segunda-feira, 30 de junho de 2014

O ouro de Kiev: para o Iraque?

buscado no Informação Incorrecta 

 

Na madrugada do passado dia 7 de Março, em segredo e no escuro da noite, do aeroporto de Borispol, em Kiev (Ucrânia), partia um grande avião, sem sinais de reconhecimento e com um forte escolta armada: estava carregado com 40 caixas de barras de ouro do Banco Central da Ucrânia.

A transacção foi anunciada pelo jornal russo Iskra, inicialmente negada pela Federal Reserve, mas o facto é que o avião rumou para os Estados Unidos.

Os meios de comunicação europeus não falaram do assunto (o lema é : melhor evitar problemas), apesar do grande apoio ao golpe de Estado e ao governo interino do primeiro-ministro Arseny Jatsenjuk. Afinal, aquele era o preço da "libertação" da Ucrânia?
Há dúvidas. 40 paletes cheias de barras de ouro são muito mais do que as reservas da Ucrânia. De acordo com o World Gold Council ("Conselho Mundial do Ouro"), em Fevereiro deste ano a Ucrânia detinha 42,3 toneladas de ouro guardadas nos cofres do banco central. Cada palete contém 290.400 onças de ouro, isso é:  3.6 toneladas por palete (150 milhões de Dólares). Portanto poucos mais do que 11 paletes teriam sido suficientes para transportar todo o ouro da Ucrânia (cerca de 1.5 biliões de Dólares).

Mas 40 paletes? 

Vamos em frente.
Poucas semanas depois, no dia 25 de Março, o Financial Times anunciava que o Iraque tinha comprado ouro. Quanto? 36 toneladas, no valor de cerca 1.5 biliões de Dólares. O Banco Central do Iraque informou na sua página internet que o ouro adquirido visa "o reforço da política monetária e da moeda (o Dinar) iraquianos". Iraque comprou 36 toneladas de ouro, antes já detinha 29.8 toneladas do mesmo metal, pelo que agora nos cofres de Baghdad há algo como 65,8 toneladas de ouro, pouco atrás do Brasil (67 toneladas) e acima do Paquistão (64.4) e da Argentina (61.7). Nada mal por um País desfeito.

No entanto, apesar de nenhum governo ter adquirido tanto ouro duma vez no últimos três anos, esta compra não tem gerado reacções sobre o preço do ouro. Quando no ano passado Chipre foi forçado a vender parte das suas 13,9 toneladas de metal, houve grandes convulsões nos mercados.

Desta vez, com uma operação quase três vezes maior, os mercados ficaram calmos, talvez por causa do sigilo com que a transacção foi realizada (a Reuters e o Financial Times confirmam a compra, mas não indicam a fonte), do choque dos especuladores da City de Londres por causa da manipulação de Tibor e Libor.
O ouro ucraniano foi comprado pelo Iraque? Sendo a Ucrânia agora um satélite dos Estados Unidos, a caminho da "libertação", e tendo sido Baghdad "libertada" pelos Estados Unidos há dez anos, é razoável suspeitar isso: o Iraque comprou o ouro da Ucrânia.

Dúvida: as 36 toneladas "vendidas" ao Iraq são na realidade uma forma com a qual os Estados Unidos entendem pagar o petróleo do País oriental? Porque no Iraque podem estar em crise, mas não são nada estúpidos: o Dólar hoje vale algo, mas no horizonte há nuvens carregadas de tempestade.
Também seria interessante saber se a Ucrânia recebeu 1,5 biliões de Dólares, o valor das suas reservas.

Finalmente, é necessário realçar a grande velocidade com a qual Washington desloca o ouro desde um País "libertado" até outro (tinha acontecido o mesmo com o ouro da Líbia) e o grande atraso demonstrado no regresso à Alemanha (33 toneladas de ouro por ano) das cerca de 1.500 toneladas supostamente detidas pela Federal Reserve em Fort Knox.

Interessante também seria saber com base em qual motivação o novo primeiro ministro da Ucrânia, Jatsenjuk, acha bem despachar as reservar áureas do País um par de dias depois de ter sido nomeado. eleito.

A única certeza é que os ucranianos foram denudados do ouro deles, e provavelmente para sempre.
Bem-vindos ao mundo ocidental.



Ipse dixit.

Fonte: Dietro il Sipario



"Brasil forjado na ditadura representa Estado de exceção permanente"

 

 

buscado no Prof. Mazucheli

 


Fonte: Carta Maior 



Bia Barbosa  por Bia Barbosa








SÃO PAULO - Qual a idéia de "Estado de exceção"? 

Na interpretação tradicional do termo, trata-se de um momento de suspensão temporária de direitos e garantias constitucionais, decretado pelas autoridades em situações de emergência nacional, ou mediante a instituição de regimes autoritários. Seu oposto seria o Estado de Direito, conduzido por um regime democrático. Na avaliação de professores, filósofos e defensores de direitos humanos, no entanto, a existência de um Estado de exceção dentro do Estado de Direito seria exatamente a característica do Brasil atual, forjada no período da ditadura militar e que, mesmo após a redemocratização do país, não se alterou. Esta foi uma das conclusões do seminário sobre a herança da ditadura brasileira nos dias de hoje, organizado pela Kiwi Companhia de Teatro esta semana, em São Paulo.

Para o filósofo Paulo Arantes, professor aposentado do Departamento de Filosofia da USP, há um país que morreu e renasceu de outra maneira depois da ditadura, e que hoje é indiferente ao abismo que se abriu depois do golpe militar e que nunca mais se fechou.

"Que tipo de Estado e sociedade temos depois do corte feito em 64, do limiar sistêmico construído por coisas que parecem normais numa sociedade de classes, mas que não são? O fato da classe dominante brasileira poder se permitir tudo a partir da ditadura militar é algo análogo à explosão de Hiroshima. Depois que a guerra nuclear começa ela não pode mais ser desinventada. Quando, a partir de 64, a elite brasileira branca se permite molhar a mão de sangue, frequentar e financiar uma câmara de tortura, por mais bárbara que tenha sido a história do Brasil, há uma mudança de qualidade neste momento", avalia Arantes. 

Para o filósofo, o país foi forjado pela ditadura a ponto de hoje nossa sociedade negligenciar tudo aquilo que foi consenso durante o autoritarismo dos militares. "A ditadura não foi imposta. Ela foi desejada. Leiam os jornais publicados logo após 31 de março de 1964. Todos lançaram manifestos de apoio ao golpe, era algo arrebatador. CNBB, ABI, OAB, todo mundo que hoje é advogado do Estado de Direito apoiou. Se criou um mito de que a sociedade foi vítima de um ato de violência, mas a imensa maioria apoiou o golpe", disse Arantes. "E a ditadura se retirou não porque foi derrotada, mas porque conquistou seus objetivos. A abertura de Geisel foi planejada, já tinha dado certo com o milagre econômico. Tanto que seus ideólogos estão aí, como principais conselheiros econômicos da era Lula-Dilma, e que a ordem militar está toda consolidada na Constituição de 88", criticou. 

Na avaliação de Edson Teles, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil e professor de filosofia da Unifesp, a Constituição de 1988 foi apenas uma das formas de lançar o Brasil num Estado de exceção permanente, definido por ele quando a própria norma é usada para suspender a ordem; ou quando aquilo que deveria ser a exceção acaba se tornando ou reafirmando a própria norma. 

Para Teles, além de manter a estrutura autoritária militar, o novo ordenamento democrático foi construído sobre o silenciamento dos familiares de vítimas e de movimentos de defesa dos direitos humanos, que queriam justiça para os crimes da ditadura. O problema, no entanto, vinha de antes.

