domingo, 30 de junho de 2013

1984, George Orwell: de grátis, 0800, na faixa

 

buscado no Gilson Sampaio 

 


GUERRA É PAZ. LIBERDADE É ESCRAVIDÃO. IGNORÂNCIA É FORÇA
[1939]  

Leia abaixo, um pedacinho e 

Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

Comentário do Brigaboa na redecastorphoto após ler o livro 1984 inteiro: “Qualquer semelhança com o programa PRISM da NSA - Agencia Nacional de Segurança dos EUA, revelado por Edward Snowden, NÃO é mera coincidência”.


George Orwell
Constava que o Ministério da Verdade continha três mil aposentos acima do nível do solo, e correspondentes ramificações no subsolo. Espalhados por Londres havia outros três edifícios de aspecto e tamanho semelhantes. Dominavam de tal maneira a arquitetura circunjacente que do telhado da Mansão Vitória era possível avistar os quatro ao mesmo tempo.
Eram as sedes dos quatro Ministérios que entre si dividiam todas as funções do governo: o Ministério da Verdade, que se ocupava das notícias, diversões, instrução e belas artes; o Ministério da Paz, que se ocupava da guerra; o Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem; e o Ministério da Fartura, que acudia às atividades econômicas. Seus nomes, em Novilíngua: Miniver, Minipaz, Miniamo e Minifarto. 
O Ministério do Amor era realmente atemorizante. Não tinha janela alguma. Winston nunca estivera lá, nem a menos de um quilômetro daquele edifício. Era um prédio impossível de entrar, exceto em missão oficial, e assim mesmo atravessando um labirinto de rolos de arame farpado, portas de aço e ninhos de metralhadoras. Até as ruas que conduziam às suas barreiras externas eram percorridas por guardas de cara de gorila e fardas negras, armados de porretes articulados. Winston voltou-se abruptamente. 


Afivelara no rosto a expressão de tranquilo otimismo que era aconselhável usar quando de frente para a teletela. Atravessou o cômodo e entrou na cozinha minúscula. Saindo do Ministério àquela hora, sacrificara o almoço na cantina, e sabia que não havia na casa mais alimento que uma côdea de pão escuro, que seria a sua refeição matinal, no dia seguinte. Tirou da prateleira uma garrafa de líquido incolor com um rótulo branco em que se lia GIN VITÓRIA. Tinha cheiro enjoado, oleoso, como de vinho de arroz chinês. Winston serviu-se de quase uma xícara de gin, contraiu-se para o choque e engoliu de vez, como uma dose de remédio. Instantaneamente, ficou com o rosto rubro, e os olhos começaram a lacrimejar. A bebida sabia a ácido nítrico, e ao bebê-la tinha-se a impressão exata de ter levado na nuca uma pancada com um tubo de borracha. No momento seguinte, porém, a queimação na barriga amainou e o mundo lhe pareceu mais ameno.
Tirou um cigarro do maço de CIGARROS VITÓRIA e imprudentemente segurou-o na vertical, com o quê todo o fumo caiu ao chão. Puxou outro cigarro, com mais cuidado. Voltou à sala de estar e sentou-se a uma pequena mesa à esquerda da teletela. Da gaveta da mesa tirou uma caneta, um tinteiro, e um livro em branco, de lombada vermelha e capa de cartolina mármore. Por um motivo qualquer, a teletela da sala fôra colocada em posição fora do comum.
Em vez de ser colocada, como era normal, na parede do fundo, donde poderia dominar todo o aposento, fôra posta na parede mais longa, diante da janela. A um dos seus lados ficava a pequena reentrância onde Winston estava agora sentado, e que, na construção do edifício fôra, provavelmente, destinada a uma estante de livros. Sentando-se nessa alcova e mantendo-se junto à parede, Winston conseguia ficar fora do alcance da teletela, pelo menos no que respeitava à vista. Naturalmente, podia ser ouvido mas, contanto que permanecesse naquela posição, não podia ser visto. Em parte, fora a extraordinária topografia do cômodo que lhe sugerira o que agora se dispunha a fazer. Mas fora-lhe também sugerido pelo caderno que acabara de tirar da gaveta. Era um livro lindo. O papel macio, cor de creme, ligeiramente amarelado pelo tempo, era de um tipo que não se fabricava havia pelo menos quarenta anos. Era de ver, entretanto, que devia ser muito mais antigo. Vira-o na vitrina de um triste bricabraque num bairro pobre da cidade (não se lembrava direito do bairro) e fora acometido imediatamente do invencível desejo de possuí-lo. 


Os membros do Partido não deviam entrar em lojas comuns (“transacionar no mercado livre”, dizia-se), mas o regulamento não era estritamente obedecido, porque havia várias coisas, como cordões de sapatos e giletes, impossíveis de conseguir de outra forma. Relanceara o olhar pela rua e depois entrara, comprando o caderno por dois dólares e cinquenta. Na ocasião, não tinha consciência de querê-lo para nenhum propósito definido. Levara-o para casa, às escondidas, na sua pasta.
Mesmo sendo em branco, o papel era propriedade comprometedora.


sábado, 29 de junho de 2013

Ouro de tolo


buscado no CIDADÃODOMUNDO 

 



Por Luiz Lima
 
“Imagine que não exista nenhum país/ (…) Nada por que matar ou morrer/ Nenhuma religião também”. Nos célebres versos de “Imagine”, John Lennon anunciava uma sociedade utópica. E ele iria além da canção: em manifesto, concebeu a tal nação fictícia, batizada de Nutopia. “Sem terra, sem fronteiras, sem passaportes, só pessoas. Nutopia não tem leis que não as cósmicas”, declaravam o ex-beatle e sua esposa, Yoko Ono, em 1973.

