domingo, 23 de dezembro de 2012

A viseira ideológica da direita contra a memória de Marighella



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 Marighella

 
Ideólogo da direita, do tucanato e do Instituto Milennium, o historiador Marco Antonio Villa investe contra Carlos Marighella em artigo publicado na Folha de S. Paulo

Por José Carlos Ruy (*)
(*) Jornalista, editor do jornal comunista Classe Operária e um dos coordenadores do portal Vermelho

O historiador Marco Antonio Villa é um intelectual notável. Notável, primeiro, pelo trânsito entre a esquerda e a direita da qual, hoje, garante a revista Carta Capital, é um dos ideólogos. E faz parte da tropa de choque do Instituto Millenium, a nova confraria alimentada pelo grande capital para tentar repetir, meio século mais tarde, as peripécias conspiratórias do famigerado IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) contra a ordem legal e a democracia durante o governo de João Goulart (1961/1964), e que foi o berço que gerou e embalou o golpe de estado inaugural da ditadura militar no Brasil.

Marco Antonio Villa deixou alguns rastros de sua passagem pela esquerda. Era estudante quando foi interlocutor do historiador marxista Clóvis Moura e preparava sua tese de pós graduação. Chegou inclusive a colaborar na revista Princípios, do PCdoB, na qual escreveu o artigo “O México e a crise do modelo neoliberal”, publicado na edição nº 36, que circulou em fevereiro de 1995, onde defendia que a crise mexicana resultava do “entreguismo do governo Salinas”.

Tempos longínquos! No final da década de 1990 Vila já havia tucanado, ornado das mesmas teses deletérias que manifestou no artigo publicado nesta sexta-feira (21), na Folha de S. Paulo, onde seu alvo é o revolucionário comunista Carlos Marighella, assassinado em 1969 em uma emboscada comandada pelo torturador e assassino de democratas e patriotas Sergio Fleury.

Em 2001, o atual ideólogo da direita envolveu-se numa polêmica jornalística com o deputado comunista Aldo Rebelo, marcada pelo desrespeito a figuras históricas do campo democrático e patriótico.

Villa foi autor de uma obra em 15 fascículos publicada pelo Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, intitulada Sociedade e História do Brasil, onde tratou Tiradentes como uma figura menor a serviço de oligarcas mineiros sonegadores de impostos (desconsiderando a luta contra a dominação portuguesa em que estavam envolvidos). João Goulart, o presidente trabalhista, democrático e nacionalista deposto pelos conspiradores do IBAD em 1964, também teve sua memória desrespeitada naquela obra “histórica” onde Villa simplesmente ocultou a intensa luta social e política (toda luta de classes) do início dos anos 60 sob uma frase bem ao gosto da direita, por seu conteúdo e vulgaridade: João Goulart, escreveu ele, “colocou fogo no circo e depois foi embora quando houve o golpe”.

Pois bem: estas são as credenciais do historiador que investiu, nesta sexta-feira, contra a memória de Carlos Marighela. O artigo é um comentário à biografia Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, de Mário Magalhães, e o próprio título do comentário já indica a miopia política, para dizer o mínimo, de seu autor: “A negação da política contra o regime militar”.

Ele repisa a convencional alegação da direita de que os revolucionários não tem verdadeiro interesse na democracia mas basta lembrar - e um historiador da República tem obrigação de conhecer isso - a atuação de Marighella como deputado constituinte comunista em 1946 para desmentir aquela aleivosia.

Marighella foi um destacado defensor da democracia e dos direitos do povo naquela Constituinte, sendo cotidianamente afrontado pelos parlamentares mais reacionários cuja limitada compreensão de “democracia” a reduzia a um sistema para garantir os privilégios conservadores e manter o povo afastado da política, da luta democrática e do exercício de direitos fundamentais como o de organização partidária e sindical, ou a livre manifestação do pensamento. Marighella, como os demais parlamentares da bancada comunista, foram leões na defesa destes direitos.

