sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Medicina cubana...


buscado no Turquinho 
 

'Não há dengue em Cuba'

A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando concedeu entrevista à Carta Maior nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre sua experiência como médica e sobre a situação da saúde em seu país. Por Najla Passos.




por Najla Passos
 
Brasília - A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, ainda falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando a encontrei nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Ela nasceu em Guane, um pequeno município de 35 mil habitantes na província de Pinar del Rio, famosa pela produção dos charutos cubanos. Aos 5 anos, mudou-se para a capital, onde cursou o estudo básico e médio. Com 17 anos de prática médica e experiências internacionais em Honduras e Bolívia, está divorciada há dois anos e não possui filhos. Decidi iniciar por aí nossa entrevista.

- É mais fácil deixar seu país quando não se tem marido e filhos?, questionei.

“Não tenho marido e filhos, mas tenho família: pai, mãe, irmão. Mas mesmo meus colegas que têm filhos, não temem deixá-los porque sabem que, em Cuba, eles serão muito bem assistidos, terão acesso gratuito à educação e saúde de qualidade. Além disso, os colegas médicos que permanecem na ilha criam uma espécie de rede de solidariedade para atender as famílias dos que estão fora. Nossos companheiros policlínicos visitam nossas famílias e cuidam para que sejam assistida nas suas necessidades. Eles ligam para meus pais, visitam minha casa e, assim, posso viajar tranquila”, explicou. 

- Seus pais também são médicos?

“Não. Eles são professores, já aposentados".

- E seu irmão, é médico?

“Não, eletricista. Sou a única médica da família”.

- E como você decidiu fazer medicina?

"Em Cuba, as escolas promovem ciclos de interesse que vão combinando as coisas que você gosta desde pequena. Por exemplo, vão bombeiros, professores, esportistas e vários outros profissionais, dentre eles os médicos. Isso para formar, desde pequeno, conhecimento sobre todas as áreas. Eu sempre gostei sempre da medicina. No ensino médio, participei do ciclo de interesse de cirurgia experimental e, depois, ainda participei do ciclo de medicina geral e integrada, ainda em Pinar Del Rio. Depois passei pela faculdade de medicina, seis anos de muito estudo. Era um período muito duro. Mas consegui nota máxima em todas as disciplinas. Em seguida, prestei os dois anos de serviço social obrigatório em Guane".

- Você voltou a sua cidade natal para clinicar?

"Sim, é uma cidade muito pequena, mas gosto muito de trabalhar lá".

- Não fez nenhuma especialização?

"Depois do serviço social, fiz três anos de especialização em medicina geral e integrada, como todos os médicos cubanos que vieram para o Brasil. Seria o equivalente, aqui no Brasil, a medicina familiar, que ensina ver a pessoa no seu conjunto. Fiz a especialização em dois níveis. Sou mestre em Procedimento e a Diagnósticos Primários de Atenção à Saúde".

- E como você aprendeu o português?

Meu pai morou na Guiné Bissau por um ano e se apaixonou pelo idioma. Ele me ensinava desde que eu era bem pequena. 

- Você disse que, em Cuba, os estudantes escolhem fazer medicina por vocação. No Brasil, os cursos de medicina são os mais caros, nas universidades particulares, e os mais concorridos, nas universidades públicas e, com isso, acaba que praticamente só os mais ricos, que têm como pagar uma educação de maior qualidade, conseguem acesso a eles.

"Em Cuba, a oportunidade é a mesma para todos os cubanos. Primeiro, não há classes sociais diferentes. Todos somos iguais. Não há discriminações por sexo ou raça. Sou mulher, sou mulata, mas estou aqui como todos os outros companheiros da brigada."

- Os brasileiros têm muita dificuldade em entender como vocês podem vir para cá sem receber o mesmo salário pago aos demais profissionais que integram o programa, como vocês aceitam que parte dos seus salários seja retida pelo governo. Como você vê isso?

"Eu conheço essa polêmica capitalista. É que vocês não entendem que nós não trabalhamos por dinheiro, mas por solidariedade, humanismo. O comandante Fidel Castro, nosso líder nacional e também latino-americano e mundial, tem uma frase que diz que “ser internacionalista é saldar nossa própria dívida com a humanidade”. E nós carregamos esse conceito em nosso coração. Desde pequenos, já aprendemos sobre internacionalismo, solidariedade, honradez, bondade, profissionalismo. Eu acho até que o povo cubano não poderia viver sem esses conceitos, que estão na base da sua cultura. Como diz nossa ministra da Saúde, temos um recurso muito grande, que é nosso próprio conhecimento e o amor do nosso povo por outros povos irmãos".

- Você falou que já esteve em outras missões internacionais...

"Sim, trabalhei por dois anos na Bolívia, em Potosí, o departamento mais pobre do país. Um lugar cheio de riquezas, mas onde o povo é muito pobre.
Também atuei em Três Cruzes, uma aldeia muito pequena e pobre. Lá, eu tive o prazer de trabalhar muito e conseguir inaugurar um hospital. Em Honduras, trabalhei em Nova Esperança, em municípios muito pobres.

- E, nesses locais, vocês tinham acesso a equipamentos, infraestrutura e tecnologia para atender adequadamente os pacientes? 

"Não. Nós trabalhávamos com o método clínico. Nós examinávamos os pacientes. Tocávamos as pessoas, conversávamos com os doentes. A falta de tecnologia não é problema para mim e nem para a brigada cubana, que trabalha muito com este método. E é com isso que esperamos melhorar muito a saúde do seu povo. Muitos países não têm dinheiro para pagar a tecnologia avançada. Sei usar um ultrassom, mas pratico muito o método clínico". 

- Outra crítica das entidades médicas brasileiros é que, em Cuba, por conta do longo embargo econômico, o acesso à tecnologia é muito restrito, o que provoca uma defasagem na formação dos médicos e os impossibilita de atuar adequadamente no Brasil. Você concorda com isso?

"Cuba é um país pobre e bloqueado, mas nossos indicadores de saúde são excelentes. E isso não tem a ver com muita tecnologia. Estamos entre os cinco países com menor índice de mortalidade infantil: menos de 4,5 por mil nascidos vivos. Isso é graças ao nosso esforço, porque estudamos muito, investimos em pesquisas, praticamos muito o método clínico, e isso faz a diferença. Também temos uma vigilância epidemiológica muito boa, fundamental para todos. E a saúde cubana é multissetorial: até a população participa. A dengue, por exemplo, é uma doença transmissível. Se o governo não educa sua população, todos morremos. 

- Há dengue em Cuba?

"Não, não há. Eu citei a dengue porque é uma doença comum no Brasil. Já atendi muitos pacientes com dengue, mas em Honduras. Não em Cuba, que temos uma vigilância epidemiológica forte. E nem na Bolívia, porque atuei no altiplano, onde é muito frio".

sábado, 24 de agosto de 2013

Desgraça forte ameaça Petrobras



  

 por Emanuel Cancella   
A maior traição será o leilão de Libra, marcado para 21 de outubro, um dos maiores campos de petróleo do mundo. Isso depois de promover a privatização dos portos, dos aeroportos e a terceirização exacerbada, o que também não deixa de ser uma espécie de privatização.

A Petrobrás resistiu à sanha privatista de Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente acabou, na prática, com o monopólio da União sobre o petróleo. Mas não conseguiu privatizar totalmente a companhia, que se manteve sob o controle acionário do Estado, nem mudou o nome da empresa para Petrobrax, como pretendia, graças à pressão popular.

FHC transformou todo o patrimônio da Petrobrás em “unidades de negócios”, com o objetivo de vender a empresa em fatias. Mas, no seu mandato, só conseguiu repassar ao capital privado 30% da Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP), no Rio Grande do Sul. O que foi contornado pelo presidente Lula que, ao assumir, comprou de volta os 30%.

Críticas à parte ao modelo implementado pelos tucanos, capitaneado por FHC - a conhecida “Privataria Tucana” -, pelo menos era uma proposta explícita: diminuir o tamanho do Estado (embora vendendo o patrimônio a preço vil) para investir em serviços que eles consideravam essenciais.
Os tucanos deram com os burros n’ água, tanto nos resultados políticos e econômicos, como eleitorais. Mas o que a presidenta Dilma fez foi enganar o eleitorado. Sua política é tão entreguista quanto a de FHC. Talvez pior, pois deixou parte da oposição de esquerda atordoada.