No ano seguinte, um roqueiro brasileiro apresentava ao público sua versão da “Sociedade Alternativa”: “Faze o que tu queres, pois é tudo da lei”, cantou Raul Seixas.
Não era coincidência. Cada um à sua maneira, Lennon e Raul bebiam da mesma fonte, que seduzia jovens no mundo inteiro em tempos de descrença nos poderes e nas instituições: a contracultura. Dos hippies aos anarquistas, os anos 1970 abrigaram diversas experiências de rejeição a todos os sistemas políticos estabelecidos, e propostas de comunidades alternativas que colocassem o ser humano como centro da vida social.
No Brasil, esses ventos de contestação coincidiram com o período mais grave do regime militar. No momento em que se prendia, torturava e eliminava quem ousasse se opor ao governo e a censura tomava conta dos meios de comunicação, eis que surge no Rio de Janeiro um jovem baiano tocando rock ‘n’ roll legítimo, ironizando os valores vigentes e pregando coisas estranhas como o egoísmo, o amor livre e a liberdade incondicional do ser humano. Quem era aquele sujeito?
Os agitos de roqueiro haviam começado ainda Salvador, no início da década de 1960, quando o jovem Raulzito fundou a banda Relâmpagos do Rock, depois chamada de The Panthers. Eram as primeiras guitarras elétricas de que se tinha notícia na conservadora capital baiana. Aos 17 anos, fã de Elvis Presley, Raulzito não queria saber de escola, repetiu de ano várias vezes, mas em casa teve acesso à cultura, isolado por horas e dias a fio na biblioteca do pai. Chegou a prestar vestibular, mas abandonou o curso de Direito para se dedicar apenas à música. Em 1967, foi convencido por Jerry Adriani – integrante do já famoso movimento Jovem Guarda, de Roberto e Erasmo Carlos – a ir ao Rio de Janeiro gravar um disco. Convite aceito, naquele mesmo ano foi lançado “Raulzito e Os Panteras”, um fracasso de vendas. O grupo ainda acompanhou Jerry Adriani em alguns shows, mas se desfez, o que obrigou Raul a voltar para Salvador. Em 1970 surgiu nova chance: agora um emprego de produtor-executivo na gravadora CBS. Ele tinha 24 anos e chegava ao Rio para ficar.
Na capital cultural do país, alguns conterrâneos de Raul já chamavam atenção no terreno da arte alternativa. Enquanto Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé comandavam o Tropicalismo, Baby Consuelo, Moraes Moreira e Pepeu Gomes fundavam uma libertária experiência de vida comunitária dedicada à música que resultou no grupo Novos Baianos. Como o roqueiro que chegava, eram todos adeptos do experimentalismo formal, da guitarra misturada a ritmos nacionais, da adoção de novos comportamentos sociais e sexuais e, finalmente, do não-engajamento político. Por isso a contracultura era acusada de “alienada” pela juventude de esquerda, que pegava em armas para lutar contra a ditadura. Acusação um tanto injusta. “Era preciso muita vontade e alguma coragem para ser hippie numa ditadura militar boçal e truculenta. Visados pela polícia, muitos foram confundidos com militantes da resistência armada, presos e torturados por engano”, comenta o produtor musical Nelson Motta no livro Noites tropicais.
Apesar da semelhança estética, Raulzito não entrou na onda de nenhum dos baianos que chegaram antes dele. Sua idéia de “Sociedade Alternativa” seria muito mais radical, e ganharia fortes conotações místicas. Tudo começou em 1971, quando conheceu Paulo Coelho, editor da revista alternativa 2001. Fã de discos voadores, o roqueiro encontrou na revista um artigo sobre o assunto e gostou tanto que resolveu procurar seu autor. Aquelas duas cabeças criativas e alucinadas mergulhariam num mar de referências para conceber canções com temas até então inéditos por aqui. Além da Nutopia de Lennon e Yoko, inspiravam-se em autores clássicos do anarquismo e do individualismo, como Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e Max Stirner (1806-1856).
Mas o grande guru da dupla foi o mago inglês Aleister Crowley (1875-1947). É dele a frase “Faze o que tu queres, pois é tudo da Lei” — a “lei” concebida por Crowley chamava-se Thelema, palavra grega que significa “vontade”. Segundo ele, os desejos humanos não deviam sofrer nenhum tipo de restrição. Considerado satanista por desdenhar as noções de bem e mal e louvar Deus e o Diabo na mesma proporção, Crowley fez a cabeça de várias bandas de rock famosas na época, como Iron Maiden e Led Zeppelin. E também dos Beatles, que estamparam sua foto no meio das celebridades da capa do revolucionário disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967).
Uma inusitada estratégia de marketing proposta por Paulo Coelho levou as primeiras idéias da Sociedade Alternativa aos lares de todo o Brasil. No dia 7 de junho de 1973, Raul Seixas convocou a imprensa para registrar sua aparição em plena Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, violão em punho, cantando a música “Ouro de Tolo”. Deu certo: a cena foi exibida no “Jornal Nacional”, horário nobre da TV. A canção era uma bofetada no conformismo nacional diante das vantagens ilusórias oferecidas pela ditadura:
        Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73
(…)
Eu devia estar contente por ter conseguido tudo que eu quis
Mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado!
(…)
É você olhar no espelho e se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
E que só usa 10% de sua cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para o nosso belo quadro social…

“Ouro de tolo” é o nome que se dava na Idade Média às promessas de falsos alquimistas. Transpondo a idéia para a década de 1970, Raul Seixas reduz a nada as aspirações da classe média que apoiou o milagre econômico da ditadura: a euforia regada pela estabilidade social do cidadão respeitável e por uma visão religiosa conformista era simplesmente um “ouro de tolo”.
A música virou sucesso instantâneo. Contratado pela gravadora Philips, Raul Seixas juntou “Ouro de Tolo” a outras nove canções para lançar seu primeiro LP solo: “Krig-Ha, Bandolo!”, ainda em 1973. O ano seguinte marca uma escalada no projeto de construção da Sociedade Alternativa. Paulo Coelho publica na Revista Planeta uma análise crítica dos movimentos de contestação juvenil da década de 1960, principalmente o dos hippies. Argumenta que, através da poderosa influência dos meios de comunicação, os valores fundamentais dos hippies propagaram-se pelo mundo e foram absorvidos pelo sistema de maneira deformada: sua revolução de valores transformou-se em moda. Citando John Lennon e seu famoso desabafo “O sonho acabou”, Paulo afirma que “a decadência do movimento hippie provocou a mais importante e a mais radical transformação da contracultura: o nascimento das sociedades alternativas”.
E eles não queriam ficar no plano da utopia. Em terreno cedido pela sociedade ocultista Argentum Astrum (ligada à Thelema do mago Crowley), instalam em Paraíba do Sul (RJ) a “Cidade das Estrelas”, para concretizar o sonho libertário. Enquanto isso, saía o segundo disco-solo de Raul, “Gita”, com o hino “Sociedade Alternativa”, a mística Gîtâ (inspirada no texto hindu Bhagavad Gita) e a apoteótica “Trem das sete”, que profetizava “o Mal de braços e abraços com o Bem num romance astral”.
Mas sua primeira canção a despertar a censura viria de outro disco lançado naquele ano: a trilha sonora da novela “O Rebu”, composta por Raul e Paulo Coelho. Na música “Como vovó já dizia”, dois versos foram considerados subversivos – “quem não tem papel dá recado pelo muro” e “quem não tem presente se conforma com o futuro” (substituídas por “quem não tem filé come pão em osso duro” e “quem não tem visão bate a cara contra o muro”).
Em maio de 1974, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) finalmente fechou o cerco. Raul Seixas foi preso e torturado. “Tudo para eu poder dizer os nomes das pessoas que faziam parte da Sociedade Alternativa, que, segundo eles, era um movimento revolucionário contra o governo”, contaria mais tarde.
Nessa fase da ditadura as prisões eram secretas, ao contrário do que costumava ocorrer com as detenções na segunda metade da década de 1960. Após o fim da luta armada, a repressão se voltou contra a resistência cultural ao regime, perseguindo pessoas que expunham suas opiniões através da música e da imprensa. Foi o caso do roteirista e jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto em 1975.
Segundo Sylvio Passos, presidente do Raul Seixas Oficial Fã-Clube, o trauma da prisão e da tortura foi duro para Raul, que sempre chorava ao narrar esses episódios, em conseqüência dos quais desenvolveu uma paranóia que o fez sofrer muito. Depois de libertados, ele e Paulo Coelho exilaram-se nos Estados Unidos. Mas o estrondoso sucesso alcançado por “Gita” – que vendeu 600 mil cópias em todo o Brasil – os animou a voltar.
Ano novo, disco novo, cheio de contundentes mensagens ideológicas. No LP de 1975, “Novo Aeon”, Raul canta a poligamia em “A Maçã”, provoca com o “Rock do Diabo” e radicaliza o individualismo com “Eu sou egoísta”. As composições com Paulo Coelho agora dividem espaço com outros parceiros, como Marcelo Motta. Em breve o mago seguiria seu caminho longe de Raul, para se tornar o maior best-seller brasileiro de todos os tempos. Já o Maluco Beleza não abriria mão de defender suas crenças até o fim. No penúltimo disco que gravou (“A Pedra do Gênesis”, em 1988), um Raul já debilitado pelo alcoolismo revela manter a crença em Crowley na canção “A Lei” – pura transcrição de frases do mestre ocultista. “Todo homem tem direito de pensar o que quiser/ Todo homem tem direito de amar a quem quiser/ Todo homem tem direito de viver como quiser”. Assim viveu Raul Seixas, cuja estrada chegaria ao fim no ano seguinte.
Se hoje a liberdade de expressão é um valor sagrado, muito se deve à abertura proporcionada por livres pensadores como Raul Seixas, que ousaram defender a criação de uma sociedade alternativa à que era imposta pelo sistema político estabelecido num momento em que tal atitude implicava altos riscos.

Luiz Lima é doutor em História Social pela USP e autor do livro Vivendo a sociedade alternativa: Raul Seixas e o seu tempo (Terceira Margem Editora, 2007).



Fonte: Revista de História

A classe trabalhadora brasileira foi a grande penalizada com o golpe civil-militar de 1964. Dessa vez será pior.


buscado no Cappacete


Greve da Cobrasma, Osasco, 1968, assim a ditadura tratava a classe trabalhadora



          A ofensiva da burguesia contra a classe trabalhadora brasileira foi o mote do século XX e prossegue no século atual. Por inúmeras vezes a elite dirigente do país recorreu a soluções de força para fazer valer seus interesses de classe, foi assim em 1935, 1937, 1945, 1954, 1961, 1964, 1968... Desde a democratização, em 1985,  o controle dos rumos do país, exercido pela burguesia (industrial, rural, financeira) tem se dado de forma discreta e dissimulada. Por trinta anos o controle ideológico das massas manteve o Brasil “sob controle”, apesar de todas as contradições verificadas em nossa sociedade. Esse controle começou apresentar limites após a vitória de Lula em 2002.