"Em um Congresso controlado pela ditadura, a Lei de Anistia adotou a suspensão da possibilidade de punição de qualquer crime. Um momento ilícito foi tornado lícito, com o silenciamento dos movimentos sociais e pela anistia, que exigiam esclarecimentos sobre os crimes. O que o Estado montou foi algo que manteve a ideia de impunidade. Depois veio o Colégio Eleitoral, que fez uma opção por uma saída negociada entre as oligarquias que saíam e as novas que chegavam, decidindo manter a anista ao crimes da ditadura. Foi o grande acordo do não-esclarecimento", relatou. 

O julgamento no Supremo Tribunal Federal em 2010 sobre a interpretação da Lei de Anistia foi, segundo Teles, o coroamento desse silêncio e a instauração de um Estado de exceçãono país. "Baseada em ideias fantasmagóricas de que novos golpes que poderiam ser dados, nossa transição foi a criação de um discurso hegemônico de legitimação deste Estado de exceção. Faz-se este discurso como forma de legitimar essa memória do consenso, mas se mantem o Estado de exceção permanente, reconhecendo as vítimas sem nomear os crimes", acrescentou. 

Exceção e consenso hoje
O consenso acerca daquilo que deveria ser visto como exceção não se restringe hoje, no entanto, àquilo que pode ser considerado a herança mais direta da ditadura militar. Foi construído também em torno de uma série de acontecimentos e práticas que deveriam mas não mais despertam reações da população brasileira. 

"A exceção se torna perigosíssima quando deixamos de reconhecê-la como tal e ela se torna consenso", alertou o escritor e professor de jornalismo da PUC-SP, José Arbex Jr. "Ninguém achou um escândalo, por exemplo, no lançamento da Comissão da Verdade, ver os últimos Presidentes do país juntos, sendo que um deles foi presidente da Arena, o partido da ditadura, responsável pela tortura da própria Dilma; e o outros era Collor! Da mesma forma, está em curso em Osasco uma operação chamada Comboio da Morte, que matou nas últimas horas 16 pessoas. Isso não causa um escândalo nacional, é normal, natural, porque estamos "na democracia". Os jornais falam da Síria, mas a média de mortes diária no auge do conflito da Síria não chega ao que temos aqui cotidianamente. Lá é 60 aqui é 120! Então não estamos discutindo algo que aconteceu em 64 e que hoje se apresenta de forma mitigada, atenuada", disse Arbex.

Para o jornalista, o país vive um estado de letargia hipnótica coletiva, fabricado de maneira competente e eficiente pelo aparato midiático, que produz um consenso em torno de uma imagem de país na qual todos acabamos acreditando. "É muito grave quando olhamos para o Brasil e não percebemos essa realidade de consenso: de nenhuma garantia de direito para quem esteja fora da Casa Grande, e uma situação de guerra permanente", acrescentou. 

É o que Paulo Arantes chamou de Estado oligárquico de Direito, um Estado dual, com uma face garantista patrimonial, que funciona para o topo da pirâmide, e uma face punitivista para a base. "Esse Estado bifurcado é uma das "n" consequências da remodelagem do país a partir dos 21 anos de ditadura. Basta pensar no que acontece todos os dias no país. Trata-se de um outro consenso, também sinistro e indiferente, senão hostil, a tudo que nos reúne aqui. Um Estado de exceção que não é o velho golpe de Estado, mas um novo modo de governo do capital na presente conjuntura mundial, que já dura 30 anos", afirmou Arantes.

Ninguém cavalga a história 
O que permitiria dizer da possibilidade de se encontrar uma saída deste Estado de exceção permanente é o caráter imprevisível e incontrolável da história. Arbex lembrou que, em setembro de 1989, quando estava em Berlim, ninguém dizia que o Muro cairia menos de dois meses depois. "O fato é que, felizmente, ninguém cavalga a história. Ainda não encontraram uma maneira de domesticá-la. Há um processo latente de explosão social no Brasil, que se combina com processos semelhantes na América Latina, e que pode produzir uma situação totalmente nova. Ninguém previu a Primavera Árabe. Quando um jovem na Tunísia atirou fogo no próprio corpo, ninguém imaginava que, um mês depois, cairia Mubarak no Egito. Estão, não estamos condenamos para sempre a esta situação. Só posso dizer que estamos vivendo numa época que, em alguns aspectos, é mais trágica, mais cruel e mortífera que a ditadura militar", acredita. 

"Este Estado de exceção só terminará quando a ditadura terminar, quando o último algoz for processado e julgado. Se a Comissão da Verdade encontrar dois ou três bons casos e levantar material para ações cíveis, pode haver uma transmutação disso tudo. E o regime, a sociedade e a economia não vão cair se os perpetradores da ditadura forem processados, como não caíram na Argentina ou no Chile", acredita Paulo Arantes. "Mas devemos pensar no que significaria essa última reparação. Se o último torturador e os últimos desaparecidos forem localizados, em que estágio histórico vamos poder entrar?", questionou. Uma pergunta ainda sem resposta.


domingo, 29 de junho de 2014

A Copa como metáfora e a metáfora da Copa: pela rebelião do valor de uso


buscado no Odiario.inf


por  Mauro Iasi*


 
A mercantilização do futebol ocorre não apenas pela venda do espetáculo desportivo em si mesmo, mas em várias dimensões: no “mercado de jogadores”, na venda dos direitos de imagem, como veículo de propaganda, como empreendimento milionário de empreiteiras, bancos e tantos outros. A velha arte de esfolar várias vezes o mesmo boi. O futebol mercadoria e o seu evento maior – o Campeonato do Mundo – é montado para a realização do lucro das grandes corporações. Se vai haver jogo ou não é um detalhe.

O capital se apropria de tudo, não seria diferente no caso do futebol. O destino daquilo que é mercantilizado é ver seu ser transformado em veículo de valor de troca, forma de expressão do valor, que passa a ser primordial, relativizando seu valor de uso original.
Como coisa de valor, sua vida passa a fluir no sentido da realização do valor e no caso da produção capitalista de mercadorias, de mais valor. Quando era um valor de uso, a realização se dava na fruição, no consumo daquilo que se buscava para realizar o desejo do corpo ou do espírito. No ato de se apropriar das propriedades da coisa para saciar nossa fome ou sede, ao ouvir a melodia que nos acalma a alma ou desperta o corpo. Como mercadoria, a realização se dá no ato da troca, na transformação da coisa em equivalente geral monetário, enquanto o valor de uso subsumido fica ali, relativizado, quando não esquecido.

