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domingo, 23 de dezembro de 2012

A viseira ideológica da direita contra a memória de Marighella



buscado no Vermelho 



 
 Marighella

 
Ideólogo da direita, do tucanato e do Instituto Milennium, o historiador Marco Antonio Villa investe contra Carlos Marighella em artigo publicado na Folha de S. Paulo

Por José Carlos Ruy (*)
(*) Jornalista, editor do jornal comunista Classe Operária e um dos coordenadores do portal Vermelho

O historiador Marco Antonio Villa é um intelectual notável. Notável, primeiro, pelo trânsito entre a esquerda e a direita da qual, hoje, garante a revista Carta Capital, é um dos ideólogos. E faz parte da tropa de choque do Instituto Millenium, a nova confraria alimentada pelo grande capital para tentar repetir, meio século mais tarde, as peripécias conspiratórias do famigerado IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) contra a ordem legal e a democracia durante o governo de João Goulart (1961/1964), e que foi o berço que gerou e embalou o golpe de estado inaugural da ditadura militar no Brasil.

Marco Antonio Villa deixou alguns rastros de sua passagem pela esquerda. Era estudante quando foi interlocutor do historiador marxista Clóvis Moura e preparava sua tese de pós graduação. Chegou inclusive a colaborar na revista Princípios, do PCdoB, na qual escreveu o artigo “O México e a crise do modelo neoliberal”, publicado na edição nº 36, que circulou em fevereiro de 1995, onde defendia que a crise mexicana resultava do “entreguismo do governo Salinas”.

Tempos longínquos! No final da década de 1990 Vila já havia tucanado, ornado das mesmas teses deletérias que manifestou no artigo publicado nesta sexta-feira (21), na Folha de S. Paulo, onde seu alvo é o revolucionário comunista Carlos Marighella, assassinado em 1969 em uma emboscada comandada pelo torturador e assassino de democratas e patriotas Sergio Fleury.

Em 2001, o atual ideólogo da direita envolveu-se numa polêmica jornalística com o deputado comunista Aldo Rebelo, marcada pelo desrespeito a figuras históricas do campo democrático e patriótico.

Villa foi autor de uma obra em 15 fascículos publicada pelo Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, intitulada Sociedade e História do Brasil, onde tratou Tiradentes como uma figura menor a serviço de oligarcas mineiros sonegadores de impostos (desconsiderando a luta contra a dominação portuguesa em que estavam envolvidos). João Goulart, o presidente trabalhista, democrático e nacionalista deposto pelos conspiradores do IBAD em 1964, também teve sua memória desrespeitada naquela obra “histórica” onde Villa simplesmente ocultou a intensa luta social e política (toda luta de classes) do início dos anos 60 sob uma frase bem ao gosto da direita, por seu conteúdo e vulgaridade: João Goulart, escreveu ele, “colocou fogo no circo e depois foi embora quando houve o golpe”.

Pois bem: estas são as credenciais do historiador que investiu, nesta sexta-feira, contra a memória de Carlos Marighela. O artigo é um comentário à biografia Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, de Mário Magalhães, e o próprio título do comentário já indica a miopia política, para dizer o mínimo, de seu autor: “A negação da política contra o regime militar”.

Ele repisa a convencional alegação da direita de que os revolucionários não tem verdadeiro interesse na democracia mas basta lembrar - e um historiador da República tem obrigação de conhecer isso - a atuação de Marighella como deputado constituinte comunista em 1946 para desmentir aquela aleivosia.

Marighella foi um destacado defensor da democracia e dos direitos do povo naquela Constituinte, sendo cotidianamente afrontado pelos parlamentares mais reacionários cuja limitada compreensão de “democracia” a reduzia a um sistema para garantir os privilégios conservadores e manter o povo afastado da política, da luta democrática e do exercício de direitos fundamentais como o de organização partidária e sindical, ou a livre manifestação do pensamento. Marighella, como os demais parlamentares da bancada comunista, foram leões na defesa destes direitos.

Marighella lutou, na legalidade e na clandestinidade, pela ampliação da democracia abarcando todo o povo, pelo fim do arbítrio e das prerrogativas de classe dos setores dominantes, pela igualdade entre todos os cidadãos. Dentro de seu partido - o Partido Comunista do Brasil e, depois de 1961, o Partido Comunista Brasileiro - foi sempre um campeão na luta por mudanças radicais, revolucionárias e patrióticas. Depois do golpe militar de 1964, opôs-se com denodo contra a ilusão reformista que travou a ação revolucionária e, naquela conjuntura de enfrentamento contra a ferocidade sanguinária da direita, escolheu o caminho que lhe pareceu mais adequado, aderindo à luta armada e dirigindo uma das organizações mais destacadas na luta contra a ditadura, a Ação Libertadora Nacional. Pagou essa ousadia com sua vida.

Esta á a história que Marco Antonio Villa tenta enxovalhar com seu comentário. Santa das páginas da biografia escrita por Mário Magalhães o homem simples que foi Marighella. Simples e destemido.

Como fazer política naquele ambiente de repressão feroz, a versão brasileira da violência nazista? Marco Antonio Villa - que, em sua tese de pós graduação, escreveu a história de outro revolucionário, o igualmente destemido dirigente de Canudos, Antonio Conselheiro - não sabe do que está falando. Ou, fiel ao novo evangelho direitista pelo qual reza, esquece.

Villa tenta tirar lições, em seu vitupério contra Marighella. Afirma que a esquerda revolucionária foi “derrotada em todas as batalhas políticas”. Não foi: as sucessivas vitórias eleitorais, desde 2002, que apontam o rumo do lixo da história para a direita, o PSDB e seus aliados, é a demonstração cabal do erro de um historiador que, ele sim, despreza e esquece a história do país, da luta do povo e do heroísmo de seus lutadores de vanguarda.

Resta a Villa o consolo, de considerar, falsamente, que “sobrou o culto personalista”, que é a maneira como ele encara as justas homenagens ao herói do povo cujo centenário foi comemorado este ano. Ele recrimina a Marighela justamente aquilo que foi a marca desse heroísmo e dedicação ao povo e à pátria: "O dever de todo revolucionário é fazer a revolução; o segundo é que não pedimos licença para praticar atos revolucionários; e o terceiro é que só temos compromissos com a revolução", escreveu o dirigente da ALN no auge da luta contra a sanha assassina da ditadura.

O historiador direitista indaga, ao final de suas frágeis e interessadas reflexões sobre a ação revolucionária de Marighella: “para que tudo isso? É a busca do martírio? É a tentativa de colocar seu corpo para o sacrifício ritual da revolução? Anos e anos - fugindo produziram o quê? O que, do pouco que escreveu, poderia ficar para a construção do Estado democrático de Direito? Que ideia serviria para nortear a consolidação da democracia e do respeito aos direitos humanos?”

A vida de Marighella - e a biografia de Mário Magalhães, lida por Villa com este viés tucano/direitista - contém as respostas que ele não conseguiu, não soube ou não quis reconhecer. O Brasil democrático que vem sendo construído nesta nova etapa da história nacional iniciada pela eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência da República em 2002 traz em seu DNA a marca daqueles que, como Marighella, lutaram e deram a vida e incontáveis sacrifícios para derrotar a ditadura, o arbítrio, e abrir as portas do país à democracia. Eles - entre eles Marighella - estão vivos na memória do povo e dos lutadores pela democracia, pelos direitos humanos, pela afirmação nacional.

A viseira ideológica de direita não permite que Villa reconheça os verdadeiros adversários da democracia e do progresso nacional: os herdeiros e saudosistas de 1964, as viúvas do neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, os militantes do Instituto Millenium e da mídia golpista, com os quais ele perfila.