          A inclusão, pelo consumo, de milhões de brasileiros, foi acompanhada por uma revolução nos meios de comunicação promovida pela internet. A burguesia perdeu o monopólio da informação, seus esquemas de manipulação, via mídia corporativa, começaram a ser denunciados por todo um batalhão de ativistas digitais. A contestação virtual se desenvolveu acompanhada por uma serie de mobilizações concretas, em escala crescente. Todo o poderio de informação da mídia de massas não foi suficiente para eleger seus candidatos nas eleições de 2006, 2010 e 2012. O modelo político-econômico distributivo inaugurado por Lula em 2002, fez com que os incluídos pelo consumo passassem cada vez mais a exigir cidadania. Nesse ponto as coisas começaram a ficar preocupantes para as elites dirigentes do país.


          Se retornarmos cinquenta anos no tempo (1963-64), notaremos muitas semelhanças com a conjuntura atual. Uma classe trabalhadora muito organizada e atuante (muito mais que a de hoje, diga-se de passagem), movimentos políticos eclodindo no campo (atualmente, fenômeno semelhante de observa nos meios urbanos). Um movimento estudantil em ascensão (muito mais coeso que o atual), capaz de obter vitórias e interferir no jogo político. Em contrapartida, via-se uma classe média assustada com o protagonismo dos mais pobres, um sistema de mídia trabalhando full time para desestabilizar a República. Um cenário de desestabilização em âmbito internacional, em boa parte promovido pela interferência direta dos EUA, sócio majoritário e guia das elites neocoloniais latino-americanas (ontem e hoje), pronto a apoiar qualquer medida antidemocrática.


          O filme passado, todos sabemos como terminou, com um país aterrorizado por um Estado repressor e autoritário, governado por uma elite excludente e sádica. Um novo bloco de poder que não mediu esforços para aniquilar todos os seus opositores. Um regime que instituiu um modelo de segurança pública baseado na mais brutal repressão, um modelo que sobreviveu a ditadura e se perpetuou no sistema jurídico-policial brasileiro. Acompanhado de uma lei de imprensa completamente voltada aos monopólios aliados do regime autoritário, que também sobreviveram a ditadura e permaneceram como fiscais da burguesia.


          Muito se fala (com justiça) sobre a ofensiva do regime civil-militar contra os movimentos sociais, brutal e eficiente, mas gostaria de lembrar também outro tipo de violência promovida pela ditadura, a violência econômico-institucional.  Todas as conquistas obtidas pelos trabalhadores, a partir de 1930 (ou mesmo antes), foram atacadas pelos novos donatários do poder. Uma série de medidas de austeridade econômica foram postas em prática, penalizando sobretudo os mais pobres.  Entre 1964 e 1968, o salário mínimo caiu em mais de 50%, no primeiro ano após golpe, mais de quinhentas empresas faliram em São Paulo, o desemprego e a miséria aumentaram, com todos os seus efeitos nocivos subsequentes, como fome, violência, desorganização social. Por outro lado, uma pequena parcela de brasileiros passou a lucrar como nunca, ampliando o fosso social que sempre dividiu o país. Iremos expor abaixo alguns trechos da dissertação “O Grupo de Esquerda de Osasco”, que comentam justamente os efeitos desastrosos dos planos econômicos da ditadura civil-militar para a classe trabalhadora brasileira.


          “ O novo bloco histórico que se apossou do Estado brasileiro em 1964 assumiu a incumbência de superar a grave crise econômica que vitimava o país desde inícios da década. Décio Saes define essa transição autoritária como uma “contra-reforma destinada a criar as condições institucionais indispensáveis à aceleração da acumulação do capital própria a uma etapa monopolista de desenvolvimento capitalista”[1]. Com esse objetivo, foi criado o Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, sob a direção inicial de Roberto Campos, ex-embaixador em Washington, técnico com estreitos vínculos junto ao grande capital internacional, entenda-se o estadunidense. Para o Ministério da Economia foi indicado Octávio Gouvêa de Bulhões, economista que passara pela Escola de Chicago, egresso dos núcleos decisórios do complexo IPES-IBAD. Para a superação da crise foi desenvolvido o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo), sob as ordens do General do Humberto de Alencar Castelo Branco. O Programa pôs em prática “uma política de recessão calculada, cujo sentido é o de preparar as bases institucionais para um processo de concentração de capital que vinha se dando caoticamente. Não se muda o padrão de acumulação, sustentado na expansão do Departamento III (...)”[2].


          O plano estipulou como suas principais metas o combate a inflação, a redução do déficit público, e a retomada do crescimento econômico, sempre em bases monetaristas. A “politica de recessão calculada” penalizou especialmente a classe trabalhadora, pois uma das medidas adotadas pelo PAEG foi um severo controle salarial, logo apelidado de “arrocho”. Foi posto em prática um drástico corte nos gastos públicos, algo que também penalizou especialmente os setores populares; restringiu-se consideravelmente o crédito, gerando falências em série, houve aumento sobre as tarifas públicas, e elevação da taxa de juros. A rigor, a política da dupla Campos-Bulhões foi altamente recessiva, jogou os trabalhadores no sub-consumo, facilitou o processo de concentração de renda, privilegiando os grupos ligados ao capital externo, condenando os setores industriais pequenos e médios a bancarrota, ou a absorção por empresas com maior capacidade de resistência a crise, com destaque para as multinacionais.