É por isso que a propaganda seduz para o ato da compra, sem que necessariamente o consumo corresponda ao desejo ou a necessidade. Um comercial de refrigerante transpira gotinhas de coisas geladas, paisagens refrescantes, gente feliz em dias quentes, mas a coisa em si, pode ser um xarope adocicado que vai de dar mais sede e te levar a consumir outra vez o produto… que vai te dar mais sede ainda.
No caso particular do futebol, a mercantilização ocorre não apenas pela venda do espetáculo esportivo em si mesmo, mas em várias dimensões: no “mercado de jogadores”, na venda dos direitos de imagem, como veículo de propaganda, como empreendimento milionário de empreiteiras, bancos e tantos outros. A velha arte de esfolar várias vezes o mesmo boi.
O valor de uso originário fica soterrado sob montanhas de formas mercantis que sobre ele buscam seu quinhão da valorização, muitas vezes fictícia e parasitária. É por isso que muitas vezes depois de realizada a farra do valor de troca, nossos estômagos e espíritos futebolísticos permanecem famintos e sedentos.
No entanto, age sobre a forma mercadoria a maldição do valor de uso. Isto é, mesmo relativizado e subsumido, o valor de uso é incontornável. Não é possível que haja uma mercadoria sem valor de uso – ainda que sob a luz de uma certa racionalidade esquecida ele seja uma “utilidade inútil”. Ninguém vai à padaria comprar cigarro almejando um câncer de traquéia. Mas, só quem já fumou sabe o valor de uso de uma boa baforada.
O valor de uso subsumido (mas incontornável) resiste ali onde não devia, mesmo que na subversiva sensação de ausência: na sede e fome não saciadas, na pobreza persistente no país que dizia tê-la abolida no marketing político, na desigualdade da sociedade da igualdade, na falta do sinal na sociedade do acesso total à comunicação 4G… em noventa minutos de… nada.
O futebol mercadoria e seu evento maior – a Copa – é montado para a realização do lucro das grandes corporações. Esta Copa já aconteceu e a FIFA S/A, a maior das corporações, já abocanhou seus lucros, assim como as empreiteiras, os bancos, as empresas publicitárias, os empresários que escalam jogadores no lugar de técnicos, já contabilizam seus lucros. Se vai ter jogo ou não é um detalhe.
Mas esta montanha de valor de troca tem que encontrar um valor de uso sob o qual se agarrar. Assim como a abstração do espírito precisa do corpo, o exu precisa do cavalo. Onze pessoas de cada lado e um apito do árbitro, desperta o esporte e os garotos propaganda se esquecem, ou deveriam esquecer, de seus contratos, das bugigangas que vendem, e a adrenalina comanda os corpos no busca da bola, evitar o adversários, encontrar o caminho da meta.
Cérebro, nervos, músculos… uma coisa chamada ser humano, que já foi um sonho, que já foi sacrifício, que foi entrega e dor, que quer ser conquista, emerge dali de onde foi soterrado pela mercadoria. Um ser composto, uma equipe, um time, se funde com milhares de pessoas que se desviam da bola, tencionam seu músculo antes do chute no exato instante que o jogador vai chutar a bola e em uníssono gritam, abraçam estranhos, choram…
Marx em sua monumental obra se refere a uma ciência que se chamaria “merceologia”, que teria a tarefa de listar todas as formas possíveis de mercadoria. Não sei se existe essa que descrevemos, não sei que valor de uso é esse que consiste o ser do futebol. Posso apenas falar como viciado desta substância. Ela leva um menino de seis ou sete anos a colecionar botões com times de futebol para imitar o jogo sobre uma mesa. Em estágios mais sérios de contágio, o moço passa a organizar campeonatos e a registrá-los em livros. Grita, sozinho ou com amigos, em certames disputadíssimos. Chega até a guardar os times de botão – inclusive as caixas de fósforos encapadas com fita isolante, que serviam de goleiros –, e os registros de anos de campeonato para tentar infectar seus filhos.
Quanto mais amo o futebol, mais odeio o capitalismo.
A Copa deles já ocorreu. Foi contra nós e eles venceram. Alguns desavisados ou mal intencionados festejam. Mas está em curso uma vingança, uma rebelião. Talvez várias. Uma nas ruas, onde exercemos o sagrado direito de não sermos tratados como imbecis (alguns, é verdade, se orgulham em ser imbecis e não foram às ruas – é um direito deles). Ela continua e espero que um dia possamos vencer. Mas existe outra rebelião. Neste tempo em que muita coisa anda despertando, acredito que podemos estar vendo o despertar de um velho e tão maltratado conhecido: o futebol.
Você pode até tentar produzir futebol em série, futebol fordista, ou como disse em seu maravilhoso texto, nosso querido Pasolini, o “futebol prosa”. Mas o “futebol poesia”, resiste, surpreende, desperta. Monarquias futebolísticas (e infelizmente algumas reais) eliminadas e zebras pastando alegremente.
Enquanto alguns correm para abraçar o valor de troca, a forma fetichizada e desumana, prefiro beijar a face do valor de uso que renasce. É a rebelião do valor de uso… preparem-se, pode não ser só no futebol.

*Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comité Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio.
Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/25/a-copa-como-metafora-e-a-metafora-da-copa-pela-rebeliao-do-valor-de-uso/


sábado, 28 de junho de 2014

O que faz a Icann?


buscado no OUTRAS PALAVRAS

ICANN-domains
No coração da internet, corporação responsável para liberar solicitações de novos endereços, necessita de autorização do Departamento de Comércio norte-americano para trabalhar


Por Thiago Domenici
A Icann tem muitas funções e coordena componentes técnicos da internet. É seu papel controlar o uso de nomes de domínios – as terminações finais no endereço de um site, como o “.com” –, além de estabelecer os parâmetros técnicos que permitem que um computador converse com outro em qualquer lugar do planeta. Ou seja, o acesso de qualquer máquina a qualquer página se deve à existência de um sistema central que compreende o endereço da página como algo único. Sem essa centralização, a internet seria caótica, com mais de uma página tendo endereço idêntico. Por isso, atribuir e conceder os chamados top-leveldomain (TLD, domínios de topo da internet, que também podem aparecer como gTLD) é uma das atribuições da Icann, que ainda centraliza as informações de todos os “servidores-raiz” da rede.
Um domínio de topo é identificável pelo que vem após o “ponto” nos endereços. Por exemplo: “www.google.com” está no domínio de topo “.com”. O que vem antes do ponto seria equivalente, num endereço físico, ao número de uma casa, e o que vem após, à rua em que ela se localiza. Para atribuir os endereços referentes aos casos “.com”, “.net”, “.name”, “.tv” e “.cc”, a Icann tem um contrato com a empresa americana de segurança de redes VeriSign, atualmente a responsável por essas terminações.
Cada país possui um gTLD específico, chamado de ccTLD — “cc” corresponde ao “código de país”. É o caso, por exemplo, do “.br” brasileiro. Assim como os gTLD comuns, os ccTLDs respondem a diferentes entidades que facilitam a localização dos endereços cadastrados. O “.br”, por exemplo, é de responsabilidade do “registro.br”, um departamento do NIC.br.
Há também alguns gTLDs mantidos por instituições privadas ou não, que não são geridos pela Icann, como o “.edu” – controlado pelo instituto Educause – e o “.gov” – controlado pelo governo dos EUA. No ano passado, a Icann fez uma expansão dos gTLDs, elevando os 22 gTLD habituais para 1,4 mil possibilidades, alguns curiosos, como “.pink”, “.luxury”, “.guitars”, “.tatoo” e “.sexy”.
A corporação possui ainda solicitações pendentes, como “.google”, “.android” e “.youtube”. Outras companhias de tecnologia também fizeram pedidos, mas ainda não foram atendidas. A Apple quer “.apple”, e a Microsoft, “.microsoft”, “.skype” e “.bing”. A Amazon queria registrar o endereço “.amazon”, mas o conselho da Icann se manifestou contra a empresa de comércio eletrônico, porque a expressão representa uma área geográfica, a Amazônia. Governos de países da região amazônica, como Brasil e Peru, fizeram pressão para que a autorização não saísse.