Estes são os obstáculos para a consolidação da democracia no Brasil e a luta contra eles, que continua, é a mesma luta dos que, como Marighella, combateram as ditaduras do Estado Novo e de 1964, os privilégios da elite e a submissão ao imperialismo norte-americano. O resto não passa de chororô de ideólogos da direita, useiros de falar em democracia mas cujas ideias precisam ser combatidas e desmascaradas.



quinta-feira, 1 de março de 2012

Frida Kahlo - uma pequena biografia

Frida Kahlo tinha tudo para ter uma vida inexpressiva e vazia. Quando criança não se interessava por artes, teve poliomielite com 6 anos de idade, que lhe prejudicou a perna esquerda e lhe deu o apelido de perna de pau, com 18 anos sofreu um acidente que lhe deixou acamada e com dores por toda a vida e mesmo assim se tornou uma das pessoas mais icônicas e importantes do século 20.

Ela nasceu em Coyacan, subúrbio da Cidade do México, em 6 de julho de 1907, filha de um imigrante húngaro e uma mexicana mestiça. Devido à poliomielite, inovou costumes usando calças e depois os vestidos exóticos que se tornaram sua marca registrada. Seu sonho era ser médica e estudou com afinco para isso na Escuela Nacional Preparatória, um dos melhores colégios do México. Era uma das 35 mulheres entre o total de 2.000 alunos. Foi lá que Kahlo travou os primeiros contatos com as ideias socialistas e fez parte de um grupo chamado "Cachuchas", que mais tarde teria uma importância cultural proeminente naquele país.

Em setembro de 1925, ao retornar da escola com um amigo, sofreu um terrível acidente quando o ônibus em que viajava colidiu com um trem, matando muitas pessoas. Devido aos ferimentos, Frida passou acamada por vários meses e para se distrair passou a pintar auto retratos que acabaram por dominar seu futuro repertório artístico. A revolução mexicana, que estava acontecendo na época, influenciou o trabalho da artista, já que punha a arte nativa indígena no mesmo patamar da importada da Europa (no caso, espanhola).

Em 1928, um pouco mais recuperada, Frida retomou contato com seus antigos colegas de Escuela e um deles, 21 anos mais velho, o pintor Diego Rivera, se encantou com seu trabalho e a encorajou a continuar pintando. Os dois acabaram se casando em 21 de agosto de 1929 e Kahlo se juntou ao partido comunista mexicano.

Rivera era especialista em pintar murais, muitos deles encomendados pelo governo e, quando o presidente cortou os fundos para esse tipo de trabalho e começou a perseguir inimigos políticos, entre eles os socialistas, o casal se mudou para os Estados Unidos, morando por quatro anos em São Francisco, Nova York e Detroit. Kahlo engravidou duas vezes, mas por decorrência do acidente de 1925, perdeu os bebês. A dor da impossibilidade de ser mãe foi refletida em alguns quadros, como Henry Ford Hospital e Meu Nascimento, ambos de 1932.

Com a queda da ditadura no México e o fim dos patrocinadores na América, Rivera e Frida voltaram ao país em 1934. O casal levava uma vida alternativa, Frida, por exemplo, colecionava amantes mulheres. Rivera até aceitava essa opção da esposa, mas não permitia que ela tivesse casos com outros homens. Acontece que o pintor também tinha suas amantes e, em 1935, Frida descobriu que ele mantinha relações com sua irmã, Cristina Kahlo. Por conta da traição, Frida abandona o marido e, mesmo reatando com o casamento no final daquele mesmo ano, as relações entre eles nunca mais foram as mesmas. Rivera continuou a dar suas escapadas e o mesmo fez Frida. Retornando ao cenário político, o casal peticionou ao presidente Lazaro Cárdenas que desse asilo ao líder soviético Leon Trotsky - que morou com Frida e Diego entre 1937 a 1939. Dizem que Trotsky e Frida tiveram um tórrido caso.

Foi através de Trotsky que Frida foi apresentada ao surrealista francês Andre Breton, que, encantado com o estilo da artista, facilitou sua primeira exposição fora do México, mais especificamente em Nova York. A exibição foi um sucesso tremendo e mais da metade das obras foram vendidas, o que aliviou Frida do encargo de depender do marido. Em 1939, ela foi convidada para ir a Paris e com a ajuda de Marcel Duchamp montou sua segunda exposição. Kahlo odiou a cidade e achou que os surrealistas eram esnobes e intelectuais demais. Além disso, às véperas da Segunda Guerra Mundial, a Europa não estava muito voltada às artes. Dessa época destacam-se Meus Avôs, Meus Pais e Eu e O Suicídio de Dorothy Hale.

Retornando ao México, Frida decidiu se separar de Diego e voltou para a casa dos pais, "A Casa Azul", como é conhecida até hoje. O desespero do divórcio inspirou-a a criar duas obras: As Duas Fridas e Autorretrato com Cabelo Cortado. A separação novamente não durou muito e os dois se casaram novamente em 1940. A Guerra na Europa levou a uma redescoberta americana pelo México e a popularidade de Frida aumentou consideravelmente, assim como a quantidade de exposições de suas obras.

Em 1942, além de ser eleito membro do Seminário de Cultura Mexicana, instituição criada para promover a cultura do país, Frida foi contratada pela Escola de Pintura e Escultura, onde passou a lecionar. Sua saúde, porém, começou a declinar, ainda refletindo o acidente de ônibus. As dores nas costas e no corpo a obrigam a ficar em casa e a usar um colete de aço. Esse sofrimento está em obras como Coluna Partida, de 1944, e o Cervo Ferido, de 1946.

Nos anos 50, mesmo passando por uma série de operações, sua saúde deteriorou-se, obrigando-a a ficar em uma cadeira de rodas e, por fim, confinada em uma cama. Entre seus últimos trabalhos estão Autorretrato com Retrato do Dr. Farill (Farill era o médico que a operou), e Autorretrato com Stalin. Em 13 de julho de 1954, depois de contarir pneumonia, Frida Kahlo faleceu na casa onde nasceu. Atendendo a um pedido seu, o corpo foi cremado e as cinzas ainda se encontram na "Casa Azul", hoje um museu em sua homenagem. Em 2002, a atriz e diretora mexicana Salma Hayek levou às telonas a biografia da pintora no premiado filme Frida.

Pescado do Terra

Fonte: Na Práxis

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Uma biografia de Julio Cortázar

                    http://soylocoporti.com/?p=1487


quarta-feira, 20 de julho de 2011

Biografia mostra o Jango que a ditadura fez sumir

Sanguessugado do Tijolaço


Vale a pena ler o post de Paulo Henrique Amorim sobre o livro “João Goulart, uma Biografia”, recém-lançado pelo historiador Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense, um dos melhores e mais atentos estudiosos do trabalhismo. Ainda não li e assim que o fizer, a obra vai ser comentada aqui.
Pelo que narra Amorim, o livro promete.
Por enquanto, transcrevo um trecho da entrevista de Jorge Ferreira ao caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo:
Qualquer personagem político pode ser chamado de populista, basta não gostar dele. Populista é sempre o outro, o adversário, aquele de quem você não gosta.
Não se trata de um conceito teórico, mas de uma desqualificação política. Eu prefiro nomear os personagens assim como eram chamados na época: Jango era trabalhista, Lacerda, udenista, e Prestes, comunista.
(…)
O governo Goulart foi o auge do projeto trabalhista, que começou com as políticas públicas dos anos 1930, em época de autoritarismo. Mas que se democratizou, se modernizou e se esquerdizou a partir da segunda metade dos anos 1950.
Seus elementos fundamentais foram o nacionalismo, o estatismo, o desenvolvimentismo, a intervenção do Estado na economia e nas relações entre patrões e assalariados, a manutenção e a ampliação dos benefícios sociais aos trabalhadores, a reforma agrária e a liderança política partidária de grande expressão. Creio que muitas dessas tradições inventadas pelos trabalhistas ainda estão presentes entre as esquerdas brasileiras.
João Goulart é, talvez, uma das figuras mais injustiçada e esquecidas da história brasileira. O trabalho de Ferreira, certamente, é uma luz que sua história e seu papel merecem receber. E quem pensa o Brasil precisa conhecer.