          O ponto central do PAEG foi sem dúvida seu programa de controle salarial. Tais ajustes não seriam possíveis dentro do panorama pré-1964, em meio a um sistema que cada vez mais ampliava o protagonismo da classe trabalhadora. Os expurgos iniciais desorganizaram os movimentos sociais, e abriram terreno para as medidas recessivas dos governos militares. Mas não bastava apenas impor a política do arrocho, era necessário regulamentar a ofensiva patronal, dentro de um regime que buscou, durante toda a sua existência, dar respaldo legal a suas medidas de exceção, mesmo em seus períodos mais duros.”  (p. 193-195)



(Tabela IV)

 Evolução do salário mínimo (1959-1970)



Ano
Salário mínimo real
Índice de salário real
Janeiro de 1959
1.735,29
100
Janeiro de 1960
1.204,03
69
Janeiro de 1961
1.475,00
85
Janeiro de 1962
1.406,38
81
Janeiro de 1963
1.304,35
75
Janeiro de 1964
724,14
42
Janeiro de 1965
840,00
48
Janeiro de 1966
849,42
49
Janeiro de 1967
744,02
43
Janeiro de 1968
737,88
43
Janeiro de 1969
732,62
42
Janeiro de 1970
724,91
42

         

           Fonte: DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). Divulgação nº 1/76, p. 10, 19 de abril de 1976. Apud: MOREIRA ALVES, Matia Helena. Op. Cit. p. 140. Dados parciais.  



          A tabela acima descreve em números o que os trabalhadores do período chamaram de arrocho salarial. Notem que em 1967 o valor do salário mínimo equivalia a 43% de seu valor em 1959; no ano seguinte, a situação não se alterou, mas o rendimento nominal dos vencimentos foi ainda menor. Uma comparação entre o custo de vida e o salário médio da categoria dos metalúrgicos, indica que houve perda de 20% do poder aquisitivo na remuneração desse setor no ano de 1965; 25% em 1966, 26% em 1967, e 27% em 1968. Esta tendência vinha desde a década anterior, mas depois de 1964 se intensificou[3]. Sabe-se que a média de inflação durante toda a década de sessenta esteve na casa dos 40%, embora o governo tenha maquiado essas cifras. O poder de compra dos salários não acompanhava o ritmo da inflação, pauperizando amplos segmentos da classe trabalhadora, especialmente os setores menos qualificados[4].


           A política recessiva inaugurada com o PAEG tinha como principal sustentáculo a repressão as classes populares e o controle sobre os sindicatos. O saldo dessa política foi o aumento do desemprego, da carestia de vida, da miséria absoluta; acentuação do êxodo rural, trazendo consigo inchaço urbano e crescimento da violência. Estamos nos referindo ao ciclo 1964-1968, sendo que o auge da recessão do período se verificou no biênio 67/68, antecedendo o breve “milagre econômico”. (p. 207-208)



Sobre o FGTS,


           “O ponto alto da ofensiva econômica contra os assalariados foi sem dúvida a Lei 5.107, criada em 13 de setembro de 1966, posta em prática um ano depois, instrumento legal que institui o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Antes da nova Lei, empregados demitidos sem justa causa tinham direito a uma indenização, que equivalia a um mês de salário para cada ano trabalhado na empresa. Havia também a obrigatoriedade do cumprimento de um mês de aviso prévio antes da dispensa. Empregados com dez anos de casa tinham direito a estabilidade. Esse sistema garantia a segurança dos assalariados no que concerne a rotatividade nos postos de trabalho, e mantinha os salários em patamares relativamente satisfatórios.


           Após a lei 5.107, os empregadores foram desobrigados a pagar indenizações aos funcionários dispensados, e foi abolida a estabilidade. As dispensas em massa tornaram-se corriqueiras, e os custos eram debitados dos salários dos empregados. Pelas novas regras, 8% dos rendimentos mensais dos assalariados passaram a ser depositados no Fundo de Garantia, valor a ser resgatado após dispensa imotivada. Notem que os contratadores não arcavam mais com os custos das demissões, agora financiados pelos próprios dispensados. O FGTS garantiu uma elevada taxa de turn over, e possibilitou uma defasagem crescente nos índices salariais. O novo sistema atendia sobretudo as exigências das empresas multinacionais, desejosas em ampliar sua taxa de exploração da mais-valia e aumentar sua produção. O novo Fundo também contribuiu “para a acumulação de capital, ao funcionar como fonte de crédito para investimento por parte dos empregadores”[5]. A se somar a esse conjunto de fatores, uma Justiça do Trabalho inclinada a ceder as pressões do patronato, as expensas de uma classe trabalhadora super-explorada. (p. 195-196)   



Insatisfação da sociedade e escalada autoritária,


         "Ainda que a inflação tivesse baixado, em relação ao ano anterior, de 87,8% para 55,4%, a política recessiva posta em prática por Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões jogou o país numa séria recessão. Nesse mesmo ano, o setor industrial apresentou uma taxa de crescimento negativa (-4,7%), o salário dos trabalhadores permaneceu congelado, e uma onda de falências penalizou pequenas e médias empresas. Uma sondagem de opinião pública, realizada na Guanabara, deu conta de que 63% dos inquiridos desaprovavam as políticas econômicas do governo[6]. Tal insatisfação seria expressa nas eleições de outubro do ano em questão, que deram vitória a Negrão de Lima na Guanabara, candidato que era alvo da antipatia dos militares linha dura. O mesmo se verificou em Minas Gerais, com a vitória de Israel Pinheiro.


