quarta-feira, 6 de julho de 2011

Agentes da DEA expulsos da Bolívia por espionagem vieram para o Brasil

Sanguessugado do Pública

Diplomacia americana também procurou Chile e Argentina para receber oficiais acusados de espionagem por Evo Morales. No Brasil, conseguiram dar a volta no Itamaraty
Natalia Viana, da Pública, com Jean Friedman-Rudovsky e Bill Conroy
Em novembro de 2008, o presidente boliviano Evo Morales suspendeu as atividades da DEA, a agência americana de combate às drogas, alegando que alguns agentes haviam participado de ações de espionagem e financiado grupos de oposição violenta ao governo.
Na época, um massacre havia ocorrido no estado de Pando, deixando dezenas de apoiadores do governo feridos.
Agora, documentos obtidos pela Pública revelam que a diplomacia americana manteve reuniões com o governo brasileiro para que esses oficiais da DEA viessem trabalhar no Brasil a partir de 2009 – mas deu um “jeitinho” para evitar pedir permissão ao Itamaraty, que se opunha à medida.
Em vez de requerer um aumento do número de escritórios da DEA – que precisaria da permissão do Ministério de Relações Exteriores – a embaixada preferiu inchar os escritórios existentes em São Paulo e em Brasília.
Ambos são subordinados à NAS, o departamento antidrogas de cada embaixada americana. Segundo afirmou em 2010 a chefe interina da DEA Michele Leonhart durante a 27ª Conferência Anual Internacional Antidrogas, o órgão pretende expandir no país, abrindo escritórios em outras localidades.
No fim, os EUA conseguiram transferir o pessoal da DEA da Bolívia para o Brasil – com o apoio d PF, do Ministério da Justiça e até do governo bolivianos, segundo um documento diplomático.
Apoio da PF, oposição do Itamaraty
Em 18 de novembro, duas semanas depois da expulsão da DEA por Morales, o então embaixador Clifford Sobel reuniu-se com o subsecretário para temas políticos do Ministério de Relações Exteriores Everton Vargas para “informá-lo sobre a nossa intenção de aumentar o pessoal da DEA nos nossos escritórios em Brasília e São Paulo, à luz da decisão do governo boliviano de expulsar a DEA”.
Segundo o documento, Vargas aceitou uma nota diplomática informando sobre o assunto e comentou que o Ministro do Interior boliviano Alfredo Rada havia visitado o Brasil para discutir a cooperação contra as drogas.
“Vargas também disse que oficiais do Ministério foram claros com Rada ao dizer que o Brasil não pode substituir a DEA. O Brasil não tem a expertise, os recursos, ou o pessoal para fazer isso”, disse Vargas aos norte-americanos, admitindo que, se aumentasse o narcotráfico na Bolívia, “nós seremos as principais vítimas”.
O documento, enviado a Washington em 4 de dezembro, conclui: “Vargas não deu um ‘sim’ ou ‘não’ claro sobre o tema de aumentar o pessoal da DEA, mas o tom e o conteúdo da sua discussão foram incomumente abertos e sugeriram compreensão do potencial problema para o Brasil criado pela saída da DEA da Bolívia e do papel insubstituível que a DEA tem em lutar contra o narcotráfico na região”.
Vargas teria sugerido a diretora de crimes translacionais do Itamaraty, Virginia Toniatti, como um contato para dialogar sobre a demanda, mas o embaixador observa que ela “é geralmente resistente à cooperação com os EUA” e que o governo brasileiro havia “negado vistos para a DEA no passado”.
O documento conclui que “a polícia federal tem expressado repetidamente apoio ao aumento do pessoal da DEA no Brasil”.
Para evitar MRE, inchar escritórios em vez de abrir novos
No final de dezembro, outro documento confidencial retomou o assunto. É um relatório escrito pela conselheira da embaixada Lisa Kubiske sobre os procedimentos a serem adotados para a transferência dos oficias da DEA.
