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No megaprocesso do tenebroso centro clandestino de tortura e assassínio que funcionou da ESMA (Escola de Mecânica da Armada argentina) serão pela primeira vez julgados pilotos dos “voos da morte”. Mas continuam por indiciar os seus mandantes, figuras da hierarquia civil e militar que, ainda antes do golpe militar de 1976,iniciaram a criminosa prática que provocou mais de 5000 vítimas.
(Casapueblos, 03 de Dezembro de 2012)
Os voos da ESMA e os outros que falta investigar
No megaprocesso da ESMA(1) que começou a semana passada serão pela primeira vez julgados pilotos que participaram em voos para exterminar sequestrados. Embora existam testemunhos de outros casos, não há acusados.
Os voos da morte, denunciados por Rodolfo Walsh no primeiro aniversario do golpe de Estado, chegaram a julgamento 35 anos depois. A forma como foi feita a instrução de verdadeiros megaprocessos levou a que os primeiros acusados pela sua actuação específica na fase final do processo de extermínio e desaparecimento levado a cabo pela ditadura não sejam aqueles que deram ordens a aviadores e tripulantes, cuja responsabilidade é mais simples de provar, mas marinheiros e autarcas acusados como executores directos: três por confissões em privado, três por documentos que sobreviveram à destruição sistemática de provas. Enquanto o Tribunal Oral Federal Nº 5, que julga os repressores da ESMA, se dispõe a escutar na primeira pessoa testemunhos de relatos macabros e a Equipa Argentina de Antropologia Forense (EAAF) continua identificando vítimas que o mar devolveu à costa, mantém-se pendente a acusação dos que integravam estruturas e cadeias de comando superiores às dos autores materiais.
O método de arremessar pessoas a partir de aviões e helicópteros foi aplicado pelos três ramos das forças armadas e por várias forças de segurança, inclusivamente antes do golpe de Estado. O suboficial Luis Martínez declarou em 1981 que grupos de trabalho da Segurança Federal interrogavam os sequestrados no terceiro piso da rua Azopardo 680 e em seguida recorriam a voos nocturnos que levantavam de um sector do aeroparque sob custódia da Força Aérea. “Estes factos remontam a 1975-1976 porque logo em seguida começou a funcionar o Club Atlético”, precisou. Tomás Francisco Toconas, militante do PRT sequestrado em 26 de Junho de 1975 em Monteros, Tucumán, foi assassinado e arremessado de um helicóptero, e acabou enterrado como NN (desconhecido) no cemitério de Pozo Hondo, Santiago del Estero. O coronel Albino Zimmermann, chefe de polícia de Antonio Bussi, chegou a gabar-se em reuniões familiares de ter atirado de helicóptero guerrilheiros sobre os montes tucumanos.
Pouco depois do golpe de Estado começaram a aparecer corpos nas praias. Em finais de Abril de 1976, o oceano devolveu seis cadáveres numa zona balnear de Rocha, Uruguai. O sétimo apareceu em 1º de Maio, 150 quilómetros a norte, e foi identificado há apenas dois meses: é Luis Guillermo Vega Ceballos, chileno, militante do PRT, sequestrado em La Boca em 9 de Abril. Com esse dado foram procuradas as impressões digitais de militantes caídos juntamente com Vega Ceballos, um perito de Prefeitura viajou a Rocha e do cotejo com as impressões retiradas do primeiro grupo foi identificado Nelson Valentín Cabello Pérez, também chileno. Não são conhecidos testemunhos dos seus cativeiros e ignora-se onde estiveram.
