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Autor: Luis Nassif
1.Há três mundos distintos na opinião pública. Um, o mundo da chamada voz das ruas, que elege políticos, de vereadores a presidentes. O segundo, o mundo da opinião pública midiática, controlado por grandes grupos de comunicação. O terceiro, o mundo das instituições,
onde se inserem os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e as
demais instituições constitutivas do Estado: Forças Armadas, Ministério
Público, órgãos de controle, diplomacia etc. Importante: esse mundo,
seja no plano das funções ou familiar, é influenciado majoritariamente
pelo mundo da mídia.
2.O
mundo das instituições é fundamentalmente legalista e formalista, no
sentido de seguir normas, regulamentos e leis. Há maneiras de dar by-pass na
legalidade que seguem sempre o mesmo padrão: denúncias de corrupção,
quebra da ordem econômica e social e, no caso de republiquetas
latino-americanas, o fantasma da subversão. O clima de caos aumenta a
sensação de vácuo de poder e alguém acaba ocupando. Meses atrás
publiquei aqui um extraordinário artigo de Afonso Arinos de Mello
Franco, de 1963. Ele próprio integrante da UDN, mostrava como a oposição
manipulava conceitos que, em 1963, ele já via defasados: como o
fantasma da Guerra Fria. E diagnosticava: se não houver pulso da parte
do governo, termina em golpe militar. Não houve pulso, a conspiração
prosperou e, depois, foi alimentada por manifestações de rua e comícios
que passaram aos militares a ideia de quebra da hierarquia. 1964 foi
fruto do vácuo de poder.
3. A
mídia sempre tem papel central nesses movimentos. Durante meses
criam-se fatos verdadeiros ou não, escandalizam-se meros problemas
administrativos (já que não se consegue produzir escândalos verdadeiros
todo dia), martela-se, martela-se até obnubilar a opinião pública e
consolidar a ideia do caos. As movimentações de rua são consequência e o
melhor álibi para golpes. Se a favor, legitima-os para atender aos
pleitos da opinião pública. Se contra, legitima-os para impedir a
baderna.
4. Em
muitos episódios latino-americanos – quedas de Fernando Collor, no
Brasil, e Carlos Andres Perez, na Venezuela - o golpe ocorreu via
aliança Legislativo-Mídia. Em outros casos – tentativa de derrubada de
Chávez – na aliança entre Mídia e setores das Forças Armadas. Em casos
recentes, na parceria Mídia-Supremo. Em todos os casos, há o clamor da
opinião pública legitimando os golpes.
5. O
atual embate STF x Congresso visa definir quem é a lei. Não se trata de
episódio trivial, briga de egos e quetais. É briga de poder MESMO. Na
eventualidade de um episódio crítico qualquer no futuro, quem conseguir
ser a LEI manobrará todo o universo das corporações públicas. Se não
houver esse momento crítico, cada personagem se recolherá novamente a
seu papel tradicional e a disputa não terá passado de uma briga de egos.
Melhor: de imensos egos.
As peças do jogo no quadro atual
Os
pontos levantados não significam que há uma organização conspiratória
juntando todas essas peças. Deflagra-se um processo e são as
circunstâncias específicas que determinam a dinâmica e conferem um papel
a cada agente.
Entendidos esses aspectos genéricos do jogo de poder, vamos ao quadro atual:
1. O
PT é bom de rua, bom de voto e ruim de instituições. Quando Lula
assumiu, tentou avançar através de dois operadores: José Dirceu e
Antônio Palocci. A estratégia de Dirceu consistia em assumir todo o
know-how de poder desenvolvido por FHC, o controle daquele grande rio
subterrâneo do poder de fato, onde transitam os poderes constituídos,
poderes econômicos, lobistas, parlamentares donos de bancada, técnicos e
sistemas de influência em geral. No início do governo, ainda verde,
essa estratégia levou o partido a "adotar" o esquema Marcos Valério,
legítima criação do PSDB mineiro e que chegou ao Planalto através das
mãos de Pimenta da Veiga, Ministro das Comunicações de FHC. Depois,
aprendeu, mas o pecado original não pode ser exorcizado.
2. O "mensalão" amarrou a ação de ambos os operadores, derrubou-os e, para afastar o fantasma doimpeachment,
Lula, inspirado por Márcio Thomas Bastos, apostou em um republicanismo
ingênuo, no qual FHC jamais embarcou: não indicou o Procurador Geral da
República, usou as indicações do STF (Supremo Tribunal Federal) para
gestos simbólicos, descentralizou as ações da Polícia Federal. E deu
todo o espaço político de que essas estruturas necessitavam para
ambicionar mais espaço político. É movimento típico das burocracias .
Quando não há nenhuma forma de resistência à sua expansão, a tendência é
ocupar espaço. O quadro de quase confronto atual é resultado direto do
vácuo de poder no sistema judiciário, muito mais do que de manobras
conspiratórias.
3. Com
o vácuo, cada ator político – PGR, STF, setores internos da PF – pôde
crescer livremente, sem resistências e sem risco. O PGR Roberto Gurgel
acumulou seu poder empalmando em suas mãos (e no da sua esposa) todos os
processo envolvendo personagens com foro privilegiado. A maneira como
ministros do STF atuaram no "mensalão" – um comparando o partido do
governo ao PCC, outro incluindo falas fora do contexto da própria
presidência da República – é típica de quem, à falta de qualquer tipo de
limites, deixa de supor e passa a acreditar piamente que é Deus
4. Finalmente,
a cobertura exaustiva do julgamento do "mensalão" calou fundo na classe
média – e não apenas na midiática. Graças ao Jornal Nacional, entrou no
imaginário das famílias, das crianças e dos velhos. Acredita-se em um
mar de corrupção incontrolável embora nem se identifiquem bem quem são
os atores.