No mês passado foi divulgado que as Organizações Globo são a primeira entidade brasileira a obter um dos novos gTLDs, cuja extensão será “.globo”. O custo de uma terminação personalizada não sai barato. O Icann cobra, em média, 185 mil dólares só para analisar um pedido, mas os custos totais, incluindo exigências técnicas e jurídicas, chegam a 700 mil dólares. A manutenção do domínio pode chegar a 150 mil dólares anuais.
A Icann também coordena o Sistema de nomes de Domínio (DNS, na sigla em inglês). Para acessar, por exemplo, www.retratodobrasil.com.br, existe uma central que identifica esse domínio e o traduz para o endereço IP correto – uma sequência de números única, que mostra aos computadores o local exato em que eles devem buscar os dados para a navegação. Cada servidor possui um endereço de IP único. Logo, cada domínio leva a um IP específico. Nesse trato, a Icann basicamente faz o gerenciamento dessas traduções – dos nomes para os endereços numéricos. Por isso, os sites precisam estar armazenados em servidores registrados nas entidades que administram os gTLDs, para que seus domínios sejam compreendidos pelo Icann.
Em relação aos “servidores-raiz” do sistema, que funcionam como um índice principal dos livros de endereço da internet, das 13 máquinas principais existentes em todo o mundo, dez estão nos EUA – grande parte controlada por agências governamentais americanas –, duas na Europa e outra no Japão. No entanto, existem centenas de “máquinas-espelho” em outros países, inclusive no Brasil, que armazenam a mesma informação das principais e podem substituí-las a qualquer momento, o que facilita a comunicação e a operacionalidade. Como disse um dos pioneiros da internet, Jon Postel, “os servidores-raiz sabem que procuramos algo pelo nome e o traduzem para um endereço de IP”. Pelo contrato do governo americano com a Icann, mudanças nas listas da raiz só podem ser feitas com autorização do Departamento de Comércio.


quinta-feira, 26 de junho de 2014

Mauro Santayana: O Brasil e as multas de "araque"

 

buscado no Vermelho


Dizer que os serviços de telecomunicações no Brasil são péssimos, já virou lugar comum. Milhares de queixas são feitas contra as operadoras de telefonia, banda larga, celular e tv a cabo, todos os meses, nos Procons e na Anatel.

Por Mauro Santayana, em seu blog

Reconhecer que eles estão entre os mais caros do mundo, também é redundância. Segundo um estudo da União Geral de Telecomunicações, divulgado em 2013, as tarifas de celular cobradas no Brasil em termos absolutos, são as mais caras do mundo. O preço por minuto, em 2012, entre celulares, era de 0,71 por dólar, o mais alto entre 161 países analisados. No México e na Argentina, o custo por minuto é de 0,32 por dólar, no Peru, de 0,18, no Chile, de 0,14. Na Rússia, país em que o salário mínimo está por volta de 2.000 reais, a ligação entre diferentes operadoras é de 0,09 centavos de dólar, e na Índia, outro país do Brics, de 0,02.

O brasileiro comum também já sabe que não adianta ligar para as agências reguladoras. A Lei Geral de Telecomunicações, criada logo depois do desmonte e esquartejamento da Telebras - antes da implementação do sistema de telefonia celular no Brasil, para que se entregasse esse “filé mignon” aos gringos, sem a concorrência da estatal - prevê que as operadoras não podem ser multadas a cada infrração, mas só depois que se acumula um enorme número de queixas de cada tipo.

O que não se sabia, ainda, e se está sabendo agora, é que as multas não servem para nada, porque elas não são pagas pelas empresas - principalmente as estrangeiras - que dominam esse mercado no Brasil.

Outro dia, denunciamos, aqui, que a Telefónica (Vivo) está devendo, só de impostos atrasados, contestados, na justiça, como o ICMS, mais de 6 bilhões de reais para a Receita Federal.

E a Anatel acaba de reconhecer que, entre 2000 e 2013, recebeu apenas 550 milhões de reais dos 4.33 bilhões de reais em multas que expediu. Centenas delas deixaram de ser recebidas, por terem sido, também, contestadas e suspensas na justiça, da mesma forma que a Telefónica faz com parte dos impostos que deve ao erário brasileiro.

Mesmo que tivessem sido integralmente pagas, essas multas não teriam quase nenhum valor punitivo, se considerarmos que o mercado brasileiro de telecomunicações fatura, por ano, mais de 200 bilhões de reais, ou quase de 500 milhões por dia.

Se você, caro leitor, deixar de pagar o imposto de renda ou atrasar o pagamento de sua conta de telefone fixo, internet, tv a cabo ou celular, vai ter os serviços cortados, suas propriedades serão penhoradas e o seu nome vai para o SPC.

Se uma dessas companhias, espanhola, portuguesa, mexicana ou italiana, que veio para o Brasil nos anos 1990, for multada, ou deixar de pagar impostos, ela recorrerá na justiça, e continuará “trabalhando” livremente, metendo a mão no dinheiro do usuário, e mandando bilhões de dólares em lucro para o exterior. 


sábado, 21 de junho de 2014

Presente dos 70 Anos

 

buscado no Blog do Zé Celso

 

 

Chico Buarque no ensaio de Roda Viva 1968
Chico Buarque no ensaio de Roda Viva 1968