Em meados de Maio de 1976, sempre no Uruguai, apareceram os corpos atados e torturados de María Rosa Mora e Floreal Avellaneda, sequestrados um mês antes em Vicente López. As impressões digitais de Mora e a tatuagem com as iniciais de Floreal permitiram identificá-los. O jovem de 15 anos foi visto em cativeiro em Campo de Mayo. Dias depois apareceram três corpos em Colonia. Um foi identificado este ano: trata-se de Roque Orlando Montenegro, que tinha sido sequestrado em Fevereiro juntamente com a sua mulher, que continua desaparecida, e a sua filha. Aquela menina, Victoria Montenegro, foi roubada e criada com uma identidade falsa pelo coronel Herman Tetzlaff, oficial de Inteligência de serviço em Campo de Mayo.
Ex hierarcas daquele que foi o maior centro clandestino do país foram condenados pelo caso Avellaneda, entre outros. Os ex membros del Batalhão de Aviação 601, de Campo de Mayo, por seu lado, permanecem impunes. A investigação judicial foi activada no ano passado com a chegada da juíza federal Alicia Vence, que registou os depoimentos de perto 400 instruendos. Vários recordaram ter visto homens e mulheres com vendas e capuzes que eram descarregados de camiões e metidos em helicópteros e aviões com destino desconhecido. Dos restantes corpos aparecidos em costas uruguaias em 1976, o único identificado foi Horacio Adolfo Abeledo, estudante de Antropologia e militante do PRT. Abeledo foi sequestrado em 21 de Julho e o seu cadáver, juntamente com outros três, apareceu em Colonia em Setembro. A sua identidade foi conhecida no ano passado e ignora-se onde esteve em cativeiro.
Em Março de 1977, antes de cair crivado de balas, Walsh denunciou na sua Carta Aberta à Junta Militar que “entre 1500 e 3000 pessoas foram massacradas em segredo”, sugeriu que os corpos aparecidos no Uruguai eram parte “do carregamento de torturados até à morte na ESMA” e assinalou que se arrojavam “prisioneiros ao mar a partir dos transportadores da Primeira Brigada Aérea” de El Palomar. Os testemunhos de 33 instruendos permitiram ao inquiridor Federico Delgado confirmar esse dado: houve voos da morte que partiram de El Palomar e que foram realizados com aviões Hércules C-130 e Fokker F-27. O juiz Daniel Rafecas fez suas as conclusões da investigação, que incluiu mais de 600 testemunhos de militares e empregados civis, mas nem o chefe da base está indiciado por esse delito. O motivo: não há vítimas identificadas.
Em Junho e Julho de 1977 realizaram-se os dois voos que o ex capitão Adolfo Scilingo - o único repressor que admitiu publicamente sua participação - confessou. O primeiro foi num avião Skyvan do Município, o segundo num Electra da Armada, e ambos partiram do Aeroparque. Por essas trinta execuções esse marinheiro foi condenado em Espanha, onde cumpre uma pena de 1084 anos de prisão. O civil Gonzalo Torres de Tolosa e o capitão Carlos Daviou, mencionados por Scilingo como participantes nos voos, integram a lista de 68 acusados do megaprocesso que começou a semana passada. 18 anos passados sobre essa confissão, nenhum membro da estrutura de comando da aviação naval ou do Município, participantes na associação ilícita que para além do mais deslocou por todo o país pessoas ilegalmente privadas da sua liberdade, foi interrogado pelo sua contribuição em aviões e homens para o terrorismo de Estado.
Em finais de 1977 apareceram nas costas de San Bernardo e Santa Teresita os corpos de vários familiares de desaparecidos sequestrados na Igreja da Santa Cruz, em 12 de Dezembro. O EAAF identificou a freira francesa Léonie Duquet, Angela Aguad e três das fundadoras das Mães da Praça de Maio. Uma investigação da Procuradoria Geral da Nação, feita a partir dos planos de voo que o Município entregou ao inquiridor Miguel Angel Osorio, permitiu no ano passado dar pela primeira vez com o registro de um voo da morte: o Skyvan PA-51 levantou de Aeroparque em 14 de Dezembro de 1977 às 21.30, duas horas depois de as freiras francesas terem sido obrigadas a fotografar-se com uma foto dos Montoneros por trás para desviar as atenções que começavam a incidir sobre a Armada. O avião voou tres horas e dez minutos, sem passageiros, e regressou ao ponto de partida. Dos 2758 planos de voo trazidos pelo Município, é o único que tem por objectivo a “navegação nocturna”. Três dos quatro tripulantes prestam contas perante o TOF Nº 5: são os pilotos Enrique De Saint George, Mario Arru e Alejandro D’Agostino. O quarto era o mecânico David Fernández, já falecido. Os superiores dos acusados, incluído o presidente da câmara Hilario Fariña, ex chefe do Departamento de Aviação do Município, entrevistado por Página/12 no ano passado, ainda não foram chamados a depor.