Ele mostra que Clifford Sobel chegou a discutir o aumento do pessoal da DEA com o então Ministro da Justiça Tarso Genro e com o ministro das Relações Institucionais, general Jorge Felix – além de debater de maneira “extensiva” com a PF, que apoiava “completamente” o aumento do pessoal da DEA.
“A embaixada evitou propositalmente pedir permissão formal para aumentar (o número) de escritórios (da DEA), já que (um pedido) não é estritamente necessário para aumentar a equipe em escritórios já existentes, e somente o MRE poderia garantir isso (a abertura de novos escritórios”, escreve Kubiske.
“Esse tipo de requerimento teria que passar por uma nota diplomática através da diretora de crimes transacionais (COCIT) Virginia Toniatti e o secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Samuel Pinheiro Guimarães, ambos os quais provavelmente atrasariam o pedido. Tendo notificado o alto escalão do MRE sobre nossos planos, a embaixada se sente confortável em prosseguir”.
A diplomata solicita então que os oficiais da DEA peçam visto para o Brasil, pois a sua simples emissão serviria como um endosso formal do governo brasileiro. Segundo o documento, os oficiais da DEA poderiam começar a trabalhar no Brasil antes de janeiro de 2009.
Outro documento, de fevereiro de 2009, é ainda mais revelador. Trata-se da terceira parte de uma análise sobre a atuação do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Intitulado “Competição entre as agências”, o documento mostra os conflitos entre o Itamaraty e diferentes ministérios.
No item 7, o documento assinado por Sobel relata: “Da mesma maneira, serviços de segurança americanos frequentemente são questionados pelo Itamaraty pela sua cooperação com as forças brasileiras – em Janeiro, o Itamaraty quase conseguiu evitar a mudança do pessoal da DEA da Bolívia para o Brasil, apesar da Polícia Federal, o Ministério da Justiça, e até o governo boliviano apoiarem fortemente a transferência”.
Os documentos não especificam quantos oficias da agência teriam vindo trabalhar no Brasil. O governo americano não revela o número de oficiais da DEA trabalhando em outros países, mas estima-se que cerca de 36 oficiais tenham sido expulsos da Bolívia.
Em entrevista à Pública, o agente aposentado da DEA Mike Levine, que mantém laços com a comunidade policial que atua no exterior afirma que a transferência de oficiais da DEA para outros países é apenas “a repetição da história”.
“Eles não podem realizar sua missão ignorando a Bolívia, então, como fizeram em 1980, transferiram suas bases para países vizinhos”, conta Levine, que tornou-se chefe da operação da DEA na Argentina depois do “golpe de cocaína” em 1980, quando pessoas ligadas ao narcotráfico tomaram o poder na Bolívia. “Então eu trabalhei muito proximamente com as polícias do Brasil, Uruguai e Chile”.
Procurada pela Pública, a embaixada americana no Brasil não respondeu ao pedido de explicações sobre a atuação da DEA no país e o aumento de oficiais nos últimos anos.
Argentina e Chile
Dois outros documentos obtidos pela Pública revelam que, ao mesmo tempo em que buscou ampliar presença no Brasil, o governo americano pediu aos governos do Chile e da Argentina que aceitassem oficiais de DEA expulsos da Bolívia.
Um documento confidencial de 15 de dezembro de 2008 mostra que o embaixador em Buenos Aires, E. Anthony Wayne pediu ao ministro da Justiça, Anibal Fernandez, que a embaixada recebesse 3 agentes da DEA expulsos de La Paz.
“O Ministro Fernandez não fez nenhuma objeção”, diz o documento, que especifica que a embaixada de Buenos Aires aceitaria um supervisor e dois agentes especiais da DEA.
Outro telegrama enviado a Washington da embaixada de Santiago um dia depois relata conversa do embaixador americano com o Ministro do Interior (e presidente interino) Edmundo Perez Yoma sobre receber dois oficias da DEA na capital chilena. “Perez Yoma respondeu duas vezes que ele ‘não via problemas’ com o pedido”.