O caso de Libra é o mais emblemático. Transformados em dólar, os 14 bilhões de barris de Libra estimados pela ANP corresponderiam a reservas avaliados em um trilhão e quatrocentos bilhões de dólares: quantia maior que nossas reservas cambiais e a totalidade de nossa dívida interna e externa.
Mas enquanto se dispõe a entregar a petrolíferas estrangeiras toda essa riqueza por uma bagatela (para cobrir déficit fiscal imediato, com fins eleitoreiros), a presidenta joga areia nos nossos olhos, ocultando o mais importante, ao mesmo tempo em que comemora a aprovação do projeto que garante 75% dos royalties para a saúde e 25% para a educação. Só que os royalties representam no máximo 15% do petróleo. E o resto?
Imaginem a festa das multinacionais, dos bancos e dos megaempresários que estão arrematando os 85% do petróleo nos leilões da ANP! A quem estará reservada a joia da coroa, o campo de Libra? Seria Libra o tesouro que Dilma chamou de “nosso passaporte do futuro” durante a campanha eleitoral?

O vergonhoso “desinvestimento”

Como desgraça pouca é bobagem, Dilma coloca na presidência da Petrobrás, Maria das Graças Foster. Essa senhora está distribuindo os ativos da Petrobrás a bel prazer. Foster está fazendo aquilo que FHC não conseguiu quando criou as “unidades de negócios”: está vendendo a Petrobrás em pedaços através do seu “Plano de Desinvestimento”.

Não existindo concorrência pública nesse processo, é a própria Foster que escolhe o comprador. Exemplo: ela entregou 40% do mega campo BS 04, da Bacia de Santos, para Eike Batista; e parte da Bacia Potiguar para a Britsh Petroleum-BP.
Os leilões da ANP podem ser comparados à venda de bilhete premiado, crime lesa-pátria ou a outras imagens igualmente fortes. Mas pelo menos estão previstos na Lei 9478/97, existindo também uma disputa entre as empresas, os consórcios, audiência pública, valores do lance mínimo estipulados e outras formalidades legais.
Já a venda dos ativos é pior. Maria das Graças Foster decide tudo praticamente sozinha. Estipula quando, para quem e por quanto será vendido cada ativo da Petrobrás. Mais grave: a presidente da companhia é suspeita de corrupção e nepotismo.

Outras denúncias

Investigação sobre uma compra no Centro de Pesquisa da Petrobrás (Cenpes), em 1999, onde Foster era lotada, apontava favorecimento a empresa de seu marido, Colin Foster. A denúncia foi apurada pela antiga Divin (atual Gerência de Investigação Empresarial da Petrobrás), mas engavetada por um gerente do Cenpes, Sr. Camerine.

Em reunião com a Federação Nacional do Petroleiros (FNP), Graça Foster, de viva voz, negou que seu marido tivesse negócios com a Petrobrás. No entanto, posteriormente, o Sindipetro-RJ divulgou provas dos negócios entre seu marido e a companhia e, também, com a ANP. Veja aqui.

Os petroleiros, com apoio da sociedade, conseguiram barrar na Petrobrás a privataria tucana. Será que vamos conseguir barrar a privataria petista?

Emanuel Cancella é diretor-geral do Sindipetro-RJ e da FNP.

Originalmente publicado na Agência Petroleira de Notícias (APN) - http://www.apn.org.br


publicado também no Gilson Sampaio 
 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Planos de saúde levam 30% do dinheiro público da Saúde, diz professor da Unicamp



buscado no Maria Frô



Da redação do CartaCampinas



O médico sanitarista Nelson Rodrigues dos Santos, da Unicamp, afirmou que planos e seguradoras de saúde, empresas particulares, levam 30% do orçamento do Ministério da Saúde, deixando o Sistema Único de Saúde (SUS) subfinanciado e em condições precárias para médicos e pacientes.


Médico sanitarista Nelson Rodrigues dos Santos


Em entrevista ao Cebes (Centro Brasileiro de Estudos da Saúde), Santos afirma que a partir de 1990 o governo federal passou a co-financiar planos para os servidores federais, dos poderes executivo, legislativo e judiciário.”Então, essa visão economicista tradicional está implantando um novo sistema público em nosso país: subfinanciado e somente para os pobres. Traduzindo em números, a estimativa da soma dos subsídios federais aos planos e seguradoras de saúde correspondem a mais de 30% por orçamento do Ministério da Saúde”, afirmou.

Para ele, esse fenômeno levou as centrais sindicais e os próprios sindicatos a também pleitearem os planos privados a seus filiados, enfraquecendo ainda mais a pressão social por um sistema de saúde público e de qualidade.

Nelson Rodrigues ressalta que a população não tem informação de que ela pode ter acesso a um bom sistema público de saúde. “A população brasileira não tem a informação que existem sistemas públicos em outros países que são preferidos por 90% da população. Então, não é só um sonho de que é possível ter um bom sistema público de saúde. Ele existe na prática em dezenas de países”, disse ao Cebes.

Para o médico sanitarista, mesmo que o governo coloque no sistema público 10% das receitas da união, esse percentual seria inferior ao gasto per capita de países como a Argentina, Chile, Costa Rica e Uruguai. “Um estudo da Organização Mundial da Saúde mostra que a média do gasto com saúde pública em 15 países com sistemas de saúde pública, funcionando bem, é de 2,5 mil dólares públicos, per capita por ano. No Brasil gastamos 385 dólares públicos. Para termos um bom sistema não estamos olhando nem para os 2,5 mil, mas sim para 1 mil dólares. Se tivermos a vitória do Saúde+10 vamos para R$ 550. Dou esses números para mostrar como o governo não cumpre a Constituição na área da Saúde”, afirmou à entidade. 


Libra: o povo não sabe de nada

 