         A resposta de Castelo Branco, pressionado pela linha dura, foi a decretação do AI-2 – fim dos partidos políticos (...) "(p. 86)




Super-exploração,


          “(…) a notável disciplina imperante permitiu a muitas empresas elevar ao máximo a intensidade do trabalho. Face a um rápido aumento da procura, o trabalho em horas extraordinárias generalizou-se de tal modo que já se considera que a jornada de oito horas, consagrada em lei,  foi na prática abolida na maioria das indústrias. (…) Em 1971, para uma população ativa de 7,6 milhões de pessoas, foram registrados 1,4 milhão de acidentes; em 1972, para 8 milhões de trabalhadores, 1,5 milhão de acidentes; em 1973, para uma população ativa um pouco superior a do ano anterior, foi registrado 1,6 milhão. Em números relativos, algo próximo da assombrosa taxa de 20% de ocorrências, um dos mais altos índices do mundo”. Revista Opinião, Nº 83, junho de 1974. Apud: SINGER, Paul. Op. Cit. p. 80-82.  (p. 295)


          Como visto acima, a grande vítima da ditadura civil-militar da ditadura (1964-1985) foi a classe trabalhadora, que pagou diariamente com seu sangue pelos privilégios despudorados das elites golpistas. Essa gente manteve as principais engrenagens do poder nacional em suas mãos. Há cinquenta anos, a mais tênue perspectiva de perda de seus privilégios levou tal grupo a tomar o poder pela força e voltar todas as estruturas do Estado contra o povo. Essa mesma elite não pensará duas vezes para cometer o mesmo crime. O que mostramos acima é uma pequena parte de todos os ataques da burguesia contra os trabalhadores, há muito mais a se denunciar.


          Este texto tem caráter de alerta, não de previsão ou prognóstico, até por que não está a minha altura tal empreitada. Apesar das semelhanças, a conjuntura de 2013 difere em muito da de 1964, a começar pelo fato de não nos encontrarmos em recessão econômica, num panorama internacional de crise. Contudo, certos setores de nossa sociedade estão prontos a encarar uma nova aventura golpista, de consequências imprevisíveis. É preciso barrar essas forças, como dito acima, a conjuntura agora é outra, se eles derem um golpe, os efeitos serão exponencialmente mais nefastos que os de 1964. Vamos ampliar esse debate.



 
[1]                 SAES, Décio. Op. Cit. p. 147

[2]                                                                                                                                                               OLIVEIRA, Francisco de. Op. Cit. p. 92. O Departamento I (indústria de base) seguiu sendo abastecido por empresas multinacionais, após a recuperação do ciclo recessivo, no “período que vai de 1968/71, a indústria de material de transporte (na qual predomina a automobilística) cresceu 19,1% ao ano, a de material elétrico (na qual se inclui a de aparelhos eletrodomésticos e a de eletrono-domésticos) cresceu 13,9% ao ano, ao passo que a indústria têxtil (de consumo predominante entre as classes populares) cresceu apenas 7,7% ao ano, e a de produtos alimentares (idem) 7,5% ano e a de vestuário e calçado s(idem)  6,8% ao ano”. ANTUNES, Ricardo. Op. Cit. p. 107-108 

[3]                 LOPES, Carmem Lúcia Evangelho. Op. Cit. p. 23

[4]                 “Na verdade, o “arrocho” não se fez sentir, igualitária e simultaneamente, sobre todos os níveis salariais, mas seletivamente, atingindo de modo muito mais grave os assalariados menos qualificados cujo nível de ganhos dependia, em maior grau, do poder de barganha da classe em conjunto.” SINGER, Paul. A Crise do “Milagre”. Interpretação crítica da economia brasileira. 7ª Edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1985. p. 57-58

[5]                 Idem p. 118-121
[6]               MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru-SP: Edusc, 2005. p. 98.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Você vai ficar parado assistindo o golpe prosperar?

 

buscado no Blog da Cidadania

 

 