Buscado no Gilson Sampaio

Memórias de Gregorio Bezerra

 ANNCOL Brasil 

Em Memórias, o líder comunista repassa sua impressionante trajetória de vida e resgata um período rico da história política brasileira. O depoimento abrange o período entre seu nascimento (1900) até a libertação da prisão em troca do embaixador americano sequestrado, em 1969, e termina com sua chegada à União Soviética, onde permaneceria até a Anistia, em 1979. No exílio começou a escrever sua autobiografia. Analfabeto até os 25 anos de idade e militante desde as primeiras movimentações de trabalhadores influenciados pela Revolução Russa de 1917, Bezerra teve papel de destaque em importantes momentos políticos da esquerda brasileira.

Mais de trinta anos após a publicação das Memórias (1979), de Gregório Bezerra, o lendário ícone da resistência à ditadura militar é homenageado com o lançamento de sua autobiografia pela Boitempo Editorial, acrescida de fotografias e textos inéditos, e em um único volume. O livro conta com a contribuição decisiva de Jurandir Bezerra, filho de Gregório, que conservou a memória de seu pai; da historiadora Anita Prestes, filha de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, que assina a apresentação da nova edição; de Ferreira Gullar na quarta capa; e de Roberto Arrais no texto de orelha. Há também a inclusão de depoimentos de Oscar Niemeyer, Ziraldo, da adovogada Mércia Albuquerque e do governador de Pernambuco (e neto de Miguel Arrais) Eduardo Campos, entre muitos outros.

Em Memórias, o líder comunista repassa sua impressionante trajetória de vida e resgata um período rico da história política brasileira. O depoimento abrange o período entre seu nascimento (1900) até a libertação da prisão em troca do embaixador americano sequestrado, em 1969, e termina com sua chegada à União Soviética, onde permaneceria até a Anistia, em 1979. No exílio começou a escrever sua autobiografia.

Nascido em Panelas, no Agreste pernambucano, a 180 km de Recife, Gregório era filho de camponeses pobres, que perdeu ainda na infância, e com cinco anos de idade já trabalhava com a enxada na lavoura de cana-de-açúcar. Analfabeto até os 25 anos de idade e militante desde as primeiras movimentações de trabalhadores influenciados pela Revolução Russa de 1917, Bezerra teve papel de destaque em importantes momentos políticos da esquerda brasileira, e por conta disso totalizou 23 anos de cárcere em diversos presídios e épocas. Foi deputado federal (o mais votado em 1946) pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), ferrenho combatente do regime militar, e por essa razão protagonizou uma das cenas mais brutais da recém-instalada ditadura pós-golpe de 1964: capturado, foi arrastado por seus algozes pelas ruas do Recife, com as imagens tendo sido veiculadas pela TV no então Repórter Esso. A selvageria causou tamanha comoção que os registros da tortura jamais foram encontrados nos arquivos do exército.

Apesar da dura realidade, Gregório jamais cultivou o ódio ou o rancor. Era por todos considerado um homem doce, generoso. Não foi um homem de letras, mas um grande observador e um brilhante contador de histórias. Assim é que suas páginas são narradas, sem afetações ou hipocrisia, passando pelo interior da mata e do agreste nos tempos de estiagem e seca, pelo Recife, o exílio na União Soviética, a militância no PCB. Dizia ele: “Não luto contra pessoas, luto contra o sistema que explora e esmaga a maioria do povo”.

Em 1983, o Brasil perdeu este que foi um de seus grandes defensores. Para sorte dos que estavam por vir, porém, ele deixou suas memórias recheadas de verdades e esperanças e que, acima de tudo, representam a história de muitos outros “Gregórios” que transformaram o seu destino na luta para transformar a realidade instituída.

Trechos do livro

“Foi o Natal mais farto e rico de alegria a que assisti durante os nove anos e dez meses de minha vida. Além disso, ganhei dois metros de algodãozinho para fazer duas camisas, porque só tinha uma e velha, que já estava virando farrapo. Aproveitei a cumplicidade de vovó e pedi-lhe que me fizesse uma camisa e uma calça, em vez de duas camisas. A velha topou as minhas antigas pretensões. Entretanto a costureira, que foi a minha tia Guilhermina, em vez de me fazer uma calça, fez uma ceroula grande, de amarrar acima do tornozelo. Deram-me para vestir. Achei bonita e até mais bonita do que uma calça, porque me fez lembrar do meu falecido avô, que, quando vivo, somente vestia ceroulas compridas amarradas no tornozelo. Calça só vestia quando ia à feira ou em visita aos domingos.

Afinal, todos aprovaram a ceroula, menos minha irmã Isabel. Ganhei a “batalha” de anos atrás, quando pleiteei uma calça no sítio Goiabeira. Era feliz, agora, e me sentia homem. O Natal e Ano-Novo serviram para minhas exibições de ceroulas compridas e camisa fora da calça.”

“Voltei à rua, tentando ver se alguns operários haviam chegado. Não havia ninguém. Fiz um ligeiro comício para os pequenos grupos que se aglomeravam nas sacadas dos prédios vizinhos, concitando-os a pegar em armas, sob o comando do camarada Luiz Carlos Prestes. Fui aplaudido das varandas por alguns estudantes que ali moravam. Mas o apoio, infelizmente, não passou dos aplausos. Um oficial tentou prender-me, pedindo-me que, pelo amor de Deus, eu me rendesse. Ao chegar a dez metros de mim, apontei-lhe o fuzil e o fiz recuar. Vinha chegando um sargento radiotelegrafista que, de longe, perguntou-me o que havia. Respondi-lhe que, se quisesse lutar pela Aliança Nacional Libertadora, tinha um lugar a sua disposição; se não, caísse fora enquanto era tempo.”