buscado no Paulo Metri



por Paulo Metri - conselheiro do Clube de Engenharia

O povo não sabe nada sobre Libra e, se depender da mídia comercial, continuará inocente para sempre. Sugiro uma enquete feita por um instituto de pesquisa confiável, com uma única pergunta à população: “O que você acha do leilão de Libra, que vai ocorrer em 21 de outubro próximo?”. Aposto que, no mínimo, 95% dos entrevistados não saberão o que é Libra. No entanto, o leilão de oito a doze bilhões de barris de petróleo, que se convencionou chamar de campo de Libra, não poderia passar despercebido. Está em jogo a possibilidade de muito mais recursos estarem disponíveis, no futuro, para educação, saúde, habitação, saneamento e outros programas sociais, se este campo for bem aproveitado. Se for leiloado, a maior parte destes recursos irá para as petrolíferas estrangeiras.
Este importante fato não é divulgado, simplesmente, porque a mídia comercial existente é subordinada aos interesses do capital e, neste assunto, as petrolíferas estrangeiras determinam que a sociedade deve permanecer em total ignorância. Desta forma, informações confiáveis, hoje, só na mídia alternativa. O que será desviado da sociedade com o leilão de Libra corresponde à maior apropriação de um patrimônio público desde a nossa independência. Só não digo desde a descoberta do país, porque não sei quanto ouro foi levado das nossas terras para Portugal.
A totalidade do petróleo de Libra vale, no mínimo, US$ 1 trilhão, mas, provavelmente, chegará a US$ 1,5 trilhão. Nem tudo será desviado, pois existem o Fundo Social e os royalties. Mas poderia retornar mais para a sociedade, se Libra fosse entregue sem licitação à Petrobras, que assinaria um contrato de partilha com a União, satisfazendo o artigo 12 da lei 12.351, e com a máxima contribuição para o Fundo Social. Qualquer valor abaixo deste máximo que a Petrobras pode entregar deve ser considerado como um desvio de patrimônio da nossa sociedade.
Assim, o desvio de Libra, se o governo teimar em leiloá-lo para as empresas estrangeiras, será maior que a transferência de todo manganês da Serra do Navio no Amapá para formar uma montanha em outro país. Será maior que o roubo da privatização da Vale, que chegou a US$ 100 bilhões, ou o das teles, que dizem ter sido em torno de US$ 40 bilhões. Se for tomado o desvio ou o caixa 2 dos chamados mensaleiros, da ordem de uma ou duas centenas de milhões de reais, o leilão de Libra significa uma subtração de recursos da ordem de 10.000 vezes maior que o tão divulgado rombo do “mensalão”.
Contudo, no caso de Libra, temos o desvio institucionalizado, uma vez que o leilão não é a melhor aplicação da lei 12.351, mas ele também está previsto nesta lei. Se o argumento de que o leilão não traz o melhor impacto para a sociedade for levado a um juiz, ele poderá indeferir o pedido de sustação do leilão, alegando que este é previsto em lei e, se a lei é injusta, não cabe a ele, juiz, modificá-la. Aliás, todas as 11 rodadas de leilões da ANP já ocorridas, seguindo a lei 9.478, excetuando a oitava, tiveram respaldo legal. O Congresso Nacional, tão comprometido com o poder econômico quanto a mídia, só irá reverter esta lei se houver grande pressão popular ou se a população passar a votar melhor, inclusive se deixar de votar contra si própria.
Para descrever a apropriação indevida, há uma correspondência clara entre este ciclo do ouro negro com o que aconteceu no ciclo do ouro passado, pois a Coroa são os atuais países-sede das petrolíferas estrangeiras, a Colônia é a mesma; a administração da Coroa na Colônia é, hoje, o atual governo brasileiro; os agentes da usurpação são, ontem e hoje, os estrangeiros; e os usurpados de hoje são os descendentes dos usurpados do ciclo passado.
Fatidicamente, ficamos sempre com pouco usufruto sobre a riqueza que nos entrega a natureza ou o Criador. Espoliado desde a invasão européia de 1500, o Brasil está no grupo das nações supridoras de grãos e minérios para os opulentos, que têm tecnologia, indústrias e serviços com alto conteúdo tecnológico e forças armadas persuasivas e opressoras.
Não há risco em Libra, pois não há dúvida sobre a existência deste petróleo. Não há pressa, a menos que o governo esteja com dificuldade para fechar suas contas, inclusive, o superávit primário. Mas, se este for o caso, lembre-se que estão comprometendo realizações futuras durante muitos anos por uma questão conjuntural. Se a Petrobras estiver com sua capacidade de envolvimento em novos negócios esgotada, pode-se esperar, pois o abastecimento do país está garantido graças a ela própria por, no mínimo, uns 40 anos.
Aproveito para salientar que nenhuma empresa estrangeira se dispõe a abastecer o país, a construir refinarias, contratar plataformas e outros bens aqui. Querem unicamente o petróleo e seu lucro, em exploração completamente desvinculada da população que habita a região. Minha esperança, hoje, são os sindicalistas, os filiados a entidades de classe, os integrantes de movimentos sociais, os jovens que estão na rua, os internautas do bem, os perceptivos e honestos da mídia alternativa e o ex-presidente Sarney, a quem passo a fazer um pedido de público, já que não tenho canais de interlocução.
Vossa Excelência, durante sua vida pública, deu claras demonstrações de compreender a importância de se preservar a soberania do país e que esta posição nacionalista era necessária para se conseguirem avanços progressistas, tendo o seu governo se norteado por estes princípios. De memória, cito algumas medidas soberanas e progressistas do governo de Vossa Excelência: criação do Mercosul; determinação do domínio completo da tecnologia do Ciclo do Combustível Nuclear; decisão da construção do submarino nuclear; acordo com a China para o lançamento conjunto de satélite; moratória da Dívida Externa; lançamento do Plano Cruzado com o controle dos preços; reatamento com Cuba; criação do Ministério da Reforma Agrária; criação do Ministério da Cultura, com a nomeação do economista Celso Furtado para exercer o cargo de ministro; legalização de todos os partidos antes clandestinos e reconhecimento das centrais sindicais; nomeação de um nacionalista como Renato Archer para o Ministério da Ciência e Tecnologia; defesa da Causa Palestina e da Nicarágua Sandinista nos fóruns internacionais; defesa na ONU da autodeterminação e independência do Timor Leste; e reserva de mercado da informática, com a criação da Secretaria Especial de Informática, reserva esta mal interpretada até hoje.
Assim, peço a Vossa Excelência, político respeitado e de muitos aliados, que tem a sensibilidade necessária para compreender os argumentos de soberania, que é imprescindível para o progresso social, colocar todo o seu peso político, adquirido em anos de atuação no nosso cenário, para que o leilão de Libra seja suspenso e este campo seja entregue à Petrobras, sem licitação prévia, através de contrato de partilha, como permite a lei 12.351. O povo brasileiro, no dia que ganhar consciência plena, será muito agradecido a Vossa Excelência.


 (Veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 21/08/13)

Carta branca à desobediência civil

 

buscado no Brasil de Fato

 



O que é Black Bloc e o que esperar dessa juventude que ganha as ruas


por Flávia Alves, de São Paulo (SP)

Após uma série de protestos e passeatas contra o aumento da passagem em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciaram, no dia 19 de junho, a redução das tarifas de ônibus e trem. A vitória dos manifestantes provou a força da articulação virtual e abriu um novo caminho de se fazer política.
“Estamos experimentando outra maneira de expressão política, típica de uma geração fruto do período democrático mais longo da história brasileira”, aponta Dennis de Oliveira, professor da USP e pesquisador de Comunicação Popular, ao se referir sobre quem são esses novos atores que surgem.
A maioria dos manifestantes tem cerca de 20 anos, portanto, todos nascidos em regime político flexível, como também fazem parte da “era da informação”, em que todos estão conectados em rede pelas plataformas digitais.
“Por isso, surgem organizações que se articulam em arranjos táticos pontuais para garantir determinadas reivindicações”, explica Oliveira, sem deixar de ressaltar que apesar desses jovens não estarem conectados com as grandes narrativas ideológicas, eles reconheçam que elas ainda existem e têm a sua importância.
Após a redução da tarifa, as manifestações assumiram outras pendências por conta da insatisfação geral do brasileiro com o governo.
Quanto a essa guinada nas manifestações, Oliveira aponta que esse fenômeno expressa a formação de uma nova esfera pública, na qual múltiplas ideias e ideologias estão em disputa.
“Não se trata apenas de uma pauta de reivindicações para ser negociada com os governantes, é preciso construir um espaço para o diálogo entre sociedade civil e instituições.”
O professor afirma também que a situação atual mostra uma população que quer se autorrepresentar no espaço político, e não que seus representantes façam política por ela, e relembra: “Essa população não tem uma ideologia definida. É um espaço em disputa, por isso grupos de direita também saíram às ruas para expressar suas bandeiras”.

A desobediência civil e o Black Bloc
Não há dúvida que o Movimento Passe Livre (MPL) e o Black Bloc saem dessas manifestações como dois dos seus principais protagonistas.
O primeiro prioriza a ação direta não-violenta; interditaram ruas e estradas e ocuparam prédios públicos. Respondem como um grupo organizado com pautas objetivas e metas de conduta dentro de uma manifestação.
Já o Black Bloc não é um grupo, nem possui nenhum tipo de representação. Carregam semelhanças com o grupo Anonymous, uma rede de troca de ideias e informação sem líderes e completamente anônima.
O Black Bloc é definido no momento da manifestação e formado por um grupo de pessoas que agem de maneira autônoma com algumas afinidades - enfrentam a polícia, constroem barricadas nas ruas e depredam empresas-símbolo do Capital.
De acordo com Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas da USP, o Black Bloc não pode ser considerado uma tática de ação violenta, já que seus adeptos destroem o patrimônio público e não a integridade física das pessoas.

Com vandalismo
Para entender melhor como agem os membros do Black Bloc, Yargo Gurjão, membro do coletivo Nigéria, acompanhou de perto as manifestações de junho e julho em Fortaleza, registrando depoimentos de manifestantes e as cenas de conflito.
O resultado é o documentário "Com vandalismo", que mostra quem são e o que querem esses mascarados. Gurjão explica que antes de qualquer julgamento ou contextualização histórica, o importante é dialogar com eles, e de preferência com muitos.
“O Black Bloc deve ser visto de maneira cuidadosa, a ideia é não haver unidade ou liderança, mas existe o espírito de solidariedade entre eles”, alerta.
O integrante do coletivo Nigéria também aponta que é preciso diferenciar o ato violento daquele que é feito como resistência a uma violência.
“A grande mídia não se interessa pela motivação de quem pratica a desobediência civil. Tachar manifestante de ‘vândalo’ esgota as chances de tentar compreender a complexidade de toda a situação”, resume ele.
O documentário "Com vandalismo" mostra que os manifestantes mudam a sua maneira de agir de acordo com o calor do momento. O vídeo registra jovens pacifistas na linha de frente dos conflitos com o batalhão de choque da Polícia Militar e mascarados carregando outros manifestantes para longe do gás lacrimogêneo. Portanto, é coerente afirmar que não há como definir quem são esses “vândalos”.