Ao fim da noite de quinta-feira, recebo uma ligação surpreendente tanto pelo autor quanto pelo que disse. E quem disse – e o que disse – importa menos do que aquilo que a chamada me fez concluir: não dá mais para ficar só analisando e comentando o quadro político. Quem luta há uma década para ajudar a sustentar um projeto político-administrativo que melhorou tanto o Brasil não tem o direito de ficar só reclamando do golpe que busca interrompê-lo.
Este Blog se converteu em uma trincheira dos que discordam de uma Onda que engolfou o país e que tem produzido muito mais calor do que luz, se não apenas calor. E o signatário desta página, assim como outros poucos, aceitou, de bom grado, pagar o preço que as catarses impõem a quem se recusa a integrá-las. Tudo em prol do país.
Seria muito fácil todos os que divergimos cedermos, integrarmo-nos à Onda que pretende “mudar o Brasil” marchando pelas ruas “pacificamente” no começo e selvagemente ao fim sob o argumento de que os selvagens são “um pequeno grupo”, o qual, porém, pequeno ou não, é tolerado em praticamente todas essas manifestações, nas quais o desfecho violento já se tornou previsível, sendo poucas aquelas manifestações em que não irrompe.
Em um momento de catarse, com as massas hipnotizadas gritando slogans e exigindo qualquer coisa, e com hordas de soldados da Onda tratando de reprimir toda e qualquer discordância, valendo-se, para tanto, da difamação, do deboche e de insultos, a tentação de se omitir, de calar, de se acovardar, de renegar as próprias crenças é quase irresistível.
Eis porque, ao longo de dezenas de conversas que tive neste fatídico mês de junho, descobri que muitos dos que compartilham a opinião de que essas manifestações são orquestradas e têm fins políticos preferiram subir no muro ou, no limite, adotarem uma causa na qual não acreditam.
Dúzias e mais dúzias de analistas políticos e de cientistas sociais vêm tentando entender um processo que convulsiona o Brasil e que já cobra verdadeiras profissões de fé das pessoas, que têm que exaltar tal processo sob pena de serem excomungadas e banidas, tratadas como portadoras do que o fascismo sempre considera uma doença contagiosa: a discordância.
Na última noite, após aquela conversa telefônica dolorosa e indignante, fui dormir impressionado com uma teoria acadêmica que, posta em prática, incendiou um país continental, pôs as instituições de joelho, paralisou a economia e impôs a ela prejuízos imensos que logo serão conhecidos e, de quebra, matou e feriu pessoas, dividiu compatriotas, enfim, funcionou como uma Onda gigantesca, uma tsunami que varre tudo em seu caminho.
A Onda social é uma teoria acadêmica inspirada em fatos reais e que até virou filme. Die Welle (A Onda) é uma obra alemã. Foi filmada em 2008. O diretor Dennis Gansel inspirou-se no livro homônimo do escritor americano Todd Strasser sobre um experimento social conhecido como “Terceira Onda”. O filme foi um sucesso de bilheteria na Alemanha. Mais de 2 milhões de pessoas o assistiram.
O enredo é eloquente. Em uma escola secundária alemã, um professor tenta provar que o fenômeno nazista poderia se repetir – e o nazismo, como se sabe, começou com um movimento de massas que também pretendeu “mudar” a Alemanha e que, num primeiro momento, conseguiu erguê-la de uma situação social adversa, mas que degringolou para um dos maiores horrores que a humanidade conheceu.
Os alunos da escola do filme não acreditam que uma ditadura poderia ressurgir na Alemanha moderna, então o personagem Rainer Wenger, o professor daquela turma, propõe a ela realizarem um experimento que, em sua concepção, mostraria o quão fácil é manipular as massas.
O professor organiza o grupo de alunos em uma marcha que, executada com perfeita sincronia rítmica, faz com que todos se sintam parte de uma única entidade. Porém, uma aluna se mostra relutante. Reclama de que o experimento atenta contra a individualidade e questiona o objetivo, “a causa” e, por isso, é hostilizada pelos demais e tem que mudar de classe.
O grupo cria um símbolo, que é espalhado na forma de adesivos ou pichações por toda a cidade, uma analogia para o vandalismo em curso hoje no Brasil. No filme, um aluno chega a escalar o prédio da prefeitura para pichar um logo gigante na fachada. Além disso, o grupo faz reuniões em que só membros do movimento podem entrar.
Dali em diante, hostilizar os não-iniciados se torna uma prática incontrolável que, aos poucos, vai descambando para a violência física como a que se viu na manifestação do último dia 20 na avenida Paulista, quando grupos que não obedeceram aos ditames dos manifestantes de não usarem roupas vermelhas foram agredidos violentamente.
A Onda acaba interferindo até na relação do professor experimentalista com sua esposa, professora na mesma escola que ele. Ela percebe que o experimento foi longe demais. Inebriado com o sucesso daquele experimento, porém, o professor acusa a mulher de estar com inveja de seu sucesso e o casal acaba se separando.
Alunos que não se integraram à Onda vão deixando seus membros cada vez mais irritados ao pregarem que é preciso fazê-la parar. No caso desse filme, não havia camisas vermelhas proibidas, como aqui no Brasil, mas camisas brancas que se tornaram o uniforme obrigatório dos membros do movimento, e que os distinguiam dos não-iniciados.
No fim, o que importa é que os que se distinguem da massa catártica por ostentar ou não um símbolo acabam sendo hostilizados por ela. E, como na vida real (na manifestação supracitada), quem ostenta ou deixa de ostentar símbolos e, assim, destaca-se da massa, passa a ser agredido violentamente, seja com palavras ou com golpes.
Abaixo, para quem quiser assistir, a íntegra de Die Welle (A Onda), legendada. O filme tem uma hora e quarenta e dois minutos de duração. Sugiro que quem não assistiu, não perca. Mas, antes, peço que o leitor termine este texto, pois aqui se fará uma exortação a quem discorda e teme o processo convulsivo em que o país mergulhou.