Buscado no  ANNCOL Brasil

terça-feira, 12 de julho de 2011

Novo livro desfaz mitos sobre as FARC-EP



 
Lançado em fevereiro de 2010, o livro Revolutionary social change in Colombia – The origin and direction of the FARC-EP (Pluto Press, EUA, 2010), do sociólogo canadense e professor da Universidade de New Brunswick, James J. Brittain, é considerado um marco no estudo das FARC-EP.
Baseado em extensa bibliografia, pesquisa de campo realizada por anos em meio às FARC-EP e em entrevistas de camponeses e moradores das regiões sob controle da guerrilha, a obra é apontada como referência básica no assunto para os próximos anos.
Ainda sem previsão de lançamento para o português, o prefácio da obra, de autoria de James Petras, foi traduzido com exclusividade para o Jornal A Verdade. Fornecendo uma visão geral da obra e desfazendo alguns mitos sobre as FARC-EP, este prefácio também revela um pouco da história da guerrilha e de sua atual situação.
Prefácio de “Revolutionary social change in Colombia – The origin and direction of the FARC-EP”
James Petras
A prática política da demonização, na qual políticos, jornalistas, autoridades midiáticas e acadêmicos atribuem rótulos depreciativos e comportamentos abomináveis a regimes políticos, líderes e movimentos, baseados em alegações inconsistentes, tem se tornado prática comum. O que é pior, demonizar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) se espalhou de cima para baixo, da direita para a centro-esquerda, da grande mídia para os sites progressistas.
Em anos recentes, nenhum outro movimento sócio-político de massas na América Latina tem sido mais demonizado que as FARC-EP. Talvez esta seja a recompensa do vício à virtude – pois as FARC-EP, como Brittain documenta largamente em seu livro, é o maior, mais duradouro e mais efetivo movimento de insurgência popular no último quarto de século. Em contraste com as críticas raivosas, altamente caricaturais, pobremente informativas e ideologicamente direcionadas emanando da grande mídia, Brittain apresenta uma detalhada pesquisa histórica baseada em fatos empíricos sobre as origens das FARC-EP, sua trajetória organizacional e politica, assim como um rigoroso relato da matriz socioeconômica da qual ela cresce e prospera. Brittain escreveu o estudo definitivo das FARC, o qual será uma referência básica nos anos que estão por vir.
As acusações mais recorrentes e mais sérias vem de Washington e do atual presidente da Colômbia, que denunciou as FARC-EP como organização “criminal terrorista” e “narco-terrorista”. Washington colocou as FARC-EP em sua lista de “organizações terroristas”, uma política que foi subsequentemente seguida pela União Européia – mas não pela maioria dos governos latino-americanos.
O estudo histórico de Brittain desafia essas afirmações demonstrando que as FARC se originaram no início dos anos 1960 como um movimento camponês de rebelião, que expandiu seu apoio territorial e social pelos 40 anos seguintes – particularmente no interior do país – defendendo os interesses dos camponeses das pilhagens dos esquadrões da morte e da repressão militar financiadas pelos senhores de terras.
A propagação do rótulo de “terrorista” aconteceu depois de 11 de setembro de 2001, como parte da ofensiva global militar-ideológica do presidente Bush, apelidada de “Guerra ao terrorismo”. A base ilusória dessa campanha é evidente no período anterior (1999-2001) quando as FARC-EP foram reconhecidas por todos os grandes países da Europa e da América Latina como uma força beligerante, um interlocutor legítimo nas negociações de paz. Durante este período as FARC-EP foram convidadas à França, Espanha, Escandinávia, Países Baixos, México e vários outros países para discutir o processo de paz. Durante o mesmo período os maiores líderes do governo estadunidense e homens de negócios, junto com dezenas de sindicalistas e políticos engajados no assunto alocaram as FARC-EP em uma zona desmilitarizada na Colômbia, onde as Nações Unidas mediavam negociações de paz entre as FARC e o presidente Pastrana. Enquanto Washington se opunha a todo o processo de paz e o presidente Bill Clinton fazia aprovar um pacote multi-bilionário (Plano Colômbia), os EUA não foram capazes de impedir o processo, ou de imputar o rótulo de narco-terrorista às FARC-EP.
Foi apenas depois que Washington declarou guerra ao Iraque e ao Afeganistão, e a grande mídia dominada pelos EUA lançou uma massiva guerra relâmpago de propaganda rotulando todos os críticos e adversários do militarismo global estadunidense, que o rótulo de “terrorista” foi fixado sobre as FARC-EP. Sob intensa pressão da elite midiática e sob o escrutínio do aparato de segurança dos EUA, muitos intelectuais e escritores outrora progressistas submeteram-se e se juntaram ao coro dos que rotulavam as FARC-EP de “terrorista”. O que é surpreendente nas opiniões precipitadas que caluniam as FARC é a absoluta e total ignorância de qualquer faceta de sua história, prática social, apoio político e seus esforços fracassados de assegurar um estabelecimento político. Entre 1984 e 1988, as FARC concordaram em cessar fogo com o regime de Betancur e muitos de seus militantes optaram pela política eleitoral formando um partido político de massas, a União Patriótica. Antes, durante e depois de obter substanciais vitórias nas eleições locais, estaduais e nacionais, os esquadrões da morte assassinaram três dos candidatos presidenciais da União Patriótica. Mais de 5000 ativistas eleitorais foram mortos. As FARC-EP foram forçadas a retornar à oposição armada por causa do terrorismo de massa patrocinado pelos regimes dos EUA e da Colômbia. Entre 1985 e 2008, dezenas de milhares de líderes camponeses, sindicalistas, ativistas de direitos humanos e líderes comunitários, assim como jornalistas, advogados e congressistas foram mortos, presos ou exilados.
Como Brittain demonstra, a campanha do regime apoiado pelos EUA de terror rural e desapropriação de 3 milhões de camponeses é a principal força responsável pelo crescimento das FARC-EP, e não o “recrutamento forçado” e o “narco-tráfico”.
Este livro é baseado em extensas entrevistas de apoiadores das FARC, líderes e camponeses locais cobrindo vários anos, e fornece um relato preciso da relação entre a produção de coca, o comércio de drogas, lavagem de dinheiro, o exército, o sistema político e as FARC. O que suas descobertas revelam é que 95% dos ganhos da cadeia narcótica provem dos partidos políticos, dos oficiais do exército e dos membros do congresso colombiano, todos esses apoiados pelos EUA, além dos bancos estadunidenses e europeus. As FARC cobram uma taxa de tranporte e de carregamento dos compradores da folha de coca em troca de passagem segura pelos territórios controlados por ela.
O livro de Brittain coloca uma questão fundamental para todos os escritores e praticantes da democracia: como alguém pode buscar políticas sociais equitativas e a defesa dos direitos humanos sob um estado terrorista alinhado com esquadrões da morte e financiado e aconselhado por um poder estrangeiro, o qual tem uma política pública de eliminar fisicamente seus adversários? Mesmo atuando como sindicatos legalizados, movimentos camponeses e indígenas e oposição política, eles sofrem altas taxas de atrito; não se passa uma semana sem que sejam relatados assassinatos, desaparecimentos e vôos forçados para o exterior. Corajosos juízes e promotores públicos recebem diariamente ameaças de morte e tem segurança pessoal 24 horas; alguns raramente dormem em suas próprias casas. A política parlamentar, sob ameaças amplamente difundidas, não reforma e nem pode reformar o aparato terrorista, menos ainda fazer justiça aos 4 milhões de camponses deslocados à força de suas comunidades. Sem recurso institucional e enfrentando uma injustiça de longo prazo e em larga escala, a tese de Brittain, de que as FARC-EP representam uma força legítima pela democracia política e pela mudança social é não apenas plausível, mas também altamente convincente.
Tradução de Glauber Ataide

Buscado np Midiacrucis's Blog

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Antonio Conselheiro: um abolicionista da plebe



por Clóvis Moura
O movimento camponês de Canudos, no interior da Bahia, durante o governo de Prudente de Morais, infelizmente ainda não foi estudado em todas as suas diversas vertentes e devida profundidade. A obra de Euclides da Cunha Os sertões tornou-se um clássico literário e aqueles que procuram analisar e interpretar esse acontecimento histórico quase sempre partem de suas informações. Uma pesquisa sistemática e exaustiva, por isto mesmo, ainda não foi feita com a profundidade que o tema merece. Um dos defeitos mais visíveis é ignorar-se a importância de Antônio Vicente Mendes Maciel (O Conselheiro) como líder, agitador e organizador. Ele é sempre visto como um místico, messiânico, quando não um desequilibrado mental. O seu crânio, após a sua degola, foi enviado a Salvador, para estudos médico-legais e antropológicos por cientistas influenciados pela Escola de Lombroso, para serem procurados nele os estigmas do ‘criminoso nato’ (1).
Até hoje, por outro lado, não possui um biógrafo que o estudasse por meio de pesquisas modernas e de uma metodologia satisfatória. O livro de Edmundo Moniz, no particular, que vai nessa direção, ressente-se de falhas teóricas muito acentuadas (2). O certo é que a figura de Antônio Conselheiro é sempre apresentada como se fosse a de uma individualidade mórbida, desligada do contexto social do qual surgiu e sem nenhuma ligação funcional e dinâmica com os problemas e as contradições emergentes da região em que a luta eclodiu.
Por essas razões, poucas vezes é lembrado como abolicionista e pregador para a massa escrava. Mas, esse personagem, que percorreu a partir de 1874 grande parte do território cuja população escrava era considerável, não podia deixar de interessar-se pelos cativos, muitos deles egressos dos quilombos da região ou com a revolta latente em face das condições em que viviam.
Em primeiro lugar, devemos ver as suas raízes étnicas, pois quase todos os que dele se ocuparam afirmam ter sido branco. No entanto, no seu batistério ele é registrado como pardo. Vejamos:
Aos vinte e dois de maio de mil oitocentos e trinta batizei e pus os Santos Óleos nesta Matriz de Quixeramobim ao párvulo Antônio pardo nascido aos treze de março do mesmo ano, filho natural de Maria Joaquina: foram padrinhos, Gonçalo Nunes Leitão e Maria Francisca de Paula. Do que, para constar, fiz este termo em que me assinei. O Vigário Domingos Álvaro Vieira. (3)