Amado Poeta Cantor ,desde 68 ,a única vez q nos encontramos ,foi por acaso , você vindo do Leblon ,eu indo da praia de Ipanema pra onde você caminhava.Era REVEILLON na tradução pro brazyleiro “Vamos acordar crianças, o novo ano está nascendo! “ Não me lembro de que ano, mas tenho gravado vivo na matéria de meu ser emotivo , o abraço q nos demos,sem dizer uma palavra sequer.Foi um “passe” carinhoso como Pixinguinha ,vindo de nossos dois corpos criadores emocionados .Prosseguimos em direções opostas diante do mar , eu arrepiado por aquela elétrica topada tão inesperada!Nuca mais fui o mesmo .
Só trabalhamos duas vezes juntos: na 1ª , você compôs e gravou num com um cello e outras cordas, um tema embriagador de tanta beleza, pros “Os Inimigos “de Gorki. Depois você me convidou pra fazer sua 1ª Obra Prima pro Teatro :“Roda Viva” .Numa generosidade rara ,bancou a Produção magnífica da peça . Havia a previsão de um CORO pra 4 artistas cantora(e)s .
No chamado pro Teste ,uma Multidão de Estudantes Artistas, já forjados no Teato das Ruas do Mundo de 68 penetrou e ocupou com seus Corpos o Teatrinho Princesa Isabel. Traziam em si todas as revoluções q hoje se separaram, mas talvez tendam á se reunir novamente como Rimbaud escreveu : num Corpo.Foi uma Ocupação com uma Nova Arte , não um mero Occupy .E sua Produção Chico, acolheu á Todos novos Artistas.Esperado á milênios ,desde do Teatro Grego , sua peça trouxe o Retorno ao Teatro do CORO PAGÃO CANTOR ATUADOR DANÇARINO, tão Protagonista quanto os Protagonistas.Um CORO como um Time de Craques de um outro Futebol.Era tão forte a energia q emanava q abrimos os Ensaios pros nossos amigos artistas de cinema, musica, teatro, artes plásticas.Era Verão e o Rio descobriu uma nova Praia: os ensaios de “Roda Viva” . Lembro d’uma tarde em vieram : o Artista Gráfico Rogério Duarte, lindo ,vestido com um terninho branco com listas vermelhas por todo tecído, Mick Jagger acompanhado de Miriam Makeba…. O CORO tocava nas pessoas que iam festejar , como no Programa do Chacrinha, no Carnaval, no Candomblé. Era uma Festa intensamente Pagã , ignorando Palco e Platéia . Flavio Império com sua luxuosa direção de Arte , fez do Palco um Monitor de TV e cercou as paredes da “platéia” de Projeções. O CORO ocupava todo espaço. Obvio q a Estréia fói um Choque ,mas talvez , em nenhuma noite ou matinée , os Teatros por onde passou “Roda Viva”, deixaram de estar completamente lotados .
Todos sabem dos ataques do Comando de Caça aos Comunistas em São Paulo   e depois o de Porto Alegre feito pelo próprio 3º Exército q proibiu a peça em todo território nacional.Veio o AÍ-5 –q muitos o atribuem pra nos condenar , á “Roda Viva”.Claro que estes fatos fizeram uma sombra imensa sobre a importância Estética Revolucionária q esta peça teve e tem na Cultura do Teatro Brazyleiro e Mundial .
Chico nesta época apesar de muitos amigos teus , acusarem a mim de ser responsável por uma arte q chamavam de “agressão” , você combateu heroicamente os 2 atentados ,assim como Cacilda Becker q na época fez a celebre declaração defendendo “Roda Viva”: “Todos os Teatros são meus Teatros “
Amado Chico hoje você proíbe a encenação da peça , declarando q sua 1ª peça é fraca.Aquele menino lindo de olhos verdes , Astro explodido de repente na   Maquina do Show Businees , imediatamente produziu vindo desta experiência concreta de seu Corpo ,uma Obra de Arte de Forma – Conteúdo originalíssima, sobre á crueldade desta Engrenagem .E não como uma peça panfletária. Você criou uma dramaturgia Alegorica sofisticada e Pop ,mimetizando 4 fases do ShowBusiness dos anos 60 . -A do Rei São Roberto Carlos da “Jovem Guarda” que iniciou com brilho o processo de marketização .
-A da MBP ,penetrando criticamente em si mesmo, com muita corajem, Chico .
-A da “Disparada” Nordestina de Geraldo Vandré
-A da “Tropicália” .
Todas bem enredadas num Roteiro nada naturalista como era moda na época.
A linguagem dos seus diálogos dialóga de igual pra igual com o melhor Nelson Rodrigues.A Musica desde seu pouco conhecido mas delicioso Ieieié passa pelo maravilhoso prelúdio “Sem Fantasia” q tenho orgulho de dizer que fui eu q pedi á você q fizesse a 2ª canção do contraponto ,até as que finalizam sua a peça onde você retorna ao teatro musical de Noel Rosa, na “Opereta TragyCômica “ e na “Revista”.Você brilha nelas tanto nela quanto o gênio de Vila Isabel.
Quando fiz 70 anos ,aconteceu um fenômeno incrível em minha vida. Eu tinha vergonha de minhas primeiras peças que foram tachadas no Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena de “pequeno burguesas”, “alienadas”,“psicológicas”, e pelo critico Decio de Almeida Prado como “simbolistas demais”.Quando escrevi com Marcelo Drummond a “Odisséía das Cacildas” em 1990 ,fui em busca de todo repertório da atriz no melhor arquivo de textos de Teatro de 1900 á 1968: “O Arquivo da Policia de Diversões” pelo qual todas as peças tinham q passar.Minhas “pecinhas” estavam perdidas, nem eu as tinha guardado, tal desprezo e vergonha sentia por elas.Encontrei duas .
Danilo Miranda presenteou meus 70 anos, com a produção de minha 1ª Peça” Vento Forte pra um Papagio Subir”.Ele me convenceu á aceitar,dirigí a atuei na peça. Em 1958, comecei compondo a musica ,cantando no violão ,daí fui pra maquina de datilografia e em 40 minutos escrevi a 1ª coisa finalizada em minha vida.Foi somente aos 70 anos q retornei á obra de meus 21 anos, e descobri q era um Poeta , q a peça era simplesmente Poesia Teat(r)al.Minha vida de Artista mudou completamente.
Hoje dos meus 77 anos contemplo os teus 70 e te pergunto : temos ou não q adotar todos filhos q parímos ? Tenho curiosidade em saber como você escreveu a peça. Esta tua 1ª Obra q tanto entusiasmo despertou na   Multidão do Mundo de 68 q não se acovardou com os ataques do CCC q no dia seguinte ao ataque fez as filas aumentarem ao infinito .Esses Grandes Artistas como Samuka , Corifeu do Coro de “Roda Viva” ,não puderam mais depois do AÍ 5 atuar com a liberdade e invenção que traziam pro Teat(r)o no Brasil.Trouxe todo o CORO pro Oficina mas não podiam em “Galileu Galilei” sequer olhar para o Público. Os q mais talentosamente criaram a Arte da Atuação ao Vivo com o Publico Atuador ,também foram sacrificados.Não suportaram o Recuo do Teatro Brazyleiro aos Palcos Italianos.
Esta tão aclamada e tão massacrada 1ª filha tua, quer o reconhecimento de seu Criador .Claro q você deve ter sofrido muito com ela, como eu, como todos, mas sinto que é o momento de você reler sem preconceito sua Grande Obra de artista quando jovem e libertá-la pra Eternidade Humana, a partir dete teu consagrado aniversário .Este é o maior presente te posso dar como Danilo Miranda me deu aos 70: não censurar nada q nasceu de teu esperma de Gênio .Eisntein diz q os gênios engolem o Universo em seu Corpo e em sua Obra.É o teu caso ,portanto essa filha de 44 anos podia muito bem ser reconhecida.

Ah!Chegar até você/ foi lindo de morrer /mas foi tanto penar/ não vou me arrepender.. .

16 de Junho de 2014 Blooming Day


quarta-feira, 18 de junho de 2014

Deputados agem para nos empurrar transgênicos


 
buscado no Gilson Sampaio
 
Sanguessugado do MST


Por Juliana Dias e José Carlos de Oliveira*

Da Carta Capital

A questão de que as novas tecnologias poderão resolver os problemas humanos com que nos defrontamos é controversa. As tecnologias fundadas em aplicação de estudos científicos apresentam incertezas para o bem-estar humano. Apontam para aspectos negativos de difícil solução, pois têm por objetivo questões distintas do que é alardeado como grande vantagem — por exemplo, eficiência e lucro. O detentores dessas novas tecnologias tentam provar a eficácia, defendendo benefícios não inteiramente comprovados para lançar na sociedade seus produtos inovadores. O caso da transgenia serve como exemplo para indicar as implicações e compromissos entre ciência e democracia, no que diz respeito aos direitos civis e sociais dos cidadãos, bem como sua participação deliberativa.

A produção de alimentos geneticamente modificados (GM) em larga escala teve início em 1996, nos Estados Unidos (EUA), com a introdução da soja resistente a herbicidas. Entretanto, o debate a respeito desse modelo produtivo na agricultura industrial é pautado por controvérsias. A área mundial ocupada com cultivos GM atingiu 102 milhões de hectares em apenas 10 anos (SILVEIRA e BUAINAIN, 2007, p.58). Já o diálogo, na sociedade, sobre a positividade ou negatividade de seu uso, avança com dificuldades. Não há consenso entre cientistas, governos, indústrias e associações civis, os protagonistas desse enredo. Na perspectiva de Latour (2007, apud ABRAMOVAY p. 135), descrever controvérsias trata-se da capacidade de acompanhar e expor “um debate que tem por objeto, ao menos em parte, conhecimentos científicos ou técnicos ainda não assegurados”.

A decisão sobre o que colocar na lavoura, ou no prato, sofre pressões em favor da economia e da eficiência do agronegócio. Os defensores da engenharia genética em plantas comestíveis argumentam que, só por esta via, será possível alimentar os 9 bilhões de habitantes previstos para 2050 no planeta. No entanto, quando a indústria assume o compromisso de promover a segurança alimentar, a lógica que se sobrepõe é a do alimento como mercadoria, e não como direito.