Proponho, a partir daqui, que façamos um exercício de “especulação”. Inventemos, pois, uma situação hipotética. Digamos que um “cacique” de um partido de extrema esquerda e outro de centro-direita como Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, e José Serra, do PSDB, unam-se contra um inimigo comum. Dois líderes políticos de visões absolutamente antagônicas, mas que simpatizam entre si, inclusive ideologicamente (?!).
O “exemplo” é bastante verossímil quando se sabe que um político que foi fundador do PT e candidato do PSOL à Presidência em 2010, como o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, disse, no fim do ano passado, preferir José Serra (PSDB) a Fernando Haddad (PT) na corrida à Prefeitura de São Paulo.
Da união imaginária desses caciques, suponhamos que surgisse um plano. Apesar de Serra ser visto hoje como um ex-esquerdista que se tornou ultraconservador a ponto de se aliar a cristãos fundamentalistas em 2010 para tentar derrotar Dilma Rousseff, o tucano se une a um dito “socialista” como Plínio, que demonstrou que sua ideologia e a do tucano, inexplicavelmente, são compatíveis a ponto de um apoiar o outro.
O partido de Plínio, como se sabe, tem uma enorme ascendência sobre grupos da USP. Como em A Onda, essa influência sobre estudantes pode permitir a elaboração de um experimento social que acaba sendo posto em prática.
Por que estudantes? Porque é na escola que existe o terreno mais fértil para fomentar Ondas, pois, ao contrário de sindicatos e movimentos sociais, a escola reúne as pessoas diariamente, impondo a elas convivência cotidiana. Some-se a isso a influência de professores como o de A Onda, capazes de mobilizar os que tutelam intelectualmente – e, às vezes, muito mais a fundo.
Os próprios estudantes não se dão conta de uma armação política. Deixam-se emprenhar pelos ouvidos e passam a acreditar na “causa”. Estão, pois, de boa-fé. E é nesse espírito que o movimento deles cresce, ganha as ruas e leva consigo um grupo disposto a fazer a parte “suja” do trabalho, que é tornar as manifestações insuportáveis, com atos de vandalismo e violência, buscando a reação de uma polícia famosa pelo seu despreparo e por seu caráter violento.
A violência policial contra meninos e meninas desperta a solidariedade de toda uma nação, que, indignada, produz hordas de cidadãos sem qualquer consciência política, mas que decidem também ir às ruas embriagados pela beleza inerente a um movimento idealista da juventude.
Como em A Onda, muitos querem sentir-se parte de um movimento vitorioso. A covardia da classe política e o oportunismo de impérios de comunicação conservadores produzem a fórmula perfeita para criar no país um clima de Queda da Bastilha, com o “poder” sendo “tomado pelo povo”. Finalmente chegou a hora de “o povo” tomar o poder, pensam as massas.
Como no filme alemão, porém, “as massas” saem de controle. Já nem sabem o que querem. Querem estar nas ruas, intimidando os políticos, mostrando que quem manda são elas. Mas que “povo” é esse? A maioria? Como aferir isso com todos intimidados por ter se tornado politicamente incorreto divergir?
O pequeno experimento social fictício do filme A Onda se transformou numa catarse verdadeira. E gigantesca. Um país que vinha melhorando, de repente se tornou imprevisível. A economia que resistia à maior crise econômica internacional da história da humanidade já caminha para mergulhar em uma hecatombe.
Investidores se recolhem, a economia é paralisada e a incerteza se torna absoluta. Os efeitos das manifestações sobre a economia em breve serão sentidos. E dificilmente serão revertidos, pois os agentes econômicos mergulharam em um turbilhão de desconfiança.
O que fazer? Nós, cidadãos comuns, pouco podemos fazer além de nos organizar em grupos que, por certo, serão pequenos. Mas centros de inteligência e de discussão terão que ser montados. Haverá que atrair pessoas que discordam para se unirem, porque quanto mais sozinhas estiverem mais terão medo de assumir seus pontos de vista.
Este Blog foi o nascedouro de uma das primeiras tentativas de organizar uma reação ao avanço de impérios de comunicação que ora se beneficiam da catarse que se abateu sobre o país. Em 2007, a partir daqui foi fundado o Movimento dos Sem Mídia, que, para quem não conhece, pode ter sua história contada pelo Google.
O MSM promoveu a primeira manifestação contra um império de comunicação do pós redemocratização, em 15 de setembro de 2007, diante do jornal Folha de São Paulo. Dali em diante, além de outras manifestações – algumas reunindo centenas de pessoas – a ONG representou contra impérios de comunicação no Ministério Público sob responsabilidade exclusiva deste que escreve, que cedeu seu nome para desafiar esses grupos empresariais que tanto mal já fizeram ao país, sendo o maior de todos atirá-lo em duas décadas de ditadura militar.
Bem, é no MSM que proponho nos entrincheirarmos. Em um momento como este, porém, sei que não serão muitos os que acorrerão, mas, sejamos quantos sejamos, se formos mais de um já seremos muitos. Sejam 5, 10, 20 ou quantos mais que queiram se reunir para discutir estratégias de reação, já seremos muitos mais do que um só, isolado em sua divergência.
Se você não quer ficar assistindo passivamente o golpe ser dado – do que decorrerá a volta da direita ao poder, com tudo que se sabe que isso encerrará de prejuízo para uma nação que vinha promovendo justiça social como nunca antes na história, com a desigualdade caindo em ritmo inédito –, convido-o a deixar aqui seu comentário de adesão à ideia.
No comentário, peço que informe seu Estado e Cidade. O e-mail você tem que colocar para postar o comentário e, como sabe, não será divulgado. Através desse e-mail vou manter contato. Organizarei um novo diretório de e-mails e vou organizar uma reunião em auditório que já consegui de graça, no qual discutiremos estratégias para fazer a iniciativa crescer.
O signatário desta página tem ideias, os que aderirem poderão trazer outras. Contudo, a discussão não pode ser aberta na internet. A ligação telefônica à qual me referi me induziu a essa crença. A partir daqui o que se fará é mobilização para encontro presencial em ambiente fechado para que se possa planejar de forma reservada os cursos de ação, pois a situação no país fugiu à normalidade.
Neste momento, minha confiança está abalada. Não sei mais distinguir um comportamento do outro. Se você se sente assim e não sabe o que fazer, aguardo seu comentário de concordância. Neste primeiro momento, busco pessoas de São Paulo e adjacências para nos reunirmos. Mas quem for de outros Estados também pode ajudar.
A você que já é filiado ao Movimento dos Sem Mídia, chegou a hora de atuar. Aguardo seu comentário para incluí-lo no novo mailing que será formado, pois vivemos uma nova conjuntura na qual as ideias sofreram mutações incessantes. Assim, é preciso ver quem continua acreditando nas causas que sempre foram abraçadas neste espaço.
Por estar constituído como Organização Não Governamental e por já dispor de alguma estrutura física para reunião e discussão, o Movimento dos Sem Mídia pode ser o instrumento para que quem diverge do que está acontecendo pelo menos possa se agarrar a uma boia salva-vidas. O resgate, porém, já é outra história. Todavia, sem afundar pelo menos pode-se buscar uma fórmula de reagir.
O futuro do país conta com você, ou melhor, com nós. Que tal fazer alguma coisa, então? Agora é com você. Ou “com nós”.

Acompanhe abaixo a versão original

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