Solidariedade
“A linha de frente foi o lugar onde mais vimos atos de solidariedade”, diz Yargo, ao argumentar que é preciso entender o que leva esses jovens ao conflito direto com os policiais. Segundo ele, a impotência das pessoas perante o aparato repressor da polícia também faz com que aumente o espírito coletivo dos que se encontram nessa situação.
Apesar de não simpatizar com as táticas do Black Bloc, Dennis de Oliveira, por sua vez, faz uma ressalva no mesmo sentido. A de que ação é justificada pela “existência de uma polícia contaminada com a ideologia militarista de combate ao inimigo interno, oriunda da ditadura militar”.
“A brutal concentração de riquezas, em especial pelos bancos e instituições financeiras, e a impunidade desses segmentos sociais por parte das instituições do poder público é que facilitam a geração dessa revolta expressa dos Black Blocs”,complementa.
O momento ainda é cedo para se ter uma definição exata do que seja essa mobilização de jovens. A única coisa que se pode afirmar sobre essas pessoas é que são muito mais do que “vândalos” e que cabe à sociedade se perguntar de onde vieram e por quem lutam os Black Blocs.

 
 
Foto: Fernando Frazão/ABr 
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Espírito samurai

 

buscado na CartaCapital   

 

A vida de Tomizo Ishida, fabricante da kataná, a espada dos guerreiros, por Redação Carta Capital


 
Por Alexandre Aragão
Japão, 1615. Recém-che-ga-do ao poder, o clã dos Tokugawa combate a resistência do clã Toyotomi em uma série de confrontos conhecida como o Cerco de Osaka. No fim de novembro do ano anterior, o jovem samurai Kimura Shigenari comandara os Toyotomi na vitória na batalha de Imafuku. Antes de guerrear novamente, Kimura envia uma carta à amada: “A essa altura, abandonei toda esperança de termos um futuro juntos neste mundo. Eu estarei esperando você no fim da estrada a que chamam morte”. O guerreiro não voltou para casa.
O espírito dos samurais os impele à obstinação: é preciso cumprir sua razão de ser. Assim pensa o imigrante japonês Tomizo Ishida, de 88 anos, o mais velho e último ferreiro no Brasil a produzir katanás, espadas curvadas usadas pelos guerreiros nipônicos. Natural da província de Gunma, Ishida foi trabalhar ainda criança na lavoura de café da Fazenda Aliança, em Mirandópolis, no noroeste paulista. Aprendeu sozinho a lidar com ferro e fogo para forjar os sabres.
Durante os anos 1920, cerca de mil famílias, entre elas a de Ishida, aportaram em Mirandópolis. Apenas em 1935 seria fundada, porém, a comunidade nipônica mais famosa da região, batizada com o sobrenome do fundador, Isamu Yuba, e alicerçada até hoje no mesmo tripé: trabalhar, rezar e cultivar a arte. Ishida estudou com o irmão mais novo de Yuba, no qual via o espírito dos samurais e de quem pegou emprestada a primeira kataná que viu na vida. “Fiquei com ela por dois meses. Passei muito tempo admirando aquela espada. Copiei o formato até ficar idêntico.”
Décadas depois, ao passear pelo bairro paulistano da Liberdade, Ishida veria na vitrine de uma loja a kataná mais feia de todas. Obra de um brasileiro, a disforme espada na vitrine lhe deu o impulso que faltava. “Fiquei com vergonha. Eu, japonês, filho de japoneses, em um bairro japonês, não conseguia encontrar uma kataná (decente).”
Uma história paralela da imigração japonesa marcou a vida do ferreiro. Na mesma época em que a família Ishida chegou ao Brasil e se instalou no Sudeste, outro grupo de imigrantes japoneses desembarcava no meio da Floresta Amazônica, em Parintins. Em 11 de março de 1927, o então governador Efigênio Salles assinava um acordo com o governo do Japão e concedia terras para o cultivo de juta, fibra proveniente da Índia que serve, entre outras finalidades, para fazer sacas de café. Após algumas expedições de reconhecimento, surgiu na década seguinte, em uma área de 78 mil quilômetros quadrados, a Vila Amazônia.
De junho de 1931 a julho de 1937, cerca de 250 alunos da Escola Superior de Colonização, do Japão, desembarcariam no Amazonas. Ficariam conhecidos como koutakuseis, expressão derivada do nome em japonês da instituição de ensino. A Segunda Guerra Mundial mudaria a vida deles. Antes bem-vindos, os japoneses passaram a ser hostilizados por causa da aliança com a Alemanha nazista. Proibidos de fazer reuniões e de falar seu idioma, os -habitantes da Vila Amazônia acabariam despojados de suas terras: a colônia foi desapropriada pelo governo amazonense. A reparação só viria em 2011, um pedido formal de desculpas do estado.
Reconhecido como um dos maiores forjadores de katanás do mundo, mas há um ano sem fazer espadas, Ishida deseja produzir ao menos mais uma. “Quero gravar na lâmina o nome de todos os japoneses da Vila Amazônia”, afirma, enquanto rabisca com o dedo ideogramas imaginários em cima do tampo de pedra da mesa de sua sala. “Pode até ser meu último trabalho.”
O trabalho no campo impediu Ishida de concluir os estudos. “Como imigrante, a gente trabalhava pior que escravo.” Frustrado por não progredir, resolveu deixar Mirandópolis em busca de outras oportunidades. Aos 25 anos, estabeleceu-se em Londrina e conseguiu um emprego como aprendiz de fotógrafo.
Nos fins de semana, viajava ao interior paranaense para registrar casamentos. “Pegava minha moto e ia para os lugares onde não tinha luz elétrica. Conseguia ganhar bem porque nenhum fotógrafo ia até lá.” De volta a Londrina, revelava as fotos e as retocava, aproveitando a habilidade manual inerente: na sala de sua casa, ele exibe com orgulho um retrato, feito a lápis, de um de seus três filhos.
A prole é fruto do casamento de 62 anos com a numeróloga Luzia Misao Ishida, de 85 anos, nascida na região de Yamagata. Eles se conheceram no Paraná. Poucos anos depois, determinado a regressar a São Paulo, Ishida mudou de profissão pela segunda vez na vida: virou relojoeiro e instalou-se em Mairiporã, na região metropolitana. A pedido de um patrício dono de uma relojoaria, tentou consertar algumas peças. “Ele me deu dez relógios. Consertei todos em uma noite.”
O leve derrame sofrido no último ano afetou a noção de profundidade da visão, mas não a memória. Com os olhos amendoados, Ishida mira por cima das lentes espessas dos óculos, a cabeça levemente inclinada. Ato contínuo, coloca a mão esquerda em concha ao lado da orelha, na qual está fixado um aparelho de surdez. A audição foi afetada pelo barulho constante, durante o molde das lâminas.
Na casa que ocupa “um quarteirão”, nas palavras de Luzia, Ishida guarda três espadas. E recorda a primeira fundida para o filho Luiz. “Ele abriu uma indústria e estava passando por dificuldades. Disse: ‘Vamos fazer kataná para te proteger, vai aumentar o lucro’.” Luiz tem atualmente duas fábricas, uma em São Paulo, onde fica exposta a espada, e outra no Amazonas, terra dos koutakuseis.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Francisco Milanez: “Podemos ter agricultura orgânica de qualidade em grande escala”

 

buscado no Gilson Sampaio 

 


Via Sul 21
“Nós vamos fazer uma chamada de experiências de sustentabilidade no Estado. Nós não estamos reinventando a roda, queremos pegar essa massa de conhecimento e socializar por meio de um banco de dados na internet. A ideia é oferecer experiências para que as pessoas possam adaptar de acordo com sua própria realidade.”
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Plano RS Sustentável quer mudar atual padrão de produção e consumo de alimentos no RS, explica ambientalista | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Marco Aurélio Weissheimer
Coordenador do Grupo de Trabalho criado pelo governador Tarso Genro para formular o Plano Rio Grande do Sul Sustentável, Francisco Milanez apresentou no dia 9 de agosto os quatro princípios que devem orientar a elaboração desse plano: ser ambientalmente sustentável, socialmente justo, economicamente viável e culturalmente respeitoso. As propostas de ações e políticas apresentadas envolvem as áreas de meio ambiente, saúde, tecnologia e educação. Uma delas prevê o incentivo em alta escala do consumo de alimentos orgânicos no Estado.
Em entrevista ao Sul21, Milanez fala sobre a elaboração do Plano RS Sustentável e um de seus principais objetivos: mudar o atual padrão de produção e consumo que provoca sérios problemas de saúde, como doenças degenerativas, obesidade infantil e adulta, reduzindo a qualidade de vida. “Podemos fazer uma revolução nesta área. Temos condições tecnológicas, físicas e comerciais para fazer uma mudança radical na alimentação da população do Rio Grande do Sul. Não há nenhum sentido em continuarmos nos envenenando”, defende. Milanez também fala sobre a recente saída da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) do Conselho Estadual de Meio ambiente. “Isso está sendo custoso para mim. Exatamente no momento em que entrei para mediar aconteceram estas coisas”.
 
Sul21: Em que consiste e como está sendo elaborado o Plano Rio Grande do Sul Sustentável?
Francisco Milanez:
Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que não se trata exclusivamente de um plano no sentido do planejamento tradicional, porque nós não temos tempo para isso. Trata-se, na verdade, de um planejamento que começa com ações. É algo como trocar o pneu com o carro andando. Estou trabalhando para fazer uma integração entre várias secretarias e órgãos do Estado que estão demandando coisas diferentes. Essa é uma construção para uns dois ou três anos, de modo que possamos ter uma base de planejamento geo-referenciada de altíssima qualidade, cuja meta é deixar muito bem definido para qualquer investidor, daqui ou de fora do Estado, o que pode e o que não pode ser feito em cada região e que tipo de investimento interessa ao Estado e em que regiões.
Isso falando em médio e longo prazo. Em curto prazo, estamos começando a implementar ações que são indiscutíveis, sobre as quais não é preciso ficar trinta anos planejando para chegar a uma conclusão. Por exemplo, sabemos que pela revolução provocada nos oito últimos anos pela bio-mineralização, a agricultura orgânica hoje pode ser uma agricultura de massa, em grande escala, com grande qualidade de produtos, inclusive fazendo com que o Brasil deixe de ser um importador de insumos para a agricultura e se torne autossuficiente nesta área. Podemos fazer uma revolução nesta área. Temos condições tecnológicas, físicas e comerciais para fazer uma mudança radical na alimentação da população do Rio Grande do Sul. Não há nenhum sentido em continuarmos nos envenenando.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“O grande discurso da indústria dos agrotóxicos sempre foi dizer que esses produtos eram necessários para não faltar alimentos. Hoje, temos todas as condições de produzir alimentos sem agrotóxicos” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 
O grande discurso da indústria química dos agrotóxicos sempre foi dizer que esses produtos eram necessários para não faltar alimentos. Hoje, temos todas as condições de produzir alimentos sem agrotóxicos. Não estou falando das commodities, mas sim de alimentos. O que nós estamos discutindo são as formas de acelerar esse processo.
 
Sul21: Do ponto de vista das políticas públicas, o que é necessário para tornar essa meta realidade? E o que é exatamente o “curto prazo” neste plano?
Francisco Milanez:
Se não dependesse do ser humano, em três, quatro anos poderíamos ter toda essa agricultura convertida no Estado. Isso levando em conta o tempo mínimo de limpeza do solo para que ele volte a ser orgânico. Nesse período, já teríamos alimentos pré-orgânicos, ou seja, criados organicamente, mas com algum nível de contaminação residual do solo. O problema é o ser humano. Aí temos que enfrentar o medo, a resistência, a ignorância, a manipulação da informação e da propaganda. O agricultor é muito abandonado. Muitas vezes, é uma pessoa isolada e seu principal amigo é o vendedor. Então, ele é dependente dos agroquímicos até por uma relação social. Nós precisamos acolher esse produtor e entender as suas dúvidas, o seu medo de mudar, a acomodação, o medo de quebrar e ficar devendo, todas essas experiências pelas quais a maioria dos agricultores já passou. Todo mundo já se atrapalhou na vida com uma safra ruim e ninguém quer repetir essa situação.
Precisamos oferecer uma garantia de compra de produto. Muitos agricultores não sabem, mas nós já estamos fazendo isso por meio da política de compras das escolas. Muitos prefeitos não conseguem comprar produtos orgânicos em suas cidades e acabam importando de outros municípios. Agora, essa informação demora para chegar no agricultor. Em geral, o ser humano tem medo de mudar. Como é que a gente lida com isso? Dando segurança. Aí entram as políticas públicas: precisamos dar assessoria técnica, garantia de compra, reconhecimento da sociedade e informação para que o agricultor é o mais prejudicado no atual processo de produção, muito mais do que nós. Nós comemos alimentos com agrotóxicos. Eles comem, bebem, respiram e absorvem veneno. No passado, sempre foram uma referência de saúde, a imagem do campesino forte, saudável e bonito. Hoje, os agricultores são as pessoas mais doentes da nossa sociedade. É uma coisa muito triste.
Mesmo tomando cuidado, muitas vezes esses produtos acabam indo parar numa nascente cuja água é utilizada para consumo e aí o agricultor não tem como escapar. Ele precisa ser informado dessas questões, precisa saber que pode se libertar optando por uma cultura que é melhor inclusive do ponto de vista econômico, gerando produtos de maior valor. Para isso, é claro, precisa ter assistência técnica, pois é uma atividade mais complexa. Quando aparece um bicho em uma lavoura é muito mais fácil colocar veneno logo, ao invés de descobrir qual é o bicho, como é que se controla, onde está o ponto de ajuste. Nos primeiros anos a agroecologia é um desafio mesmo. Outra coisa que precisa ocorrer é a sociedade dizer que quer esses produtos e vai valorizar quem optar por esse modo de produção.
 
Sul21: Existe algum levantamento sobre o tamanho da agroecologia hoje no Rio Grande do Sul? O que ela representa em termos de mercado?
Francisco Milanez:
Eu não tenho esse dado, mas é um número ainda muito pequeno, apesar de o Rio Grande do Sul ser o Estado mais estruturado em agricultura orgânica, com uma variedade maior, com produtores de agricultura familiar muito mais disseminados, uma estrutura de assessoria de ONGs e de órgãos públicos como a Emater, que está fazendo um belíssimo trabalho. Então, nós temos uma bela estrutura, mas essa produção ainda é consumida por uma elite. Nós precisamos priorizar aqueles que mais precisam, a população mais pobre. A nossa meta é levar as feiras de produtos orgânicos o mais perto possível dos bairros de baixa renda, pois a população desses bairros tem maior dificuldade de transporte. O ideal, claro, é que elas estejam bem distribuídos pela cidade.
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Francisco Milanez: “A doença, na maioria dos casos, é um desequilíbrio desnecessário, mas ninguém mais lembra isso. Parece que o normal, hoje, é ter alguma doença” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 
O impacto dessa política de estímulo ao consumo de alimentos orgânicos no sistema de saúde tem que ser marcante. Nós temos um ar razoável, a água que consumimos, dentro das atuais condições, ainda é razoável. Uma pessoa com ar, água e comida de qualidade dificilmente ficará doente. A doença, na maioria dos casos, é um desequilíbrio desnecessário, mas ninguém mais lembra isso. Parece que o normal, hoje, é ter alguma doença. Nós vivemos um processo de normalização da perda, da esterilidade, de doenças degenerativas como o câncer. Hoje temos ocorrência de diferentes tipos de câncer em todas as idades. Há 30, 40 anos, não tínhamos câncer infantil como temos hoje. O Hospital de Câncer da Criança está lotado. O índice de câncer de mama nas mulheres está em torno da faixa de um para três. E todo mundo está achando isso normal. É um absurdo completo. A sociedade se acomodou com algo que pode ser evitado.
 