As informações disseminadas não parecem conduzir à construção de um diálogo que assegure autonomia e engajamento no processo democrático. O cenário ainda é de incerteza, para prosseguir com um sistema agrícola centrado na biotecnologia. De um lado, as multinacionais prometem a melhoria na qualidade dos alimentos e a garantia da Segurança Alimentar. De outro, os agricultores apontam a perda de autonomia no exercício de plantar; a população sofre com problemas de saúde em relação ao uso de agrotóxicos, produzindo, inclusive, mortes; e o meio ambiente sofre com a deterioração do solo, entre outras ameaças (ROBIN, 2008).

As discordâncias

Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses. A imagem da empresa representa, metaforicamente, o quão controverso é o diálogo com a sociedade. Já existem vários estudos publicados, questionando sua postura corporativa em mais de um século de existência. Desde o suprimento do herbicida conhecido como Agente Laranja para a Guerra do Vietnã à introdução de agrotóxicos para a Revolução Verde (ROBIN, 2008).

Para pontuar aspectos dessa controvérsia, fizemos um recorte cronológico com alguns fatos da trajetória da companhia em 2013, quando completou 50 anos no Brasil. No mesmo ano em que o vice-presidente de Tecnologia e cientista-chefe da Monsanto, Robert Fraley, recebe o World Food Prize (Prêmio Mundial de Alimentação, concedido por iniciativa de um empresário norte-americano) devido ao pioneirismo na área de biotecnologia, a empresa desistiu do desenvolver novas sementes GMs na União Europeia, pois há demora na aprovação de novas variedades modificadas – ela é detentora do maior número de pendências de aprovação no bloco europeu.

A demora na aprovação espelha suspeitas ainda bastante difundidas sobre a segurança, já que grupos da sociedade civil europeia temem seus impactos no ambiente e na saúde1. Pelo menos dez países europeus – Polônia, Alemanha, Áustria, Hungria, Luxemburgo, Romênia, França, Grécia, Suíça, Itália e Bulgária – já proibiram o cultivo do milho transgênico da Monsanto, o MON 8102. A decisão tem base em estudos, segundo os quais a toxina presente no organismo modificado provoca danos à minhocas, borboletas e aranhas. Provas de sua segurança para a saúde são inconclusivas. Os efeitos colaterais para o homem e o meio ambiente ainda carecem de estudos conclusivos independentes (ROBIN, 2008; ZANONI e FERMENT, 2011; VEIGA, 2007; ANDRIOLI E FUCHS, 2012).

A empresa completou cinco décadas no Brasil com o lançamento comercial das sementes da soja Intacta RR2 Pro, primeira tecnologia desenvolvida em solo e para solo brasileiro. No mesmo 2013, mais de 50 países aderiram à “Marcha contra Monsanto” em protesto contra a manipulação genética e o monopólio da multinacional na agricultura e biotecnologia. A campanha teve como estopim o suicídio de agricultores indianos. Essa prática tem se tornado frequente devido ao endividamento para competir na agricultura industrial.

O direito às sementes do agricultor e o direito à informação do cidadão passam por um modelo controverso, dúbio e confuso de controle e regulação, de algum modo referenciados nas leis federais em diversos países da América do Sul, da África e nos Estados Unidos. A indústria da biotecnologia vem avançando por meio da formação de um oligopólio no mercado das sementes, baseado também em um direito, o de propriedade intelectual, que torna privado o que é o público, com a natureza e a produção de conhecimento. Tudo feito em parceria com as agências governamentais. Com isso, quem planta troca a diversidade e a capacidade de selecionar seus grãos por plantas que recebem alteração genética (VEIGA, 2011, ZANONI E FERMENT, 2011).

A transnacional Monsanto está em mais de 80 países, com domínio de aproximadamente 80% do mercado mundial de sementes transgênicas e de agrotóxicos. A empresa acumula acusações em diferentes continentes, por violações de direitos, por omissão de informações sobre o processo de produção de venenos, cobrança indevida de royalties e imposição de um modelo de agricultura baseado na monocultura, na degradação ambiental e na utilização de agrotóxicos.

A quem interessa saber?

O diálogo sobre o presente e o futuro da alimentação diz respeito aos 7 bilhões de habitantes do planeta hoje existentes. De acordo com Paulo Freire (1971b, p. 43, apud Lima 2011, p.90), “dialogar não significa invadir, manipular, ou fazer ‘slogans’. Trata-se de um devotamento permanente à causa da transformação da realidade (…). O diálogo não pode se deixar aprisionar por qualquer relação de antagonismo (…)”. A Monsanto se apresenta como uma empresa comprometida com o diálogo, o qual estabelece como base nos princípios de seu compromisso corporativo: “ouvir atentamente diversos públicos e pontos de vista, demonstrando interesse em ampliar a nossa compreensão das questões referentes à tecnologia agrícola, e a fim de melhor atender as necessidades e preocupações da sociedade e uns dos outros”.

Ao afirmarmos que o diálogo sobre a produção de transgênicos é desencontrado, referimo-nos às ambivalências entre o discurso e a prática das empresas, dos governos, das universidades e da mídia. O processo dialógico é permeado por ruídos, omissões e abordagens unilaterais.

Um ponto flagrante na divulgação das informações para a população é que a pesquisa com transgênicos é realizada quase exclusivamente por aqueles que comercializam os produtos biotecnológicos. A preocupação é elaborar variedades com mais performance, sem se envolver na investigação de seus riscos indiretos ou diretos. A introdução dos GMs em diversas partes do mundo mostra a relação conflituosa entre ciência e democracia (APOTEKER, 2011, p. 89). As implicações vão além da dimensão cientifico-tecnológica. Estão ligadas às decisões políticas dos governos e à ética. Existe uma tensão permanente entre a demanda da sociedade e os interesses envolvidos com o fazer científico.

O direito à informação sempre esteve presente nos debates relacionados com a introdução dos transgênicos no país. Essa reinvindicação foi impulsionada pelas organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais, em especial os ligados aos direitos do consumidor. “O aumento da produção amplia a importância da informação como meio de garantir aos cidadãos o poder legítimo de escolha”. (SALAZAE, 2011, p. 302).

A rotulagem de alimentos é um meio de assegurar esse direito, mas em contrapartida torna-se uma arena de conflitos entre as indústrias e os consumidores. Nos EUA, utiliza-se o critério de “equivalência substancial”, em que a semente não transgênica é posta em igualdade com a geneticamente modificada. Partindo dessa norma, não há necessidade de informar ao consumidor o tipo de grão que contém um produto alimentício. Assim, a legislação norte-americana não permite estampar o “T” (de transgênico) nos rótulos (ROBIN, 2008).

Entretanto, as associações de consumidores norte-americanas conseguiram o direito de rotular o leite com a informação “ausência de uso”, referindo-se ao hormônio rBGH, responsável por aumentar em até 30% a produção de leite. Este foi o primeiro produto nascido da engenharia genética. Após 15 anos de uso massivo na pecuária leiteira – com índices elevados de mastites nas vacas que recebiam o hormônio, aumento da quantidade de germes no leite, além do crescimento do fator IGF (responsáveis por várias enfermidades) – a população passou a ter acesso a essa informação. (APOTEKER, 2011, p. 90; COHEN, 2005).

No Brasil, o decreto federal 4.680/2003 regulamentou o direito à informação, conforme artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sobre alimentos que contenham acima de 1% de ingredientes transgênicos. A lei vale, inclusive, para alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo GM. Em agosto de 2012, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, acolhendo o pedido da Ação Civil Pública proposta pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Ministério Público Federal (MPF), tornou uma exigência a rotulagem dos transgênicos independentemente do percentual e de qualquer outra condicionante. É possível identificar em diversos produtos um símbolo com a letra T (exige atenção para identificar, pois normalmente aparece com discrição nas embalagens).