Em todos os telegramas, como no caso do Brasil, os pedidos são feitos de maneira informal – e isso basta para que as embaixadas prossigam com a realocação dos oficias da DEA.
Além disso, os documentos mostram que todas as embaixadas esperavam a chegada desses oficiais até janeiro de 2009.
Mas, afinal, o que a DEA faz por aqui?
Oficias da DEA lotados nas embaixadas geralmente treinam a polícia local, coordenam e articulam troca de informações e operações com a polícia e os serviços de inteligência locais. Como a Pública já havia revelado, documentos do WikiLeaks apontam que agentes americanos atuaram, por exemplo, no desmantelamento da organização criminosa do narcotraficante Fernandinho Beira-Mar.
“O maior propósito da DEA no exterior é apoiar as investigações domésticas que ocorrem nos EUA. Outra grande parte do trabalho é reunir inteligência relativa a drogas e trabalhar em conjunto com as policies nacionais”, informa um agente da DEA ouvido pela Pública, que pediu anonimato.
Segundo ele, “os agentes da DEA podem estabelecer informantes e reunir inteligência relativa à questão das drogas, esse tipo de coisa, mas se não nos damos bem com oficiais locais, então estamos perdidos”.
O mesmo agente diz que a DEA viu a expulsão da Bolívia como “uma oportunidade para expandir seus escritórios na Argentina e no Chile”, já que era preciso manter a quantidade de postos da agência no exterior.
Espiões?
No entanto, de acordo com fontes internas ouvidas pela Pública, nem sempre o trabalho desenvolvido pelos agentes da DEA é feito de maneira tão clara e legal.
Desde 1998, segundo uma fonte da DEA, empregados da CIA podem receber treinamento da DEA para se tornar agentes. “Em essência, a DEA tem sido infiltrada por agentes da CIA há muitos anos. E isso não tem ajudado a nossa missão”, diz ele.
A linha que separa agentes da DEA de simples espiões é ainda mais tênue, porque desde 2006 (durante o governo Bush), a agência antidrogas se tornou um membro oficial da Comunidade de Informações americana, que inclui a CIA. Isso aconteceu apenas dois anos antes de Morales expulsar o pessoal da DEA.
Um ex-agente da DEA com extensa experiência operacional no exterior diz que isso foi um grande erro “Ela era vista historicamente como uma agência de aplicação da lei, e era por isso que éramos bem-sucedidos. Mas a Tandy (Karen Tandy, ex-diretora da agência) colocou a DEA na comunidade de inteligência. Isso significa que o diretor da CIA pode dar tarefas a eles (agentes da DEA no exterior)”.
“Se um governo estrangeiro quiser usar isso contra nós, eles podem. Podem argumentar que a DEA é parte da comunidade de Inteligência, e dizer que metade dos nossos agentes são operativos de inteligência”.
Um ex-agente da CIA ouvido pela Pública confirmou que “algumas vezes agentes que trabalham contra narcóticos também podem fazer coisas que são de interesse da CIA em termos de coletar inteligência”, diz ele. “Em trabalho de campo (no exterior), a CIA sempre triunfa”.
Longe dos olhos, perto do coração
Apesar da expulsão da DEA, o governo americano continua forte na Bolívia: segundo relatório do Departamento de Estado americano, os EUA treinaram 9,012 policiais, promotores e oficias do governo boliviano em 2010. A NAS da embaixada em La Paz tem, para este ano, um orçamento de 16 milhões de dólares.
Além disso, um acordo antidrogas está para ser assinado entre Brasil, Bolívia e EUA para a erradicação dos cultivos de coca com imagens via satélite.
Segundo a agência de notícias boliviana Erbol, o acordo já está pronto há mais de um mês, mas tem encontrado resistência porque prevê envio de equipamentos e treinamento dos EUA para as forças bolivianas, e poderia permitir a volta de oficias americanos ao país.
Ainda segundo a Erbol, o Brasil estaria pressionando pela assinatura do acordo.
Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas independentes e estão sendo publicados nesta semana
pela agência Pública. 

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