Sul21: Uma das ideias do plano é trabalhar essa temática nas escolas. Como isso seria feito? Por meio de uma mudança curricular ou algo do gênero? Já existe algo sendo feito neste sentido nas nossas escolas públicas?
Francisco Milanez:
Não. Precisamos trabalhar a educação e também a legislação. Queremos fazer isso por meio do diálogo. Não queremos prejudicar nenhuma indústria. As próprias empresas que hoje vendem agrotóxicos, e que são grandes empregadoras de agrônomos e veterinários, poderiam passar a vender serviços em agroecologia. Elas têm uma estrutura altamente organizada e preparada para isso. Precisamos fazer conversões em vários níveis. Em relação à infância, tem que haver controle e proibição de venda de produtos não desejáveis em escolas. Mas isso não precisa ser feito de forma impositiva. Antes disso, temos que tentar o diálogo com a indústria. A própria indústria pode testar e ver se há mercado para os produtos e valores da agroecologia. Se houver, como acreditamos que há, as empresas terão todo o interesse também. Elas produzem o que produzem hoje porque as pessoas foram acostumadas a comer coisas coloridas e artificiais. Se elas passarem a desejar comidas honestas, a indústria terá que converter sua produção.
Precisamos discutir também o uso de distorcedores de apetite na indústria de alimentos, produtos químicos que estimulam as pessoas a comerem mais do que precisam. Isso não é razoável em uma sociedade democrática. O monoglutamato de sódio, considerado um “intensificador de sabor”, é um exemplo. Além de fazer mal à saúde é um distorcedor de apetite. A obesidade infantil está se ampliando, como mostrou o documentário Muito além do peso. É um sofrimento profundo para a criança, para sua autoimagem e para toda sua família, que pode muito bem ser evitado. Há uma coordenação de forças entre as indústrias da alimentação e da publicidade, frente à qual os pais são impotentes. E não são apenas pais e mães da periferia que são impotentes, mas também pais universitários e mesmo especialistas na área. O fato é que temos pais que trabalham com nutrição e têm filhos com problemas de obesidade.
Outro diálogo que queremos travar com a indústria e com os donos de restaurantes é a adoção de pratos especiais para pessoas com necessidades especiais, como diabéticos, celíacos e tantos outros casos de intolerância alimentar.
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“Estamos tratando de coisas importantes que não podem mais ser postergadas”, diz coordenador de grupo responsável pelo Plano RS Sustentável | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 
Sul21: Como é que está funcionando esse Grupo de Trabalho do Plano RS Sustentável, que reúne representantes de várias secretarias e órgãos? Qual é a metodologia e os prazos desse grupo?
Francisco Milanez:
Temos um grupo executivo reunindo representantes de várias secretarias e órgãos como a Emater, que está reunindo informações sobre as políticas e ações já existentes no Estado e definindo o que cada um pode ser feito para que elas avancem e para que outras sejam implementadas. Também há um grupo que vai pensar o médio e o longo prazo, mas isso é menos emergencial. O que acontece geralmente na administração das secretarias, e é absolutamente normal, é que a gente faz o mais urgente e deixa o resto para depois. Nós estamos tratando de coisas importantes que não podem mais ser postergadas. O Rio Grande do Sul precisa pensar o seu desenvolvimento industrial em uma linha de futuro e buscar investimentos de empresas de tecnologia com visão de futuro. Para isso, precisamos criar um ambiente educativo, informativo e técnico capaz de atrair essas empresas. Nos interessam as empresas que também querem um ar de qualidade e uma água de qualidade. As outras não queremos. Precisamos sinalizar isso. E precisamos administrar os recursos que nós temos. O carvão é um problema, mas também é uma enorme fonte de energia. Nós temos quase todo o carvão do Brasil. Santa Catarina tem um pouco e nós temos o resto.

 
Sul21: É possível explorar essas reservas de carvão sem causar danos ambientais?
Francisco Milanez:
Estamos chegando perto disso, mas a pressão hoje é para usar carvão da pior forma, e não concordamos com isso. Não há porque se usar o carvão de uma forma poluente se ele pode ser destilado e utilizado com muito menos impacto ambiental. É que nem o caso da celulose. Nós utilizamos papel, mas ele pode ser produzido sem dióxido de cloro ou outras substâncias utilizadas para branqueamento e que acabam liberando dioxinas, que são os elementos mais tóxicos que existem.
Nós estamos procurando construir uma agenda positiva. Não adianta só criticar, sem apresentar uma alternativa plausível. As pessoas precisam viver. O agricultor precisa ganhar, alimentar sua famílias e educar seus filhos. Para que as coisas mudem, precisamos apontar alternativas viáveis também no curto prazo.
O dossiê do nosso grupo será o que fizermos neste período. Estamos apontando também algumas coisas de médio e longo prazo, como a necessidade de se ter um referencial comum de geoprocessamento. A Fepam hoje exige os estudos que são necessários, pela simples razão de que não eles não existem. Se existissem, ela não precisava exigir e poderia dizer o que pode e o que não pode ser feito em uma determinada área. Se eu conheço o meu meio ambiente, posso dizer qual será o impacto desta ou daquela atividade econômica.
Queremos agir também na área da energia, em especial na democratização da produção da energia. Já temos condições tecnológicas para que as pessoas produzam sua própria energia por meio de células solares, turbinas eólicas, telhados verdes. A energia solar vai disparar nos próximos. Nós temos aqui em Porto Alegre uma tecnologia de energia solar de boa qualidade, desenvolvida na universidade, que não deslancha. Ao invés de importar dos chineses, nós podemos produzir nossas próprias células solares, com mais garantia e segurança. Não tem cabimento hoje fazer aquecimento de água com outra coisa que não seja energia solar. No limite, podemos pensar em ter uma casa autossuficiente em termos de energia e ainda ter algum lucro com um excedente de energia.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Mais do que orgânica, alimentação pode e precisa ser sustentável, sem ser obtida mediante exploração, defende Milanez | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 
Nós temos um grande problema a enfrentar no campo da informação. A maior parte da informação que circula hoje é propaganda, em suas mais variadas formas. Como é que alguém escolhe um carro hoje? A imensa maioria da informação disponível é superficial, quando tem alguma informação. A sociedade precisa ter alguma referência de informação que seja confiável. A ideia de índice de sustentabilidade pode virar uma arma poderosa. Essa ideia inclui não só as questões de meio ambiente, mas também as de justiça social. Uma alface pode ser orgânica e produzida explorando pessoas. Mas ela não é sustentável se ela é obtida mediante exploração. Então, justiça social e respeito cultural são acréscimos importantes ao conceito de orgânico. Não basta ser orgânica, precisa ser sustentável também.
 
Sul21: Como está a relação com as entidades ambientalistas neste trabalho de elaboração do Plano RS Sustentável? Houve esse episódio recente da saída da Agapan do Conselho  
Estadual de Meio Ambiente. Qual sua avaliação sobre esse momento?
Francisco Milanez:
Isso está sendo custoso para mim. Exatamente no momento em que entrei para mediar aconteceram estas coisas. Mas para mim não é problema, até porque adoro levar pedrada, não gosto de jogar pedra.

Sul21: Está levando pedrada agora?
Francisco Milanez:
Algumas. E vou levar muito mais. Porque minha ideia é acelerar. Nós vamos fazer uma chamada de experiências de sustentabilidade no Estado. Nós não estamos reinventando a roda, queremos pegar essa massa de conhecimento e socializar por meio de um banco de dados na internet. A ideia é oferecer experiências para que as pessoas possam adaptar de acordo com sua própria realidade.

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O lado mais sujo da Monsanto

 

 buscado no OUTRAS PALAVRAS

 

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Para impor seus produtos em todo o mundo, empresa mobiliza agências de espionagem norte-americanas, vigia cientistas e dispara ataques cibernéticos


Por Marianne Falck, Hans Leyendecker Silvia Liebrich, no Süddeutsche Zeitung | Tradução: Regina Richau Frazão | Imagem: Eric Drooker