Entretanto, o momento atual parece um retrocesso no que diz respeito à informação sobre a fabricação. O Projeto de Lei (PL) 4.148 (2008), de autoria do Deputado Luis Carlos Heinze, pretende retirar essa informação dos rótulos. O PL apresenta as seguintes propostas: (1) não torna obrigatória a informação sobre a presença de transgênico no rótulo se não for possível sua detecção pelos métodos laboratoriais, o que exclui a maioria dos alimentos (como papinhas de bebês, óleos, bolachas, margarinas); (2) não obriga a rotulagem dos alimentos de origem animal alimentados com ração transgênica; (3) exclui o símbolo T que hoje permite a identificação da origem transgênica do alimento (como se tem observado nos óleos de soja); (4) não obriga a informação quanto à espécie doadora do gene.

Em 2013, o PL poderia ir em votação em caráter de urgência, mas a ameaça não se confirmou. Em 29 de abril de 2014, novamente entrou eu pauta por conta de outro projeto que prevê a separação de produtos transgênicos em prateleiras de estabelecimentos comerciais (similar a uma lei estadual de São Paulo). Mas com a mobilização da sociedade civil a votação foi suspensa. Esses são alguns dos desencontros do diálogo sobre a transgenia no Brasil. O Idec está em campanha para impedir o fim da rotulagem dos transgênicos. Para participar, basta enviar uma mensagem para os deputados. É fácil e eficaz.

A soberania do discurso científico pode calar e distanciar os cidadãos de assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento econômico, social e cultural. É necessário construir um debate público com informação e conscientização. O diálogo aprofundado, e interessado em ouvir o que a sociedade realmente tem a dizer, é de responsabilidade do governo, por meio das leis de regulamentação; das universidades públicas, com educação e formação de cidadãos críticos e participativos; dos cientistas, ao respeitar o interesse público; das ONGs, ao trazer informações para a esfera pública; e da mídia e empresas do agronegócio, que devem comunicar com mais clareza e ética.

Como podemos observar, as novas tecnologias envolvem questões que devem ser debatidas pelos mais diversos atores sociais. A produção de alimentos GMs trouxe questões complexas, que urgem por interdisciplinaridade para construir a reflexão e propor soluções. É o caso alarmante da transição da posse das sementes, das mãos dos camponeses às das multinacionais. Outra análise imperativa é em relação aos riscos indeterminados, em longo prazo, na saúde humana e no meio ambiente.

A dificuldade para se fazer pesquisas independentes sobre a produção de transgênicos é um entrave para fundamentar as discussões no campo do direito e da cidadania. O diálogo entre os sujeitos, permeado de múltiplos valores, necessita encontrar caminhos concretos e seguros para transformar a realidade. Nesse sentido, um processo de comunicação dialógico, como nos sugere Paulo Freire, pode nutrir a sociedade com informações consistentes e o mais abrangentes possíveis. Assim, o cidadão poderá conquistar autonomia e engajamento para participar democraticamente, de forma deliberativa, de questões centrais para o presente e o futuro.

*Juliana Dias é editora do site “Malagueta – palavras boas de se comer” e José Carlos de Oliveira é professor do Programa de Pós graduação do HCTE/UFRJ em “Ciencia, Tecnologia e Segurança Alimentar”.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Pepe Escobar: − Somos o “Teorema” de Pasolini vivo



buscado no Redecastorphoto

 

17/1/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
 
 
 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 

Pier Paolo Pasolini
BOLONHA – Nas primeiras horas da manhã de 2/11/1975, em Idroscalo, numa favela imunda e miserável em Ostia, nos arredores de Roma, foi encontrado o corpo de Pier Paolo Pasolini, 53 anos, uma usina intelectual e um dos maiores cineastas dos anos 1960s e 1970s; fora severamente espancado e duas vezes esmagado pelas rodas do seu próprio Alfa Romeo.

Difícil conceber mais dolorosa, aterradora, mistura moderna de tragédia grega e iconografia renascentista; em cenário que parecia copiado de filme de Pasolini, o autor foi imolado como seu principal personagem em Mamma Roma (1962) jazendo na prisão à maneira do Cristo Morto, também conhecido como A lamentação do corpo de Cristo, de Andrea Mantegna.


A lamentação do corpo de Cristo
Provavelmente, um encontro gay que deu terrivelmente errado; um jovem marginal de 17 anos foi acusado pelo assassinato, mas ele também tinha ligações com neofascistas italianos. A verdadeira história jamais foi divulgada. O que emergiu é que “a nova Itália” – os pós-efeitos de uma nova revolução capitalista – matou Pasolini.


Pasolini só poderia ter saído à caça de estrelas, ao sair graduado em literatura da Universidade de Bolonha – a mais antiga do mundo –, em 1943. Hoje, um Pasolini é absolutamente impensável. Seria alguma espécie de OIVNI (Objeto Intelectual Voador Não Identificado). O intelectual total – poeta, dramaturgo, pintor, músico, autor de ficção, teórico da literatura, cineasta e analista político.

Para italianos cultos, foi essencialmente poeta (o que, há algumas décadas, era imenso elogio...) Em sua obra-prima Ceneri di Gramsci (1952) [Cinzas de Gramsci], [1] Pasolini traça notável paralelo, em termos de ânsia por um ideal heroico, entre Gramsci e Shelley – que estão enterrados no mesmo cemitério em Roma. Justiça poética. [2]

Então saltou sem dificuldade, da palavra à imagem. O jovem Martin Scorsese ficou embasbacado quando assistiu pela primeira vez a Accattone (1961); para nem falar do jovem Bernardo Bertolucci, que aprendia ao vivo, como cameraman de Pasolini. No mínimo, não haveria Scorsese, Bertolucci, ou, para não parar por aí, Fassbinder, Abel Ferrara e incontáveis outros, sem Pasolini.

E especialmente hoje, quando flanamos 24 horas/dia, sete dias por semana, em nossa medíocre Feira da Vaidade, é impossível não simpatizar com o método de Pasolini – que muda de direção, de crítica ácida (sulfúrica) da burguesia (como em Teorema e Porcile [Pocilga]), para buscar refúgio nos clássicos (sua fase das tragédias gregas) e nos medievais, fascinantes, da “Trilogia da Vida” – adaptações do Decameron (1971), Contos de Canterbury (1972) e As Mil e Uma Noites (1974).

Teorema
Também não é surpresa que Pasolini decida sair da Itália decadente, corrupta, para filmar no Terceiro Mundo – na Cappadocia, Turquia, para Medea; e no Iêmem para As Mil e Uma Noites. Bertolucci adiante faria o mesmo, filmando no Marrocos (O céu que nos protege), no Nepal (seu épico Buda) e na China (O último imperador), seu formidável triunfo holliwoodiano.

E então veio o inclassificável Salo, ou Os 120 Dias de Sodoma, último filme de Pasolini, torturado, devastador, distribuído apenas uns poucos meses depois do assassinato, proibido durante anos em vários países e impiedoso, ao extrapolar para muito além o flerte da Itália (e da cultura ocidental) com o fascismo.

Entre 1973 e 1975, Pasolini escreveu várias colunas para o Corriere della Sera, jornal de Milão, publicados como Scritti Corsari em 1975 e depois como Lettere luterane, postumamente, em 1976. [3] O tema que engloba tudo é a “mutação antropológica” da Itália moderna, que também pode ser lido como um microcosmo para todo o ocidente.

Sou de uma geração em que muitos eram enlouquecidamente apaixonados por Pasolini na tela e no papel. À época, era claro que aquelas colunas eram os RPGs [Role Playing Games] de um intelectual extremamente arguto – mas supremamente solitário. Relidas hoje, soam nada menos que proféticas.