5. A
lógica que vigorou até agora para Lula e o PT – a cada campanha
midiática a resposta das urnas – vale para eleições, não para o jogo
institucional que se arma.
Cenário da desestabilização
O
que seria um cenário de desestabilização? Esses cenários não são
planejados de antemão, mas frutos de circunstâncias que vão se somando
até virar o rascunho do mapa do inferno. Mostra-se, aqui, uma situação
limite hipotética.
1. Intensificação da campanha midiática em duas frentes: a denuncista e a econômica.
O
"efeito-mensalão" será absorvido com as festas de fim de ano e um
janeiro tradicionalmente morno. Haverá a necessidade de substituí-lo por
outros temas candentes.
A
"denuncista" em tese depende da disposição do PGR e de setores da PF de
abrir inquéritos e vazá-los para a mídia amiga. Há um processo nítido
de auto-alimentação entre mídia e o PGR. Vaza-se o inquérito, monta-se
um estardalhaço; com base no estardalhaço tomam-se outras medidas que
resultam em mais estardalhaço. Tem que se atuar sobre esse cordão
umbilical.
A
econômica dependerá fundamentalmente do desempenho da economia e,
principalmente, dos dados do PIB no primeiro semestre. Como já alertei
aqui, a crítica se concentrará na atuação da Petrobrás no pré-sal, nos
financiamentos do BNDES e no PAC.
2. Reação intempestiva do PT e Lula levando a movimentos de rua, com possibilidade de conflitos.
Leve-se
em conta que a cobertura do "mensalão" tirou do PT o monopólio da
mobilização popular. Agora há espaço para marchas contra a corrupção e
coisas do gênero.
3. Reações do governo que possam ser interpretadas como ameaça às instituições.
4. Supremo sob controle do grupo dos cinco dizendo que, agora, "eu sou a lei" e se impondo para conter o caos.
As estratégias de lado a lado
Entendidos os pontos centrais da disputa, vamos tentar avançar no que poderiam ser as táticas de lado a lado.
Da
oposição, obviamente, é elevar a fervura da água. Para tanto, necessita
manter acesa a parceria com o PGR e com setores serristas da Polícia
Federal para garantir a alimentação de escândalos; e declarações
bombásticas de Ministros do STF para dar solenidade às suposições. E
investir tudo em escândalos permanentes, desses que permitem um
vazamento por dia e duas declarações retóricas de Ministros do STF por
semana.
Enquanto
isto, tratar de alimentar o negativismo do noticiário econômico
superdimensionando notícias negativas e minimizando as positivas.
Da parte do governo, o jogo é o oposto, é baixar a fervura. Significa o seguinte:
1. Considerar
finalizado o episódio "mensalão". Para tanto, o PT terá que dar baixa
no balanço das lideranças atingidas. Do mesmo modo, a Presidência se
afastará cada vez mais do episódio e reforçará o legalismo. No início, a
inação do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, era coisa dele.
Agora, não: é coisa dela.
2. O
MPF é permanente; Roberto Gurgel, passageiro. Como organização
burocrática, disciplinada e legalista, bastará que seja tratado com
respeito e que o governo emita sinais discretos sobre a sucessão de
Gurgel, sem nada que afronte a autonomia relativa do órgão e sem nada
que alimente as fantasias continuístas do grupo de Gurgel.
Automaticamente se formarão novos centros de poder e influência
internos.
3. Em
relação ao STF, o problema não é o órgão, evidentemente, mas a coalizão
circunstancial que permitiu aos "cinco do Supremo" votar em bloco, em
um STF desfalcado, e, com a hegemonia provisória, tornarem-se
celebridades. Havendo normalidade na política e na economia - e acerto
na substituição de Ministros - termina a maioria circunstancial, já que
as Ministras, severas nas suas sentenças, mostraram-se discretas e
legalistas. Celso de Mello voltará a se comportar como lente, Gilmar
como político, Marco Aurélio como outsider, Luiz Fux buscará outras
lâmpadas em torno das quais esvoaçar – bom radar porque especialista em
rodear as lâmpadas que irradiam maior calor. E Joaquim Barbosa…
continuará sendo Joaquim Barbosa.
4. No
plano econômico, torcer para que venha logo a colheita das medidas
plantadas nos dois últimos anos. E melhorar substancialmente as
ferramentas de divulgação dos atos positivos de política econômica. O
reajuste dos combustíveis foi passo importante para devolver à Petrobras
o fôlego financeiro, tirando-a da linha de fogo.
Fatores de atrito
Há
dúvidas no ar, obviamente. A manutenção de um clima de tranquilidade,
com a economia sob controle, será relevante para que a nova formação do
Supremo retorne à discrição e à responsabilidade institucional que se
exige do órgão.
Gurgel e Joaquim Barbosa continuarão ativos. Manterão a parceria? São incógnitas.
A
grande tacada da mídia serão as investidas contra Lula. Essas, sim,
poderão provocar as manifestações de rua que se pretende para ampliar a
percepção de caos político. No MPF, há uma gana para pegar Lula que
transcende a própria figura do PGR.
É
por aí que o bicho pode pegar. E é por aí que deverá se concentrar a
atuação política dos que não pretendem assistir o país pegar fogo.
Nem se ouse apostas sobre quem pode botar mais gente na rua. Entrar nesse jogo é tiro no pé na certa.
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