O grupo americano Monsanto (1) é um gigante no agronegócio – e é o número um na área da controvertida tecnologia genética “verde”. Para seus opositores, a Monsanto é um inimigo assustador. E continuam acontecendo coisas intrigantes que fazem o inimigo parecer ainda mais aterrorizante.
No mês passado, a organização europeia protetora do meio ambiente “Amigos da Terra” e a Federação para meio Ambiente e Proteção à Natureza Deutschland (BUND) quiseram apresentar um estudo sobre os efeitos do herbicida glifosato no corpo humano. Os herbicidas que contêm glifosato são carros-chefes da Monsanto. A empresa fatura mais de dois bilhões de dólares somente com o agente Roundup. Os “herbicidas Roundup”, assim sustenta a Monsanto, “têm uma longa história de uso seguro em mais de 100 países”.
Quando os vírus atacaram seus computadores, os ativistas se indagaram: será que estamos vendo fantasmas?
Entretanto existem também pesquisas alegando que o agente possivelmente cause prejuízos a plantas e animais; e o estudo mais recente demonstra que muitos moradores de grandes cidades vivem com o veneno no próprio corpo, sem terem conhecimento disso. Como tantas outra coisas relacionadas a esse assunto, é discutível o que exatamente o pesticida é capaz de provocar no organismo humano.
Dois dias antes da publicação do estudo em dezoito países, um vírus paralisou o computador do principal organizador, Adrian Bepp. Houve ameaça de cancelamento das entrevistas coletivas em Viena, Bruxelas e Berlin. “Surgiu pânico”, lembra Heike Moldenhauer da BUND. Os ativistas do meio ambiente viram-se correndo contra o tempo.
Moldenhauer e seus colegas tinham feito diversas especulações sobre os motivos e a identidade do misterioso agressor. A especialista em tecnologia genética do BUND acredita que o principal objetivo do desconhecido fornecedor do vírus tenha sido “gerar confusão”. Não há nada pior para uma pesquisa do que cancelar uma coletiva da imprensa. “E nós ficamos nos perguntando se estávamos vendo fantasmas”, diz Moldenhauer.
Não há nenhum indício de que Monsanto tenha sido o fantasma, ou que tenha algo a ver com o vírus. O grupo sustenta que não faria algo assim. Preza “agir com responsabilidade”: “hoje em dia é muito fácil fazer uma afirmação e de difundi-la”, diz a Monsanto. Dessa forma, prossegue “periodicamente são feitas afirmações duvidosas e populistas que denigrem nosso trabalho e nossos produtos, carecendo de qualquer abordagem científica.”
Os críticos do grupo têm outra visão. Ela tem a ver com a espessa trama tecida ao redor do mundo pela Monsanto, cujos entroncamentos estão localizados nos serviços secretos norte-americanos, nas suas forças armadas, em empresas de segurança privadas e, é claro, também junto ao governo dos EUA.
Um número expressivo de críticos da Monsanto relata ataques cibernéticos regulares, praticados com gabarito profissional. Também os serviços secretos e o serviço militar gostam de contratar hackers e programadores. Estes são especialistas em desenvolver cavalos de tróia e vírus para penetrar em redes de computadores alheios. O ex-agente da CIA Edward Snowden chamou atenção ao nexo entre as ações dos serviços de notícias e as movimentações da economia. No entanto, esta ligação perdeu força diante das demais denúncias.
Alguns dos poderosos defensores da Monsanto entendem bastante do assunto da guerra cibernética. “Imagine a internet como uma arma que está sobre a mesa. Ou você a pega, ou seu concorrente irá fazê-lo, mas alguém será morto”, foi o que disse Jay Byrne em 2001, quando era chefe de relações públicas na Monsanto.
É comum empresas lutarem com métodos escusos em função daquilo que consideram como seu direito, como sendo o certo. Porém, os termos “amigo ou inimigo”, “ele ou eu” já denotam linguagem de guerra. E numa guerra é preciso ter aliados – por exemplo, aqueles instalados no serviço secreto.
São conhecidos os contatos da Monsanto com o notório ex-agente secreto Joseph Cofer Black, que colaborou na formulação da “lei da selva”, na “campanha anti-terror” de George W. Bush. Ele é especialista para trabalho sujo, da linha dura. Trabalhou para a CIA durante quase trinta anos, sendo inclusive o chefe “antiterrorista”. Mais tarde seria o vice-presidente da empresa de segurança particular Blackwater, que mandou milhares de mercenários para o Iraque e o Afeganistão.
Pesquisas mostram como são estreitos os laços da direção da empresa com o governo central em Washington e com representações diplomáticas dos EUA no mundo inteiro. A Monsanto tem auxiliares eficazes em diversos lugares. Antigos colabores da corporação ocupam altos postos nos EUA, em departamentos governamentais e ministérios, em federações da indústria e universidades. Por vezes, são relações quase simbióticas. De acordo com informações da organização anti-lobby Open Secrets, no ano passado 16 lobistas da Monsanto ocuparam cargos de alto nível no governo norte-americano e em agências reguladoras.
Para a empresa, trata-se de ocupar novos mercados e em vender alimentos a uma população mundial que cresce em ritmo alucinante. A engenharia genética e as patentes relacionadas com plantas desempenham um papel importante nesse contexto. Nos Estados Unidos, o milho e soja geneticamente modificados representam 90% dos cultivos — e este percentual cresce de modo constante também no resto do mundo.
Apenas no mercado europeu, nada acontece. Diversos países da União Europeia (UE) têm muitas restrições com relação ao futuro da Monsanto, o que visivelmente desagrada ao governo dos EUA. No ano de 2009, Ilse Aigner, Ministra da Alimentação, Agricultura e Proteção ao Consumidor da Alemanha, filiada ao Partido da União Social-Cristã, havia banido o tipo de milho MON810 também dos campos alemães. Ao viajar logo depois para os Estados Unidos, foi interpelada pelo colega americano Tom Vilsack, com respeito à Monsanto. O político, do Partido Democrata, havia sido governador no estado federal Iowa, de característica rural, e logo tornou-se adepto dos transgênicos. Em 2001, foi eleito pela bioindústria como “governador do ano”.
Infelizmente, não há registro da conversa entre Vilsack e Aigner. Dizem que foi controvertida. Um representante do governo federal alemão descreve o tom do diálogo da seguinte forma: houve “esforços maciços de forçar uma mudança de rumo dos alemães com respeito à política genética” . A fonte da informação não quis se pronunciar sobre o tipo dos “esforços maciços”, nem sobre a tentativa de “forçar” alguma coisa. Isto não se faz entre amigos ou parceiros.
Graças a Snowden e ao Wiki-Leaks, o mundo pode imaginar o que acontece entre amigos e parceiros, quando o poder e o dinheiro estão em jogo. Dois anos atrás, o Wikileaks publicou despachos diplomáticos, que incluíam detalhes sobre a Monsanto e a engenharia genética.
Em 2007, por exemplo, o então embaixador norte-americano em Paris, Craig Stapleton, sugeriu ao governo dos EUA que elaborasse uma lista suja dos países da União Europeia que estivessem dispostos a proibir o plantio de sementes geneticamente modificadas por empresas norte-americanas. O teor da mensagem secreta: “A equipe parisiense sugere propor uma lista de medidas de retaliação que irá causar dores à Europa”. “Dores”, “retaliação” – a rigor, essa não é exatamente a linguagem da diplomacia.
A luta pela autorização do famoso milho geneticamente manipulado MON810 na Europa foi conduzida pela Monsanto com muito trabalho de lobby – e ao final, a empresa perdeu por completo. O produto foi banido inclusive dos mercados prestigiados da França e da Alemanha. Uma aliança entre políticos, agricultores e pessoas relacionadas às igrejas recusou a engenharia genética nas plantações, e os consumidores não a querem em seus pratos. No entanto, a batalha ainda não terminou. Nas negociações iniciadas nos mês passado entre os EUA e a UE, sobre um tratado de “livre” comércio, os Estados Unidos esperam, entre outras coisas, uma abertura dos mercados para a tecnologia genética.
Com o Tratado de Livre Comércio, EUA querem
abrir o mercado de transgênicos na Europa
 Fazer lobby por uma empresa nacional no exterior é algo visto como dever cívico, nos EUA. Há muito, as mais significativas entre os dezesseis agências de inteligência norte-americanas entendem seu trabalho como apoio aos interesses econômicos norte-americanos no cenário mundial. Alegando combater o terrorismo, não somente espionam governos, órgãos públicos e cidadãos, mas também empenham-se — do seu modo muito peculiar — a favor de interesses econômicos do país.
Alguns exemplos:
> Várias décadas atrás, quando o Japão ainda não era uma potência econômica, surgiu nos Estados Unidos a pesquisa “Japão 2000”, elaborada por um colaborador do Rochester Institute of Technology (RIT) Através de uma “política comercial temerária”, assim dizia o estudo, o Japão estaria planejando uma espécie de conquista do mundo, e os perdedores seriam os EUA. A segurança nacional dos Estados Unidos estaria ameaçada e a CIA deu o grito de guerra.
> Na competição global, a economia norte-americana tinha que ser protegida dos “dirty tricks”, os truques sujos dos europeus, declarou o ex diretor da CIA James Woolsey. Por esta razão, os “amigos do continente europeu” estariam sendo espionados: os Estados Unidos são limpos…
> Edward Snowden esteve certa vez pela CIA na Suíça, e há dias relatou a maneira como a empresa teria tentado envolver um banqueiro suíço na espionagem de dados bancários. A União Europeia permitiu aos serviços norte-americanos examinar em profundidade os negócios financeiros de seus cidadãos. Segundo dizem, o objetivo é secar as fontes financeiras do terror. Os meios e os fins, entretanto, são altamente discutíveis.
Na Suíça que anteriormente foi palco de muitas histórias de agentes, desenrolou-se um dos episódios que tornaram a Monsanto particularmente misteriosa: em janeiro de 2008, o ex agente da CIA Cofer Black viajou para Zurique para encontrar-se com Kevin Wilson, na época, o responsável pela segurança para questões globais. A pergunta, a respeito do que os dois homens estariam falando, ficou no ar. Certamente os assuntos eram os de sempre: opositores, negócios, inimigos mortais…
O jornalista investigativo Jeremy Scahill, autor da obra sobre a empresa de mercenários Blackwater, escreveu em 2010, no jornal semanal americano The Nation, sobre esse estranho encontro em Zurique. Tinha recebido documentos vazados, a respeito do assunto. Deixavam claro que a Monsanto estava querendo se defender contra ativistas que queriam destruir suas plantações experimentais; contra críticos que se posicionavam contra a empresa de modificação genética. Cofer Black era, para todos os efeitos, a pessoa certa: “Vamos tirar as luvas de pelica”, havia declarado após os ataques de 11 de setembro, conclamando seus agentes da CIA a livrar-se de Osama bin Laden no Afeganistão: “Apanhem-no: quero a cabeça dele dentro de uma caixa”. Mas ele também entende muito do outro negócio do serviço secreto; aquele que opera com fontes de acesso público.