Como podemos ver, pela sua certidão de batismo, foi considerado pardo pelo padre que o batizou. Se isto, porém, não é de grande significado para avaliar o seu abolicionismo, serve para repor a verdade. O que é importante é apurar-se se na sua biografia pode se constatar uma postura abolicionista nas suas pregações e mais especialmente se essas prédicas foram dirigidas aos próprios escravos.
Quem toma como fonte de informações de sua vida o texto de Os Sertões de Euclides da Cunha certamente nada encontrará. O seu racismo no particular é evidente pois, como acentua muito bem o professor José Calasans, apoiado em livro que Pedro A. Pinto organizou sobre o vocabulário do livro, as palavras escravo e escravidão não se encontram ali uma vez sequer (4) .
Outras fontes, porém, revelam um Antônio Conselheiro preocupado com a escravidão e a sorte dos cativos, dirigindo-se aos próprios escravos, os quais posteriormente irão engrossar as suas hostes. Ainda o professor Calasans escreve que o jornalista Manoel Benício, correspondente do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, junto às forças em operações contra os jagunços, autor de um bom livro relativo à vida dos conselheiristas e de seu guia, percebeu e registrou a posição adotada pelo "Bom Jesus" em face do problema da escravidão:
"Ignorante e enraizado nos velhos hábitos da administração de então, desconfiado como são todos os sertanejos" escreveu Manuel Benício, "de índole conservadora por nascença, achava que toda reforma na administração e toda inovação na economia política eram um meio de se roubar o povo. Fora contra a introdução do sistema métrico-decimal no comércio e a única reforma que encontrou sua aquiescência mais tarde, em 1888, foi a abolição dos escravos. Talvez porque grande porção de quilombos e mucambeiros acautelassem sua errante cruzada."

Para José Calasans, ele "transmitiu aos escravos os ensinamentos dos Evangelhos. Não estando formulando uma hipótese", prossegue:
Baseamos nossa assertiva num depoimento contemporâneo, perdido nas folhas de uma gazeta baiana de 1897, no auge da luta fratricida. Um italiano, que trabalhava na construção da estrada de ferro Salvador-Timbó, narrou, nesses termos, seu encontro com o peregrino: "Veja como este povo", disse-lhe o Conselheiro apontando a gente que aguardava a sua pregação, "na sua totalidade escrava vive pobre e miserável. Veja como ele vem de quatro e mais léguas para ouvir a palavra de Deus. Sem alimentar-se, sem saber como se alimentará amanhã, ele nunca deixa de atrair pressuroso às palavras religiosas, que, indigno servo de Deus e por ele amaldiçoado, iniciei neste local para a redenção dos meus pecados". No lugarejo mencionado, que outro não era senão Saco, entre Timbó e Vila do Conde, na então província da Bahia, durante o dia quase não havia viva alma. Mais de duas mil pessoas, porém, surgiram de noite, ansiosas para ouvirem os conselhos do Bom Jesus. "Ao anoitecer", prosseguiu o empreiteiro, "começavam a chegar e às 8 horas a praça estava cheia, tendo mais de mil pessoas, todas escravas, e após o sermão, que em seguida um explicava ao outro, visto que somente os vizinhos podiam ouví-lo, todos cantavam as seguintes estrofes: Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, ao que as mulheres e meninos respondiam para sempre seja louvado o santo nome de Maria, e isto até a meia noite, algumas vezes. De manhã não havia pessoa alguma no arraial".
A informação transcrita, documenta, com segurança, as relações do Conselheiro com os escravos da zona citada, que atentamente escutavam a pregação do ‘santo’ de Quixeramobim. Convém esclarecer, desde logo, que na região de Itapicuru, onde Antônio Conselheiro passou grande parte de sua vida de pregador, havia, na época aqui estudada, apreciável número de pequenos engenhos, o que explica a presença de grande quantidade de escravos. Os cativos necessitavam da palavra de conforto e de ajuda do bondoso peregrino, que conforme escreveu o informante acima citado, distribuía apreciáveis quantias às famílias pobres, naturalmente obtidas nas casas dos mais ricos, daqueles senhores de engenhos e negociantes mais generosos. (5).

Convém notar que, na zona de Itapicuru, existiu um quilombo que durante muito tempo deu trabalho às autoridades e do qual certamente Antônio Conselheiro ouvira falar, assim como na região de Tucano, um dos locais que forneceu grande número de adeptos ao Conselheiro. José Calasans, cujo notável trabalho estamos acompanhando, escreve ainda que
Outros elementos poderão ser apresentados no mesmo sentido, isto é, comprobatório do papel desempenhado pelo Conselheiro, junto à população escrava no Nordeste baiano, que ele mais de perto conheceu e assistiu. Num interessante artigo publicado no Jornal de Notícias, da Bahia, edição de 5 de março de 1897, o doutor Cícero Dantas, barão de Geremoabo, proprietário no município de Itapicuru, e prestigioso chefe político, contou que com a abolição da escravatura aumentara o número de acompanhantes do ‘Bom Jesus Conselheiro’. "O povo em massa", declarou Geremoabo, "abandonava suas casas e seus afazeres para acompanhá-lo. Com a abolição do elemento servil ainda mais se faziam sentir os efeitos da propaganda pela falta de braços livre no trabalho. A população vivia como que em delírio ou êxtase e tudo quanto fosse útil ao inculcado enviado de Deus facilmente não prestava. (...) Assim foi escasseando o trabalho agrícola e é atualmente com dificuldade que uma ou outra propriedade funciona, embora sem precisa regularidade". (6)

O mesmo autor, refutando as razões do barão de Geremoabo, afirma que talvez esse chefe conservador tivesse confundido a causa com o efeito, pois não teria sido
Antônio Vicente quem afastou das propriedades agrícolas os negros libertados pela Lei de 1888. O Santo Conselheiro outra coisa não teria feito senão recebê-los e, possivelmente, ampará-los, quando eles próprios, sequiosos de desfrutarem a liberdade alcançada, fugiram dos antigos locais de cativeiro. (...) Não foram poucos os ex-escravos recebidos na comunidade conselheirista. Antonio de Cerqueira Galo, morador em Tucano, localidade baiana donde saíram inúmeros seguidores do Conselheiro, numa carta enviada ao barão de Geremoabo, dando notícias dos habitantes de Canudos, destacou que o contingente de ex-escravos formava a maioria. "Lá os vultos que estão disinvolvendo (sic) a revolta" escreveu o missivista, "é o mesmo Conselheiro com os seus sequazes d’entre estes soldados e desertores de diversos Estados e o povo 13 de maio que é a maior parte." (7)

O depoimento altamente esclarecedor de José Calasans, descobrindo novas fontes de informações que recolocam não apenas o pensamento, mas também, a ação de Antônio Conselheiro em relação ao sistema escravista e suas contradições estruturais, é plenamente corroborado pelas próprias palavras do líder de Canudos no manuscrito que sobreviveu à chacina (sabemos que ele redigiu ou ditou outros que certamente foram destruídos) intitulado Prédicas aos canudenses e um discurso sobre a República (8).
A obra foi encontrada em uma velha caixa, no santuário, por João Pondé, médico baiano que se encontrava na expedição. Afrânio Peixoto recebeu-o de quem o encontrou e fez a doação do mesmo a Euclides da Cunha cuja reação sobre o seu texto ninguém sabe. O certo é que o subestimou, pois refere-se a outros manuscritos encontrados nos escombros, mas silencia sobre este (9).
Dizia Antônio Vicente Mendes Maciel nesse manuscrito, referindo-se à escravidão e à abolição do trabalho escravo:
É preciso, porém, que não deixe no silêncio a origem do ódio que tendes à família imperial, porque sua alteza a senhora Dona Isabel libertou a escravidão, que não fez mais do que cumprir a ordem do céu; porque era chegado o tempo marcado por Deus para libertar esse povo de semelhante estado, o mais degradante a que podia ser reduzido o ser humano; a força moral (que tanto a orna), com que ela procedeu à satisfação da vontade divina, constitui a confiança que tem em Deus para libertar esse povo, (mas) não era suficiente para soar o brado da indignação que arrancou o ódio da maior parte daqueles a quem o povo estava sujeito. Mas os homens não penetram a inspiração divina que moveu o coração da digna e virtuosa princesa para dar semelhante passo; não obstante ela dispor do seu poder, todavia era de supor que meditaria, antes de o pôr em execução, acerca da perseguição que havia de sofrer, tanto assim que na noite que tinha de assinar o decreto da liberdade, um ministro lhe disse: Sua Alteza assina o decreto da liberdade, olhe a República como ameaça; ao que ela não ligou a mínima importância, assinando o decreto com aquela disposição que tanto a caracteriza. A sua disposição, porém, é prova que atesta do modo mais significativo que era a vontade de Deus que libertasse esse povo. Os homens ficaram assombrados com o belo acontecimento, porque já sentiam o braço que sustentava o seu tesouro, correspondendo com a ingratidão e a irresponsabilidade ao trabalho que desse povo recebiam. Quantos morriam debaixo dos açoites por algumas faltas que cometiam; alguns quase nus, oprimidos da fome e de pesado trabalho. E que direi eu daqueles que não levavam com paciência tanta crueldade e no furor do excesso de sua infeliz estrela se matavam? Chegou enfim o dia em que Deus tinha de pôr termo a tanta crueldade, movido de compaixão a favor do seu povo e ordena para que se liberte de tão penosa escravidão. (10) .