Marighella lutou, na legalidade e na clandestinidade, pela ampliação da democracia abarcando todo o povo, pelo fim do arbítrio e das prerrogativas de classe dos setores dominantes, pela igualdade entre todos os cidadãos. Dentro de seu partido - o Partido Comunista do Brasil e, depois de 1961, o Partido Comunista Brasileiro - foi sempre um campeão na luta por mudanças radicais, revolucionárias e patrióticas. Depois do golpe militar de 1964, opôs-se com denodo contra a ilusão reformista que travou a ação revolucionária e, naquela conjuntura de enfrentamento contra a ferocidade sanguinária da direita, escolheu o caminho que lhe pareceu mais adequado, aderindo à luta armada e dirigindo uma das organizações mais destacadas na luta contra a ditadura, a Ação Libertadora Nacional. Pagou essa ousadia com sua vida.

Esta á a história que Marco Antonio Villa tenta enxovalhar com seu comentário. Santa das páginas da biografia escrita por Mário Magalhães o homem simples que foi Marighella. Simples e destemido.

Como fazer política naquele ambiente de repressão feroz, a versão brasileira da violência nazista? Marco Antonio Villa - que, em sua tese de pós graduação, escreveu a história de outro revolucionário, o igualmente destemido dirigente de Canudos, Antonio Conselheiro - não sabe do que está falando. Ou, fiel ao novo evangelho direitista pelo qual reza, esquece.

Villa tenta tirar lições, em seu vitupério contra Marighella. Afirma que a esquerda revolucionária foi “derrotada em todas as batalhas políticas”. Não foi: as sucessivas vitórias eleitorais, desde 2002, que apontam o rumo do lixo da história para a direita, o PSDB e seus aliados, é a demonstração cabal do erro de um historiador que, ele sim, despreza e esquece a história do país, da luta do povo e do heroísmo de seus lutadores de vanguarda.

Resta a Villa o consolo, de considerar, falsamente, que “sobrou o culto personalista”, que é a maneira como ele encara as justas homenagens ao herói do povo cujo centenário foi comemorado este ano. Ele recrimina a Marighela justamente aquilo que foi a marca desse heroísmo e dedicação ao povo e à pátria: "O dever de todo revolucionário é fazer a revolução; o segundo é que não pedimos licença para praticar atos revolucionários; e o terceiro é que só temos compromissos com a revolução", escreveu o dirigente da ALN no auge da luta contra a sanha assassina da ditadura.

O historiador direitista indaga, ao final de suas frágeis e interessadas reflexões sobre a ação revolucionária de Marighella: “para que tudo isso? É a busca do martírio? É a tentativa de colocar seu corpo para o sacrifício ritual da revolução? Anos e anos - fugindo produziram o quê? O que, do pouco que escreveu, poderia ficar para a construção do Estado democrático de Direito? Que ideia serviria para nortear a consolidação da democracia e do respeito aos direitos humanos?”

A vida de Marighella - e a biografia de Mário Magalhães, lida por Villa com este viés tucano/direitista - contém as respostas que ele não conseguiu, não soube ou não quis reconhecer. O Brasil democrático que vem sendo construído nesta nova etapa da história nacional iniciada pela eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência da República em 2002 traz em seu DNA a marca daqueles que, como Marighella, lutaram e deram a vida e incontáveis sacrifícios para derrotar a ditadura, o arbítrio, e abrir as portas do país à democracia. Eles - entre eles Marighella - estão vivos na memória do povo e dos lutadores pela democracia, pelos direitos humanos, pela afirmação nacional.

A viseira ideológica de direita não permite que Villa reconheça os verdadeiros adversários da democracia e do progresso nacional: os herdeiros e saudosistas de 1964, as viúvas do neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, os militantes do Instituto Millenium e da mídia golpista, com os quais ele perfila.

Estes são os obstáculos para a consolidação da democracia no Brasil e a luta contra eles, que continua, é a mesma luta dos que, como Marighella, combateram as ditaduras do Estado Novo e de 1964, os privilégios da elite e a submissão ao imperialismo norte-americano. O resto não passa de chororô de ideólogos da direita, useiros de falar em democracia mas cujas ideias precisam ser combatidas e desmascaradas.



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