Efeitos tardios da guerra: muitas crianças vietnamitas sofrem pelo uso do "Agent Orange", mesmo décadas depois.  -    FOTO: ROLANDSCHMID/BLOOMBERG
Efeitos tardios da guerra: muitas crianças vietnamitas sofrem pelo uso do “Agent Orange”, mesmo décadas depois. – FOTO: ROLANDSCHMID/BLOOMBERG

Ao encontrar-se com Wilson, dirigente de segurança na Monsanto, Cofer Black ainda era vice na Blackwater, cujos clientes eram, entre outros, o Pentágono, o Departamento de Estado, a CIA, e logicamente, empresas particulares. Mas em janeiro de 2008 houve muitos tumultos, pois 17 civis foram assassinados no Iraque por mercenários da empresa de segurança, e alguns homens da Blackwater chamaram atenção de funcionários do governo iraquiano devido a atos de suborno. Acontece que Cofer Black, na época, era também o chefe da empresa de segurança Total Intelligence Solutions (TIS), uma subsidiára da Blackwater, e que, apesar de sua reputação menos devastadora, contava também com “experts” excelentes e versáteis…
De acordo com as próprias informações, a Monsanto fez negócio, na época, com a TIS e não com a Blackwater. Era inquestionável que a Monsanto fora abastecida pela TIS, com relatórios sobre as atividades dos críticos – as quais poderiam representar um risco para a empresa, seus colaboradores ou seus negócios operacionais. Fazia parte tanto coletar informações sobre ataques terroristas na Ásia quanto escanear páginas da internet e blogs. A Monsanto frisava que a TIS, obviamente, só tinha usado material de acesso público…
Isso corresponderia aos métodos de Cofer Black. Então – nada de ações escusas.
Costumava haver boatos frequentes de que a Monsanto quisera assumir o controle da TIS, objetivando a sua segurança geral. E hoje surgem novos rumores, segundo os quais o grupo estaria avaliando a possibilidade de assumir a empresa Academi, que formou-se após reorganizações da antiga Blackwater. Será que os rumores procedem? “Em geral, não discutimos os detalhes do nosso relacionamento com os prestadores de serviço – a não ser que essas informações já estejam disponíveis ao público”, foi a única resposta da Monsanto.
Toda empresa possui a sua própria história, e da história da Monsanto faz parte um assunto que queimou sua imagem não apenas junto aos hippies: no passado, a Monsanto esteve na linha de frente dos produtores do pesticida “Agente Laranja”, utilizado até janeiro de 1971 na guerra do Vietnã pelos militares norte-americanos. Os constantes bombardeios químicos desfolhavam as florestas para tornar o inimigo visível. Os campos eram envenenados para que o vietcong não tivesse mais nada para comer. Nas áreas pulverizadas multiplicou-se por dez o número de nascimentos de crianças com anomalias; nasciam sem nariz, sem olhos, com hidrocefalia ou fendas no rosto – e as forças armadas dos EUA asseguravam que o produto da Monsanto seria tão inofensivo quanto a Aspirina.
Será que na guerra, tudo é permitido?
Principalmente na moderna guerra cibernética?
Chama atenção o fato de que alguém esteja dificultando, hoje, a vida dos críticos da Monsanto, ou que alguma mão invisível esteja interrompendo carreiras. Mas, quem é esse alguém? São alvos de ataque cientistas como a australiana Judy Carman, que, entre outros, tornou-se conhecida com pesquisas de produtos transgênicos. Suas publicações são questionadas por professores, os mesmos que tentam minimizar a importância dos estudos de outros críticos da Monsanto.
Mas o assunto não se resume a escaramuças nos círculos científicos. Pois diversas páginas da internet onde Carman publica suas pesquisas, tornam-se alvo de ataques cibernéticos e, segundo impressão de pesquisadora, são sistematicamente observadas. Exames do IP de seu site demonstram que não apenas a Monsanto acessa regularmente essas páginas, mas também diversos órgãos do governo norte-americano ligados às forças armadas. Entre outros, o Navy Network Information Center, a Federal Aviation Administration e o United States Army Intelligence Center, um órgão do exército para o treinamento de soldados em tarefas de espionagem. O interesse da Monsanto nessas pesquisas pode ser observado, também no caso de Carman. “Mas não entendo, por que o governo americano e o exército mandam me observar“, diz ela.
Coisas estranhas aconteceram também com a GM Watch, uma organização crítica da engenharia genética. A colaboradora Claire Robinson fala de ataques cibernéticos constantes à página desde 2007. “Toda vez em que aumentamos a segurança do site, nossos oponentes tornam-se mais tenazes e seguem novos ataques, ainda piores”, explica. Também neste caso não se acredita em coincidência. Em 2012, quando o cientista francês Eric Séralini publicou uma pesquisa bombástica sobre os riscos à saúde representados pelo milho transgênico e o glifosato, o site da GM Watch foi atacado e bloqueado. Isso se repetiu quando foi publicado o posicionamento do órgão europeu de inspeção alimentar, a EFSA. Em ambos os casos, o momento foi habilmente escolhido: no exato instante em que os editores tentavam publicar os textos. Não foi possível determinar quem estava por trás dos ataques.
A própria Monsanto, como já foi dito, faz questão de frisar que opera “com responsabilidade“.
No entanto, é fato que a empresa tem muitos interesses em jogo. Trata-se de projetos legislativos, e em especial, das negociações em curso, relacionadas ao Tratado de “livre” comércio entre EUA e UE. Os capítulos sobre Agricultura e Indústria Alimentícia são particularmente delicados. Os norte-americanos têm como meta a abertura dos mercados europeus para os produtos até então proibidos. Ao lado das plantas transgênicas, estão incluídos aditivos controversos e a carne bovina tratada com hormônios. As negociações certamente ainda vão se arrastar por alguns anos.
O assunto é polêmico e as negociações serão duras. Por isso, o presidente Barack Obama apontou Islam Siddiqui como chefe das negociações agrícolas. Como especialista, trabalhou durante muitos anos para o ministério de Agricultura americano. Mas, o que poucos sabem na Europa: de 2001 a 2008 ele representou, como lobista registrado, a CropLife America, uma associação industrial que representa os interesses de produtores de pesticidas e produtos transgênicos. Entre eles, é claro, a Monsanto. “A rigor, a UE não poderia aceitar tal interlocutor, devido a seus interesses, opina Manfred Häusling que representa o Partido Verde no parlamento europeu.
Englentich, a rigor. No médio-alto alemão, esta palavra (eigentlich) sinificava “servil”, o que não seria uma má descrição do cenário atual — onde os políticos europeus, e em especial os alemães, revelam uma atitude de surpreendente aceitação, diante do fato de serem espionados com regularidade por órgãos norte-americanos.

1. A Monsanto é o a maior empresa agrária do mundo, e também a que lidera a engenharia genética. Em 2012, o grupo ampliou seu faturamento em 14%, em comparação ao ano anterior, chegando a 13,5 bilhões de dólares. O lucro subiu 25%, atingindo  dois bilhões de dólares. No mundo todo, a empresa emprega 21.500 trabalhadores e tem filiais em mais de 50 países. Sua fundação data de 1901, pelo norte-americano John Queeny em St. Louis, no estado de Missouri. O nome foi uma homenagem à família de sua esposa. Primeiro, Queeny produziu o adoçante sacarina. Em pouco tempo, o fabricante de bebidas Coca-Cola passa a fazer parte de seus clientes. Logo depois da I Guerra Mundial, a Monsanto entrou no ramo dos produtos químicos. Sua ascensão foi rápida. Em 1927, ingressou na bolsa de valores, e ampliou sua atuação no setor químico, incluindo adubos e fibras sintéticas. Investiu até mesmo na indústria petrolífera. Depois da guerra do Vietnã, a Monsanto passou a focar mais intensamente o setor agrário, o desenvolvimento de herbicidas e em seguida a produção de sementes. Nos anos oitenta, a biotecnologia foi declarada seu alvo estratégico. O próximo passo foi a modificação consequente para uma empresa agrícola – e os outros segmentos foram deixados de lado.