domingo, 17 de julho de 2011

Juliano Mer-Khamis: um árabe, um judeu, um ser humano

Juliano Mer-Khamis: um árabe, um judeu, um ser humano 
Aquele homem alto, bonito e forte que exalava carisma, um judeu e um árabe de nascimento – talvez um judeu aos olhos dos árabes e um árabe aos olhos dos judeus – decidiu devotar a vida a Jenin, onde viveu como um israelense e como um ser humano. Um dos mais talentosos atores de teatro que já existiu aqui e também o mais corajoso deles. Sete balas apagaram a luz da coragem que ele irradiava. 
O artigo é de Gideon Levy.

Gideon Levy

01


02
03
04
05
06
07
08
09



Há pouco mais de um mês, Juliano Mer-Khamis subiu ao palco de seu Teatro Liberdade, nas margens do campo de refugiados de Jenin. Ao dirigir suas orientações para um grupo jovem e barulhento de crianças na plateia, que fazia sua primeira visita na vida a um teatro, ele disse: “Este é um espetáculo perigoso, com mensagens subversivas. Quem der um pio será retirado da sala”.

Um silêncio tomou conta do lugar. Pelos 75 minutos seguintes eu assisti a uma das mais adoráveis, refinadas e políticas peças de teatro que jamais tinha visto.

Nenhuma das crianças interrompeu a apresentação, com exceção de um menino que caiu em lágrimas quando viu um empregado andando numa corda.

O Teatro Liberdade apresentava “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll, dirigida por Juliano Mer-Khamis e escrita por Udi Aloni.

Eu vi Mer-Khamis pela primeira vez num outro momento e em outro lugar. Foi no fim dos anos 80, quando ele esteve por uma série de dias à frente do Festival de Teatro Periferia, de Israel, em Acre, com seu corpo nu banhado em óleo como parte da apresentação de um homem que não conhecia limite. Anos depois, eu peguei “Os filhos de Arna”, um filme luminoso, que ele co-dirigiu com sua mãe no leito de morte, Arna Mer, a fundadora do teatro em Jenin e filha do médico que curou a malária em Rosh Pina [uma das mais antigas cidades modernas sionistas, fundada no século XIX por imigrantes romenos e reconhecida em 1953]. Pode-se dizer que é o filme mais tocante jamais realizado sobre a ocupação israelense.

Desde então, encontrei com ele em várias ocasiões, sempre no campo [de refugiados de Jenin]. Aquele homem alto, bonito e forte que exalava carisma, um judeu e um árabe de nascimento – talvez um judeu aos olhos dos árabes e um árabe aos olhos dos judeus – decidiu devotar a vida a Jenin, onde viveu como um israelense e como um ser humano. Um dos mais talentosos atores de teatro que já existiu aqui e também o mais corajoso deles.

Sete balas apagaram a luz da coragem que ele irradiava. “Jule foi assassinado”, uma voz trêmula residente no campo de refugiado do outro lado da linha telefônica me disse. Minha voz também tremeu.

(*) Vídeo: Primeira parte do documentário "Arna's Children", dirigido por Juliano Mer-Khamis, que conta a história de um grupo de teatro criado por sua mãe, Arna Mer Khamis.

Tradução: Katarina Peixoto

Nenhum comentário: