em vez de redes difusas de investimento direto e redistribuição de renda pelos muitos territórios da metrópole, como no modelo dos Pontos de Cultura. Privilegiam, mais uma vez, ainda maior concentração do poder sobre a produção/distribuição nas mãos do conglomerado cultural-midiático que, desde a ditadura, faz as vezes de mídia oficial. Estou falando da Rede Globo.
Vi também, ao redor, lascas no consenso firmado entre governos e o “pessoal da arte”. Lá, do lado de fora da grade, estavam também grupos contraculturais, embora em menor número até que o de agentes de segurança, gritando o seu dissenso. Grupos como o Bloco Reciclato, que batucou na lata em estética destrambelhada. Formado por travestidos, sujos, desritmados, numa bandinha de performáticos, artistas de rua, favelados, acampados da Aldeia Maracanã, em suma, militantes-artistas e artistas-militantes; seu propósito aos poucos convergiu em constranger todo aquele que saísse do evento. Gritando palavras de ordem e interpelando diretamente as pessoas que saíam, o objetivo era romper o bom tom. Sem tocar nas pessoas, agredir essa unanimidade pedante com que se tenta cimentar o consenso ao redor da nova atitude carioca que o MAR representa.
Vimos pelo menos dois convidados escandalizados com o protesto, implorando aos policiais que os escoltassem até o carro. Horrorizados, tremiam ante a “feiúra” e o barulho que, apesar das remoções, ainda insistem à porta. Os PM levavam-nos pelo braço rindo, se divertindo à beça com a covardia elitizada. Carlinhos de Jesus mostrou o dedo para o outro lado da grade. Depois, presenciamos um dos artistas-ícones da Zona Sul, Ernesto Neto, debochando do protesto, perdendo a calma. Com a tropa de choque em segundo plano, é fácil.
Mas o protesto continuou, jogando água na champagne dos convidados.
O prédio do MAR se propõe à expressão crítica e promete expor movimentos de contestação. Gravações, fotos, montagens, instalações baseadas nas lutas urbanas compõem parte do material exposto. Nesse contexto, existem coletivos que acreditam ser possível explorar dele as contradições, atravessando os espaços higienizados. Haveria lugar para os pobres, defendem-se. Fico imaginando a satisfação na cara dos pobres que, depois da fila, terão a possibilidade de verem a si próprios, suas próprias imagens museificadas (e valorizadas), suas estéticas domesticadas (e valorizadas), suas éticas embranquecidas (e valorizadas).
No cubo branco, o sublime dá acesso ao universal. O novo universal, o universal hipster, o universal da diversidade, com lugar, exposição e valorização para todos, — desde que sobre a mesma base homogênea, o mesmo consenso mercadológico e elitista do novo Rio. Os discursos universais da cultura e dos esportes (como se nesses terrenos não tivessem cabimento o conflito e a política) caem como uma luva para governos que precisam de um sólido consenso para não ter pudor em continuar segregando, removendo, explorando e matando. A governabilidade se constrói sobre uma razão e uma sensibilidade superiores.
A ascensão da “nova classe média” e o enriquecimento da velha são acompanhados pela ascensão de novas vanguardas, estilos e artistas, por uma nova extração da classe artística empreendedora, modernosa e industriosamente criativa. Responderam rapidamente aos chamados do poder constituído, para ocupar os espaços abertos pela expansão do “mercado interno” e os fluxos de investimento. Habemus estética! Esses artistas, a serviço da ordem urbana, firmam os valores de beleza, ousadia e verdade de uma socialidade capturada. Sem projetos como o MAR, não pode haver sensibilidade ou beleza que façam ocultar a violência diluída no cotidiano, o racismo e a reação contra as resistências. A cultura institucionalizada chancela o pertencimento de classe, e confere prerrogativas a seus bem vestidos, malhados, sorridentes, ilustrados e debochados produtores de arte e cultura, com cada vez maior visibilidade na mídia oficial, e sempre diante de uma cidade desigual e racista que, com isso, se reproduz.
O nível de despudor chega ao insuportável. É preciso chamar as bruxas para estragar o conto de fadas. Num planeta mesmerizado por criaturas meio retardadas meio fascistas, precisamos dos space invaders, aqueles monstrinhos do videogame com cara feia e que mordem. E assim comunicar a violência da miséria à ação do colonizador, na melhor estética glauberiana. Vamos mostrar a miséria do poder sem romantizações, mas com otimismo afirmativo. Definitivamente, a arte antimercado (logo, antiniilista) não pode estar nesse conjunto de estruturas e mediações da cultura.
Tem-se aí uma arte abaixo da merda, para remeter à merda de artista por Piero Manzoni. São mesmo “artistas orgânicos” à violência institucional, a violência generalizada e racista contra pobre. Mas, pelo menos, a merda tem uma consistência e até certa coragem. Não se resume à pose. A merda afinal é dotada de uma razão superior, enquanto essa arte se resume a feder.