Pelo exposto, podemos concluir que Antônio Conselheiro não foi aquele personagem bronco ou louco como se costuma afirmar nos ensaios tradicionais sobre Canudos, mas um agente de dinamização social no período que vai da escravidão e posteriormente de 13 de maio até a luta e a destruição do arraial de Belo Monte. Na primeira fase, reunia os escravos e com eles falava mediante um código de linguagem ligado à simbologia religiosa para denunciar a sua situação e sugerir a necessidade de se libertarem, com isto atraindo, numa região de pequena densidade demográfica na época, cerca de dois mil escravos para ouvirem suas prédicas, segundo testemunha da época.
Em 1897, escreve em um dos seus muitos manuscritos a aprovação que deu à abolição e procura explicar, a seu modo, porque a princesa Isabel estava apoiada nas forças divinas ao assinar a Lei de 13 de Maio, defendendo a necessidade de se acabar com a escravidão que para ele era uma situação que chegava aos limites da degradação humana.
Finalmente, quando os ex-escravos fugiam das terras que simbolizavam para eles a escravidão, Antônio Conselheiro abre-lhes um espaço físico, social e humano no qual eles se integraram, participando ativamente como agentes históricos da comunidade de Canudos até o seu final. Fizeram parte de seu componente militar, religioso e político. Lutaram juntamente com o líder que os reintegrou na sua condição humana. E, antes, quando eram ainda escravos, acenava-lhes com a possibilidade da liberdade, com eles reunindo-se e esclarecendo a possibilidade de mudança social capaz de libertá-los, palavra que era transmitida de boca em boca.
Queremos crer, por tudo isto, que Antônio Conselheiro foi um abolicionista plebeu, atuando na área rural do Nordeste, em uma região em que os líderes tradicionais do abolicionismo nunca atuaram dinamicamente, com uma mensagem dirigida às populações oprimidas e à massa dos escravos descontentes, muitos dos quais, possivelmente, saíam dos quilombos para ouvi-lo.
Notas
1. Quem fez o exame craniométrico de Antônio Conselheiro foram os médicos Nina Rodrigues e Sá de Oliveira, tendo escrito o primeiro que "o crânio de Antônio Conselheiro não apresentava nenhuma anomalia que denunciasse traços de degenerescência: é um crânio de mestiço, onde se associam caracteres antropológicos de raças diferentes". Apesar desta conclusão, Nina Rodrigues não teve dúvidas de escrever que "em Canudos representa de elemento passivo o jagunço que corrigindo a loucura mística de Antônio Conselheiro e dando-lhe umas tinturas das questões políticas e sociais do momento, criou, tornou plausível e deu objeto ao conteúdo do delírio, tornando-o capaz de fazer vibrar a nota étnica dos instintos guerreiros, atávicos, mal extintos ou apenas sofreados no meio social híbrido dos nossos sertões de que o louco como os contagionados são fiéis e legítimas criações. Alí se chocavam de fato, admiravelmente realizadas, todas as condições para uma constituição epidêmica da loucura". Ver RODRIGUES, Nina. As coletividades anormais. São Paulo: Civilização Brasileira, 1939. p.42.
2. MUNIZ, Edmundo. Canudos: a guerra social. Rio de Janeiro: Elo, 1987.
3. Citado por MACEDO, N. Antônio Conselheiro: a morte em vida do beato de Canudos. Rio de Janeiro: Record, 1969. p.42.
4. Ver PINTO, P. A. Os Sertões de Euclides da Cunha: vocabulário e notas lexográficas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930. Para se ter uma posição revisionada do pensamento de Euclides da Cunha em relação à escravidão, ao negro e ao Abolicionismo, veja-se MOURA, Clóvis. Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s. d. p.67-94.
5. CALASANS, J. Antônio Conselheiro e a escravidão. Salvador: s. n., s. d.
6. Idem, ibid.
7. Idem, ibid.
8. CONSELHEIRO, Antônio. Prédicas aos canudenses e um discurso sobre a República. Belo Monte (província da Bahia), 12 jan. 1897 apud NOGUEIRA, A. Antônio Conselheiro e Canudos. São Paulo: Editora Nacional, 1974.
9. Cf. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1933. p.171. Euclides da Cunha refere-se a outros manuscritos encontrados nos escombros, escrevendo ao dar a fonte da transcrição de algumas profecias de Antônio Conselheiro: "Os dizeres dessa profecia estavam escritos em grande número de pequenos cadernos encontrados em Canudos. Os que aí vão, foram, lá mesmo, copiados de um deles pertencente ao secretário do comandante em chefe da campanha".
  1. Antônio Conselheiro, apud CUNHA, E., op. cit., p.47.
Clóvis Moura é sociólogo e escritor, professor examinador de pós-graduação da Universidade de São Paulo, autor de vários livros entre eles Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Inspiração felina: Escritores famosos e seus gatos - por ANDA

Inspiração felina: Escritores famosos e seus gatos

Dizem que escritor é um ser solitário. Que passa seus dias sozinho à procura de inspiração para compor seus escritos. Então, nada melhor do que a companhia de um outro ser igualmente solitário: um gato.

Para diversos escritores, o gato foi não somente uma companhia constante e agradável como serviu também de inspiração em suas criações. Escritores como Mark Twain, Voltaire, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Vitor Hugo e Ernest Hemingway já declararam sua paixão pelos felinos através de seus escritos. Os gatos já serviram até mesmo de inspiração para a elaboração de contos e até poemas inteiros.

Se, como diz o ditado, o cachorro é o melhor amigo do ser humano. Para esses ilustres, o gato é o melhor amigo do escritor.

Delicie-se com algumas fotos de escritores famosos que eram apaixonados por esses animais.

Aldous Huxley
Julio Cortazar e Flanelle
Charles Bukowski
Stephen King
Alberto Moravia
Jean Paul Sartre
William S. Burroughs
Jorge Luis Borges e Pepe
Esse é o Hobsbawm de um dos Provos

Buscado no Provos.Brasil

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cangaceiros

Via Vermelho

Marco Albertim *
A história dá conta de Basílio Quidute de Souza Ferraz como primeiro cangaceiro, autodenominado bispo de Lorena. Depois, José Gomes, o Cabeleira. Joaquim Gomes, o pai, e o negro Theodósio, formaram um grupo apreciado e temido pela população da caatinga de Pernambuco. Os três, capturados por militares, foram enforcados em Recife; em 1876.
Em seguida foi a vez de Manoel Batista de Morais se tornar famoso como Antônio Silvino; tão famoso, posto que também era chamado de Rei do Cangaço, Rifle de Ouro e Governador do Sertão. Jurou vingar a morte do pai, e juntou-se ao bando de Luís Mansidão. Pouco se diz que a violência dos jagunços, a mando de portugueses donos de terras, fora a parideira do cangaço; violência entre famílias rivais abocanhando terras. Os jagunços se alugavam em troca de comida, de dormida.
Antônio Silvino errou absoluto pelo sertão, por quinze anos. Propôs ao governo do Rio Grande do Norte, deixar a vida de erradio em troca da anistia. Com a recusa, foi preso em 1918. Condenado a vinte anos de cadeia, foi indultado por Getúlio Vargas em 1937. Tornou-se funcionário público no Paraná. Na prisão, aderira à religião batista, abjurando o cangaço. Morreu em Campina Grande, em 1944.
O chefe de polícia Ulysses Gerson Alves da Costa escreveu em relatório de 1908, referindo-se a Silvino: “Essas populações criam toda a espécie de obstáculos à ação da polícia, negando esclarecimento aos comandantes das forças e facilitando a fuga dos bandidos”.
A trilha foi seguida pelos grupos de Sebastião Pereira e Praxedes. Em 1917, tocaram fogo em propriedades, arrebataram bichos e mataram gente no município de Malhados. Na seca de 1919, Jatobá de Tacaratu, Águas Belas e Ipanema foram atacadas pelo grupo dos irmãos Porcino – Manoel Antônio e Pedro – e de Antônio Germano.
A família de José Ferreira da Silva, pai de Lampião, vendera a fazenda em Vila Bela e se mudara para Nazaré. Por motivo de roubo de gado. O vizinho, José Saturnino, não manteve a palavra de ficar longe dos Ferreira. Houve troca de tiros. A casa de José Ferreira foi cercada por quinze homens. Virgulino e o tio, Manoel Lopes, reagiram com tiros.
Depois disso, toda a família passou a andar com armas de fogo e punhais, afora as roupas de couro e chapéus de abas largas. Coincidiu de, na época, Sinhô Pereira e Luís Padre errarem por Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas. Por razões de vinganças familiares.
No ataque a Nazaré, Virgulino e seus dois irmãos – Levino e Antônio – aderem a Sinhô Pereira. A polícia ataca a posse da família. Levino é preso. José Ferreira compromete-se a deixar a região se o filho for solto. Vão para Águas Belas, Alagoas. ; perdem o gado, ficam pobres.
As terras de José Saturnino são atacadas em 1920. João, outro filho de José Ferreira, é preso. Lampião ameaça tocar fogo na cidade se o irmão não for solto. A polícia solta João. O pai é morto no ano seguinte. Definitivamente no cangaço, Lampião ganha o apelido por dar tiros rápidos e seguidos, encandeando a noite. Herda de Antônio Silvino o ofício da agiotagem, com o dinheiro extorquido de fazendeiros ou mediante sequestro de políticos e de gente influente. Labareda, que pertencera ao grupo, diz à polícia que o chefe mandava o intermediário cobrar as “notas promissórias”, e dizer ao devedor que “não se confie por estar na cidade grande, porque ele tem quem venha lhe arrancar um olho e levar para guardar no bornal...”*
Antes de se estabelecer com Luís Padre em Minas Gerais como criadores de gado, Sinhô Pereira pede a Lampião que mate o derradeiro dos assassinos de seu irmão, uma pessoa da família Carvalho. Coincide que Lampião também tem os Carvalho como inimigos.
Lampião apeia em Triunfo com o apoio do prefeito e do vigário.
Sérgio Loreto, governador de Pernambuco, confessa ser difícil capturar os cangaceiros, “especialmente os de Lampião”, por terem a cumplicidade dos habitantes. O bando atua em Arcoverde – Rio Branco -, Ipanema, Moxotó, Pajeú, Navio e Brígida.
Estácio Coimbra, governador seguinte, nomeia Eurico de Souza Leão, chefe de polícia. São criadas as volantes – perseguição apenas de cangaceiros. Usam alpargatas de rabicho, as mesmas do cangaço. (continua)
*História do Cangaço – Maria Isaura Pereira de Queiroz

Buscado no Gilson Sampaio



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segunda-feira, 21 de março de 2011

Anísio Texeira - O inventor da escola pública brasileira e o projeto de educação integral

Fonte Blog da Elfi Kurten

"Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública"

BIOGRAFIA
Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité, sertão da Bahia, em 12 de julho de 1900. Após sólida formação adquirida em colégios jesuítas de Caetité e Salvador, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro em 1922 e obteve o título de Master of Arts pelo Teachers College da Columbia University, em Nova York, em 1929. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em março de 1971.

Considerado um dos maiores educadores brasileiros, Anísio Teixeira deixou uma obra pública excepcional que, ainda hoje, está à frente do nosso tempo. Sua formação educacional foi fortemente influenciada pelo pragmatismo do filósofo John Dewey, de quem foi aluno no Teachers College e cujas idéias divulgou no Brasil. Mas foi, sobretudo, nos embates entre a gestão cotidiana da educação e sua visão de futuro, em meio a aliados e adversários, que aprendeu a organizar homens e instituições.

"somente a educação e a cultura poderão salvar o homem moderno e que a batalha educacional será a grande batalha do dia de amanhã"


Leia toda Biografia AQUI



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sexta-feira, 18 de março de 2011

Barack Obama - Biografia I

A biografia oculta dos Obama: Uma família ao serviço da CIA (I)


por Wayne Madsen [*]



O jornalista investigativo Wayne Madsen descobriu arquivos da CIA que documentam as conexões da agência com instituições e indivíduos que figuram com proeminência nas vidas de Barack Obama e sua mãe, pai, avó e padrasto. A primeira parte da sua reportagem destaca as conexões entre Barack Obama Senior e as operações patrocinadas pela CIA no Quênia para combater a ascensão da influência soviética e chinesa nos círculos estudantis, criando ao mesmo tempo condições que impedissem o surgimento de líderes africanos independentes.

. O próprio trabalho do presidente Obama em 1983 para a Business International Corporation, uma fachada da CIA que promovia seminários com os mais poderosos líderes do mundo e usava jornalistas como agentes de influência [NT] no exterior, encaixa-se perfeitamente com as atividades de espionagem para a CIA realizadas por sua mãe, Stanley Ann Dunham, na década de 60, após o golpe na Indonésia, por conta de um certo número de operações de fachada da CIA, incluindo o Centro Leste-Oeste na Universidade do Havaí, a USAID (US Agency for International Development). Dunham conheceu e se casou com Lolo Soetoro, padrasto de Obama, no Centro Leste-Oeste em 1965. Soetoro foi chamado à indonésia em 1965 para atuar como oficial sênior do exército e assistir o general Suharto e a CIA na sangrenta derrubada do presidente Sukarno.

Barack Obama Senior, que conheceu Dunham em 1959 numa aula de russo na Universidade do Havaí, foi parte do que se descreveu como uma ponte aérea de 280 estudantes da África Oriental para os EUA para estudar em vários colégios – simplesmente "ajudados" por uma subvenção da Fundação Joseph P. Kennedy, de acordo com um relato da Reuters, feito de Londres em 12 de setembro de 1960. A ponte aérea foi uma operação da CIA para treinar e doutrinar futuros agentes de influência na África, que se estava tornando um campo de batalha entre os EUA e a União Soviética e a China pela influência entre os países recém independentes ou na iminência de se declararem independentes no continente.

A ponte aérea foi condenada pelo vice-líder do partido de oposição KADU (Kenyan African Democratic Union – União Democrática Afro-queniana) por ter favorecido certas tribos – a maioria Kikuyu e a minoria Luo – contra outras tribos, para favorecer a KANU (Kenyan African National Union - União Nacional Afro-queniana), cujo líder era Tom Mboya, o líder queniano nacionalista e trabalhista que escolheu Obama Senior para uma bolsa de estudos na Universidade do Havaí. Obama Senior, que já estava casado, com um filho pequeno e uma esposa grávida no Quênia, casou-se com Dunham no Mauí em 2 de fevereiro de 1961, e foi também o primeiro estudante africano da universidade. Dunham estava no terceiro mês de gravidez de Barack Obama Junior quando se casou com Obama Senior.

O vice-líder no KADU, Masinda Muliro, de acordo com a Reuters, disse que o KADU enviaria uma delegação aos Estados Unidos para investigar estudantes quenianos que receberam "doações" dos americanos de "assegurar-se de que futuras doações a estudantes quenianos sejam administradas por pessoas genuinamente interessadas no desenvolvimento do Quênia".

