buscado no Gilson Sampaio
Mauro Santayana
No
dia 18 de outubro, com o título de A Golden Solution for Europe´s
Sovereign-Debt Crisis, o Wall Street Journal voltou a chamar a atenção
para uma verdade tão simples quanto milenar: a importância estratégica
do ouro para o poder nacional, e como reserva real de valor em épocas de
crise.A ideia, agora, segundo o diário econômico norte-americano, seria
utilizar as reservas em ouro de alguns dos países europeus mais
endividados, como garantia parcial da dívida soberana desses países,
para baixar o custo dos juros que são pagos aos investidores.
Essa
estratégia faria pouca diferença no caso da França e da Alemanha, que
continuam pagando juros baixos, apesar da crise. E de quase nada
serviria no caso de países que têm baixas reservas em ouro com relação a
suas pesadas dívidas, como a Espanha, com 282 toneladas; e a Grécia,
com 112. Mas traria grande alívio para países como a Itália, com 2.450
toneladas — o segundo maior possuidor de ouro da Europa — ou mesmo para
Portugal, cujas 382 toneladas representam valor ponderável com relação
ao tamanho da sua economia.
França e Alemanha continuam pagando juros baixos, apesar da crise
No
caso da Itália, suas reservas em ouro poderiam garantir 24% de suas
necessidades de endividamento para enfrentar a crise nos próximos dois
anos. Portugal supriria, com seu ouro, 30% do que necessita, o que o
ajudaria a baixar os juros que remuneram seus bônus soberanos a
patamares mais próximos das taxas anteriores à crise.
Enquanto
os bancos centrais do mundo inteiro promoveram nova corrida ao ouro,
desde o início da crise, em 2008 o México, por exemplo, passou de sete
toneladas para mais de cem toneladas em poucos meses — esse não foi o
caso do Brasil. Do país saiu grande parte do ouro que está nas reservas
de Portugal e do que foi parar na Inglaterra, financiando a Revolução
Industrial Inglesa e, por meio dela, a indústria norte-americana. Foi o
ouro de Minas — conforme a lúcida observação do historiador alemão
Sombart — que assegurou o poderio geopolítico anglo-saxão nos séculos 18
e 19 e, em consequência, no século passado.
O
Brasil, no entanto, não só não aumentou suas reservas de ouro nos
últimos dez anos — que continuam sendo absurdas escassas 33,3 toneladas —
como ignora o ouro como fator estratégico nacional. O ouro quintuplicou
seu valor nos últimos 15 anos (de U$ 300 para U$ 1.600 a onça-troy).
Mesmo com o esgotamento de nossas jazidas históricas de superfície,
somos o décimo produtor do planeta — e há reservas, ainda não avaliadas,
em veios profundos.
Hoje, o ouro que temos
representa, em valor, menos de 5% das nossas reservas internacionais,
aplicadas principalmente em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Mais
relevante do que saber se é importante, ou não, aumentá-las comprando
ouro, é saber qual é a estratégia — se é que ela existe — do Brasil com
relação ao metal que sempre teve e continuará a ter importância maior
na economia do mundo.
O ouro é tão importante,
do ponto de vista da soberania e do desenvolvimento nacional, que a sua
administração não pode ser deixada, como ocorre hoje, apenas ao Banco
Central, como condutor da política monetária, ou ao DNPM (Departamento
Nacional de Produção Mineral).
Estamos tratando
do ouro como se trata do minério de ferro ou da bauxita. Cinco grandes
multinacionais controlam 90% da produção industrial de ouro no Brasil.
Quatro, por “coincidência” são do Canadá: Kinross, Yamana, Jaguar
Mining e Aura Gold, e a quinta é a AngloGold Ashanti, com sede na
África do Sul. A maior delas, a Kinross, atua em Paracatu, Minas Gerais.
Nesse município mineiro, de onde saiu muito ouro no tempo do Brasil
Colônia, a multinacional é dona de 10.942 hectares e fatura
aproximadamente um bilhão de dólares por ano.
Mas
a corrida em busca do ouro — pelos estrangeiros — está longe de
terminar. Como não existe política federal de defesa dessa riqueza,
outras empresas estão chegando, de forma nem sempre isenta de problemas.
A empresa Belo Sun Mining que, por estranho acaso, também é canadense, e
possui 42 processos de licenciamento no DNPM, entre eles 27 em fase de
autorização de pesquisa, obteve, em processo acelerado, licenciamento
da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará, para implantar enorme
complexo de exploração de ouro a apenas 20 quilômetros da barragem
principal de Belo Monte, na região de Altamira, na Volta Grande do Rio
Xingu.
Trata-se, segundo a empresa, de
investimento de um bilhão de dólares, e da maior mina de ouro do país —
com previsão de 12 anos de extração de 4.684 quilos por ano até que se
esgotem as reservas. Não obstante isso — o que mostra a total falta de
planejamento e coordenação na política do ouro no Brasil, o governo
federal só tomou conhecimento da dimensão do projeto quando a
multinacional organizou audiência pública na cidade de Senador José
Porfírio, no Pará, em 13 de setembro deste ano.
Como
primeira medida, a Belo Sun fretou todas as embarcações que fazem o
percurso desde a cidade de Vitória do Xingu, deixando sem transporte os
membros do Ministério Público, obrigados a se deslocar em barco cedido
pela Secretaria de Educação da cidade. A participação do defensor
público designado pelas comunidades locais para representá-las, Fábio
Rangel, foi cerceada pelo representante da multinacional canadense, que
também filtrou, pessoalmente, as perguntas que eram encaminhadas pelo
público, exclusivamente por escrito, na presença do secretário de Meio
Ambiente do Pará, José Alberto da Silva Colares.
Brasil, quinto maior país do mundo em extensão territorial, possui menos de 34 toneladas de ouro
Diante
da situação, a procuradora do Ministério Público Federal, Thais Santi
Cardoso da Silva, tomou a decisão de embargar a reunião, e o procurador
do Ministério Público Estadual, Luciano Augusto, exigiu que se marcasse
também audiência para a cidade de Altamira, que será afetada pelo
empreendimento, no qual se prevê a ocupação de 2.700 pessoas.
Os
Estados Unidos possuem, em suas arcas, mais de 8.500 toneladas de ouro.
A Alemanha, quase 3.500, a França e a Itália, cerca de 2.500, a China, a
Rússia e o Japão, cerca de mil toneladas. E o Brasil, quinto maior país
do mundo em extensão territorial, e a sexta maior economia, possui
menos de 34 toneladas. Não é por acaso que os países mais importantes do
mundo são também os maiores estocadores de ouro, e continuam comprando.
Tampouco é por acaso que o ouro rendeu cinco vezes mais que a Bolsa de
São Paulo nos últimos dez anos. Ou os que acumulam ouro estão errados,
ou somos nós os negligentes.
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