Porcile (Pocilga)
Examinando a dicotomia entre rapazes burgueses e rapazes proletários – como Itália do Norte vs Itália do Sul – Pasolini descobre nada menos que uma nova categoria, “difícil de descrever (porque ninguém descreveu antes)” e para a qual ele não tinha “precedentes linguísticos e terminológicos”. E há os “destinados à morte”. Um desses, pode ter vindo a ser seu assassino em Idroscalo.

Como Pasolini argumentou, os novos espécimes eram aqueles que, até meados dos 1950s teriam sido vítimas da mortalidade infantil. A ciência interveio e salvou-os da morte física. São portanto sobreviventes “e na vida deles há algo de contra natura”. Portanto, Pasolini argumentava, filhos nascidos hoje não não, a priori, “abençoados”; os que nascem “em excesso” são definitivamente “não abençoados”.

Em resumo, era Pasolini presa de um sentimento de não ser realmente bem-vindo, e, mesmo, até, de ser culpado; a nova geração era “infinitamente mais frágil, embrutecida, triste, pálida e doentia que todas as gerações precedentes”. São depressivos ou agressivos. E “nada pode cancelar a sombra que uma anormalidade desconhecida projeta sobre a vida deles”. Hoje, essa interpretação pode facilmente explicar o jovem islamista, alienado, nascido em fronteiras que ninguém vê, e que cruza aquelas fronteiras para unir-se a qualquer jihad, em desespero.

Salo ou 120 dias de Sodoma
Ao mesmo tempo, segundo Pasolini, esse sentimento inconsciente de ser fundamentalmente descartável alimenta “os destinados à morte” em sua ânsia por normalidade, pela “total adesão, sem reservas, à horda, o desejo de não parecer distinto ou diverso.” E eles “mostram como viver agressivamente o conformismo”. Ensinam “a renunciar”, uma “tendência para a infelicidade”, a “retórica da feiúra” e a brutalidade. E os feios e brutos tornam-se expoentes, campeões da moda e do comportamento (como se Pasolini já antevisse os punks ingleses, em 1976).

O autodescrito “velho burguês racionalista, idealista” foi muito além dessas reflexões sobre a geração “não há futuro para vocês”. Pasolini anteviu, dentre outros desastres, a destruição urbana da Itália, a responsabilidade pela “degradação antropológica” dos italianos, a condição terrível dos hospitais, escolas e da infraestrutura pública, a selvagem explosão da cultura de massa e da imprensa de massa, a “estupidez delinquente” da televisão, a “carga imoral” dos que governaram a Itália de 1945 a 1975 – isto é, a Democracia Cristã apoiada pelos EUA.

Guy Debord
Ele flagrou com destreza o “cinismo da nova revolução capitalista – a primeira real revolução de direita”. Essa revolução, disse ele, “de um ponto de vista antropológico – em termos da fundação de uma nova “cultura” – implica homens sem vínculo com o passado, vivendo em “imponderabilidade”. Assim, a única expectativa existencial possível é consumir e satisfazer seus impulsos hedonistas”. Aqui, é a crítica feroz de Guy Debord à “sociedade do espetáculo” expandida para o horizonte cultural de “o sonho acabou” dos anos 1970s.

No momento em que foi escrito, tudo isso era pensamento radiativo. Pasolini não carregava prisioneiros; se o consumo arrancara a Itália da miséria, “para gratificá-la com algum bem-estar” e alguma cultura não popular, o resultado humilhante foi alcançado “com mimar a pequena burguesia, com escola obrigatória e com televisão delinquente”. Pasolini costumava zombar da burguesia italiana, “a mais ignorante de toda a Europa” (nisso, se enganou: a burguesia espanhola é imbatível).

Assim brotou um novo modo de produção de cultura – construída sobre “o genocídio das culturas precedentes” – e uma nova espécie de burguês. Ah, se Pasolini tivesse sobrevivido para vê-lo em cena em uniforme completo, como Homo Berlusconis!

A Grande Beleza já era!  

Agora, o coração consumista das trevas – “o horror, o horror” – profetizado e detalhado por Pasolini já em meados dos anos 1970s acaba de aparecer exposto em toda sua miserável purpurina por um cineasta italiano de Nápoles, Paolo Sorrentino, nascido quando Pasolini, para nem falar de Fellini, já estavam no auge da potência. La Grande Bellezza (A Grande Beleza) – que acaba de vencer o Golden Globes como Melhor Filme Estrangeiro e provavelmente também ficará com um Óscar – seria inconcebível sem La Dolce Vita de Fellini (do qual é coda não assumida) e a crítica de Pasolini à “nova Itália”.

Pasolini e Fellini, aliás, ambos são ramos brotados numa fabulosa tradição intelectual na Emilia-Romagna (Pasolini, de Bolonha; Fellini, de Rimini; Bertolucci, de Parma). No início dos anos 1960s, Fellini dizia ao amigo e ainda aprendiz Pasolini, que ele, Fellini, não era equipado para o criticismo. Fellini era sempre emoção pura; Pasolini – e Bertolucci – eram emoção modulada pelo intelecto.


Cena de "A Grande Beleza" de Paolo Sorrentino
O surpreendente filme de Sorrentino – corrida vertiginosa sobre os galhos da Itália de Berlusconi – é La Dolce Vita que acabou horrivelmente azeda. Impossível não sentir empatia com ‘'Marcello'’ (Mastroianni), chegando aos 65 anos (representado pelo agradável Toni Servillo), padecendo de bloqueio de escritor, ao mesmo tempo em que surfa a própria reputação de rei da vida noturna em Roma. Como o grande Ezra Pound – que amava profundamente a Itália – também profetizou – uma torpeza barata de liquidação acabou por durar até nossos dias, convertida em insipidismo berlusconiano no qual – segundo um personagem – todos “esqueceram tudo sobre cultura e arte” e o ex-ápice da civilização terminou conhecido só por “moda e pizza".

Pasolini nos falava exatamente sobre isso há quase 40 anos – antes que uma fantasmagórica, macabra manifestação dessa mesma mediocridade o tivesse silenciado. Sua morte demonstrou afinal – avant la lettre – o seu teorema; sempre esteve, desgraçadamente, mortalmente certo.



Notas dos tradutores

[1] PASOLINI , Pier Paolo. Le ceneri di Gramsci. Milano: Garzanti, 1957. 249 p.. Há traduções de alguns poemas em Le ceneri di Gramsci, Poemas I e Le ceneri di Gramsci IV - Porto: Assírio & Alvin, 2005. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo no blog Canal da Poesia.

[2] De fato, estiveram bem separados nos cemitérios, por muito tempo. Gramsci foi enterrado, primeiro, no Cemitério Campo Verano, antes de suas cinzas serem trazidas para o Cemitério de Não Católicos de Roma, onde estão hoje, como Shelley e Keats. Foi a cunhada de Gramsci (Tatiana Schucht, cidadã russa e não católica, e quem cuidou de Gramcsi durante os anos de cárcere em Roma) quem fez a transferência das cinzas para onde estão hoje. Caso talvez mais de amor, que de justiça, poética ou qualquer outra. A história está contada em detalhes em:  Gramsci’s grave and Pasolini, onde também aprendemos que no túmulo de Gramsci há a inscrição “Cinera Antonii Gramscii”, “cinzas de Antonio Gramsci”, que Pasolini usaria para título de seu poema. A internet é totalmente O MÁXIMO.

[3] PASOLINI, Pier Paolo, “Escritos Corsários e Cartas Luteranas”, Porto: Assírio & Alvim,2006, 174 pp.
___________________

[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.