. Mboya recebeu da Kennedy Foundation uma doação de US$100 mil, após ter recusado a mesma oferta do Departamento de Estado dos EUA, obviamente preocupado com o fato de que assistência norte-americana direta pareceria suspeita aos políticos quenianos pró-comunistas que suspeitavam que Mboya tivesse laços com a CIA. O projeto Ponte Aérea da África foi subscrito pela Kennedy Foundation e pela African-American Students Foundation. Obama Senior não estava na primeira turma mas numa turma seguinte. A ponte aérea, organizada por Mboya em 1959, incluía estudantes do Quênia, Uganda, Tanganica, Zanzibar, Rodésia do Norte, Rodésia do Sul e Niassalândia.

A Reuters relatou ainda que Muliro denunciou estarem os africanos "perturbados e amargurados" com a viagem dos estudantes selecionados. Muliro afirmou que "foi dada preferência a duas tribos principais [Kikuyu and Luo] e muitos dos estudantes inscritos pelos EUA haviam falhado nos exames preliminares e comuns de admissão, enquanto alguns dos preteridos tinham certificados de primeira classe".

. Obama Senior era amigo de Mboya e também um Luo. Depois de Mboya ter sido assassinado em 1969, Obama Senior testemunhou no julgamento de seu suposto assassino. Obama Senior declarou que foi ameaçado de morte depois de seu testemunho.

Obama Sênior, que trocou o Havaí por Harvard em 1962, divorciou-se de Dunham in 1964. Obama Senior casou-se com uma colega de Harvard, Ruth Niedesand, uma judia americana, que se mudou com ele para o Quênia e teve dois filhos. Eles mais tarde se divorciaram. Obama Senior trabalhou para os ministérios quenianos das Finanças e dos Transportes, assim como para uma empresa de petróleo. Obama Senior morreu num acidente de carro em 1982, e seu funeral foi acompanhado pelos principais políticos quenianos, incluindo o futuro ministro do Exterior Robert Ouko, assassinado em 1990.

Os arquivos da CIA mostram que Mboya foi um importante agente de influência para a CIA, não somente no Quênia mas em toda a África. Um antigo Sumário Secreto Semanal de Inteligência Atual da CIA (Secret CIA Current Intelligence Weekly Summary) datado de 19 de novembro de 1959, afirma que Mboya atuou na detecção de extremistas na segunda Conferência Popular Pan-africana (All-African People's Conference - AAPC) em Tunes. O relatório afirma que "sérios atritos se desenvolveram entre o primeiro-ministro de Gana Kwame Nkrumah e o nacionalista queniano Tom Mboya, que cooperou efetivamente no último dezembro para detectar extremistas na primeira reunião da AAPC em Acra. O termo "cooperou efetivamente" parece indicar que Mboya estava cooperando com a CIA, que elaborou o relatório de operações locais em Acra e Tunes. Enquanto estava "cooperando" com a CIA em Acra e Tunes, Mboya escolheu o pai do presidente dos EUA para receber uma bolsa de estudos e ser levado para a Universidade do Havaí, onde conheceu e se casou com a mãe do presidente Obama.

Um CIA Current Intelligence Weekly Summary anterior, secreto e datado de 3 de abril de 1958, afirma que Mboya "ainda parece ser o mais promissor dos líderes africanos". Outro sumário semanal da CIA, secreto e datado de 18 de dezembro de 1958, intitula Mboya de nacionalista queniano e "um jovem dirigente capaz e dinâmico" do partido da Convenção Popular, que era visto como oponente dos "extremistas" como Nkrumah, apoiado por "representantes sino-soviéticos".

Num antigo relatório secreto da CIA sobre a Conferência Popular Pan-africana de 1961, datado de 1o de novembro de 1961, o conservadorismo de Mboya, juntamente com o de Taleb Slim na Tunísia, são contrastados com as políticas esquerdistas de Nkrumah e outros. Pró-comunistas que foram eleitos para o comitê diretor da AAPC na conferência de Cairo de março de 1961, com a presença de Mboya, são identificados no relatório como Abdoulaye Diallo, secretário-geral da conferência, do Senegal; Ahmed Bourmendjel, da Argélia; Mario de Andrade, de Angola; Ntau Mokhele, da Batusolândia; Kingue Abel, dos Camarões; Antoine Kiwewa, do Congo (Leopoldville); Kojo Botsio, de Gana; Ismail Toure, da Guiné; T. O. Dosomu Johnson, da Libéria; Modibo Diallo, do Mali; Mahjoub Ben Seddik, do Marrocos; Djibo Bakari, da Nigéria; Tunji Otegbeya, da Nigéria; Kanyama Chiume, da Niasalândia; Ali Abdullahi, da Somália; Tennyson Makiwane,da África do Sul, e Mohamed Fouad Galal, da República Árabe Unida.

Os únicos participantes no Cairo a quem foram dados atestados de saúde pela CIA foram Mboya, que parece ter sido informante da agência, e Joshua Nkomo, da Rodésia do Sul, B. Munanka, de Tanganica, Abdel Magid Shaker, da Tunísia, e John Kakonge, de Uganda.

Nkrumah acabou sendo derrubado em 1966 num golpe apoiado pela CIA, enquanto estava em visita de estado à China e ao Vietnã do Norte. A derrubada de Nkrumah pela CIA foi seguida em um ano pela derrubada de Sukarno, em outro golpe que foi associado à família do presidente Obama pelo lado materno. Há suspeitas de que Mboya foi assassinado em 1969 por agentes chineses trabalhando com facções anti-Mboya no governo do presidente Jomo Kenyatta, a fim de eliminar um importante líder político pró-EUA na África. Com a morte de Mboya, todas as embaixadas em Nairobi arriaram suas bandeiras a meio mastro, com exceção da embaixada da República Popular da China.

. A influência de Mboya no governo de Kenyatta estendeu-se até muito depois sua morte, e enquanto Obama Senior estivesse vivo. Em 1975, após o assassinato do político da KANU Josiah Kariuki, um socialista que ajudou a criar a KANU, junto com Mboya e Obama Senior, Kenyatta demitiu três ministros rebeldes do gabinete, "todos com laços pessoais tanto com Kariuki como com Tom Mboya". Esta informação encontra-se nas Notas da Equipe da CIA sobre o Oriente Médio, África e Sul da Ásia, Top Secret Umbra, Handle via COMINT Channels, datado de 24 de junho de 1975. A inteligência no relatório, baseada em sua classificação, indica que a informação foi obtida nas interceptações da Agência de Segurança Nacional (NSA – National Security Agency) no Quênia. Ninguém foi jamais acusado do assassinato de Kariuki.

As interceptações dos associados de Mboya e Kariuki são uma indicação de que a NSA e a CIA também interceptaram Barack Obama Senior, que, como não-americano, teria sido legalmente sujeito, à época, a interceptações executadas pela NSA e pelo Britain's Government Communications Headquarters (GCHQ).
(continua) Aqui II

(NT) Agent of influence: Expressão que designa pessoas cujas ações políticas são orientadas por uma potência estrangeira para seus próprios objetivos.




  • Ver também artigo que trata da intromissão de Barack Obama nos assuntos internos do Quênia: Behind the 2009 Nobel Peace Prize (Por trás do Prêmio Nobel da Paz de 2009), por Thierry Meyssan, Voltaire Network, 19/outubro/2009.

    [*] Jornalista investigativo, escritor e colunista sindicado. Suas colunas apareceram em numerosos jornais e diários. Madsen contribui regularmente para Russia Today. Autor de The Handbook of Personal Data Protection ; Genocide and Covert Operations in Africa 1993-1999 ; Jaded Tasks: Brass Plates, Black Ops & Big Oil-the Blood Politics of George Bush & Co. ; co-autor de America's Nightmare: The Presidency of George Bush II .

    O original encontra-se em http://www.voltairenet.org/article166741.html . Tradução de RMP.


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .  







  • Buscado no Resistir.info



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