Em 18 de Fevereiro de 1978 apareceu em Las Toninas o corpo de Roberto Arancibia, ex membro do comité central do PRT e fundador do ERP. Tinha sido sequestrado em Maio de 1977 e foi visto em cativeiro em Campo de Mayo. Em Dezembro de 1978, o mar arrojou em praias de Buenos Aires os cadáveres dos últimos cativos de Olimpo, nove dos quais foram identificados. Na semana passada, o juiz Rafecas processou como necessariamente participantes nos homicídios os repressores que os tiveram em seu poder até ao momento da “trasladação”. A principal pista sobre os executores directos trouxe-a em 1995 o ex gendarme Federico Talavera, ex guarda de Olimpo, que admitiu que a cada vinte dias e até que tivesse sido encerrado esse centro clandestino transportava sequestrados adormecidos num camião Mercedes-Benz rumo à base de El Palomar, onde eram carregados num Hércules da Força Aérea. Disponível para falar na televisão nos velhos tempos da impunidade menemista, o paradeiro actual de Talavera é um mistério para a Justiça.
http://juicioesma.blogspot.com.ar/2012/12/los-testimonios-de-los-vuelos-de-la.html
(1)A ESMA; Escola de Mecânica da Armada, anteriormente Escola Superior de Mecânica da Armada é uma unidade da Marinha da Argentina, destinada à formação de suboficiais especialistas em mecânica e engenharia de navegação.
A partir de 2005 foi instalada em Porto Belgrano, a 28 quilómetros de Bahía Blanca. A sua sede anterior situada na esquina da Avenida do Libertador com a Avenida Santiago Calzadilla, na cidade de Buenos Aires, foi o mais emblemático centro clandestino de detenção durante a ditadura militar (1976-1983).[1]
Tornou-se o maior e mais activo dos Centros clandestinos de detenção e tortura utilizados pela repressão argentina, por onde passaram mais de 5000 presos, posteriormente, desaparecidos.
Fechado após o retorno da democracia, em 2004 foi convertido pela Lei nº 1.412, de 5 de Agosto desse ano, em centro de memória para recordar a repressão, o terrorismo de estado e promover o respeito aos Direitos Humanos.
Os opositores do regime presos clandestinamente na ESMA, após serem interrogados e torturados, mais de 90% deles foram assassinados, na maior parte sedados e jogados no Rio da Prata, outros fuzilados ou mortos sob tortura, incinerados e enterrados próximo ao campo de desportos do prédio.
No Centro Clandestino de Detenção-CCD funcionavam dois grupos-tarefa, o 333, a serviço do SIN (Serviço de Inteligência Naval) e o 332, da Marinha, encarregado da zona norte da Grande Buenos Aires e da Capital Federal, este dirigido pelo contra-almirante Rubén Jacinto Chamorro, auxiliado pelo capitão Jorge Eduardo Acosta (el Tigre).
Actuaram nesse local 120 assassinos e torturadores, entre os quais Alfredo Astiz, Ricardo Miguel Cavallo e Adolfo Scilingo, que dependiam indirectamente do comandante da Marinha, almirante Emilio Eduardo Massera. (fonte: Wikipédia)
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