quinta-feira, 28 de julho de 2011

Moloch e a pedra de Sísifo



Segue, abaixo, um trecho da conferência de Günter Grass à Associação Alemã de Jornalistas, publicada na íntegra na edição dominical do jornal espanhol El País.
O mito (grego) de Sísifo é mais um de seus congêneres a ilustrar o inconformismo humano diante da vontade dos deuses, estes nem sempre ao par com nossas expectativas sobre o quê é ou como deveria ser  a vida.
Sísifo (o mais solerte e audacioso dos mortais”) [1] consegue enganar a Morte (duas vezes!) até que esta, finalmente, o captura e, pela ousadia, o condena a rolar eternamente um bloco de pedra montanha acima. Eternamente por quanto ao chegar no cume da montanha o bloco, sempre, volta a rolar montanha abaixo...

Günter Grass, na mencionada conferência, remete à Sísifo por conta de uma citação de Albert Camus relativa à importância da luta: Há que imaginar-se a Sísifo, feliz”.
Certo. É uma interpretação. Boa e plausível. Afinal é Camus.
Contudo, a pedra de Sísifo pode significar, também, a própria Morte e, neste caso, seu contínuo rolar sugere algo como o samsara dos hindus.
Daí, talvez -de uma interpretação subjetiva- a preferência pela imagem do deus Moloch para ilustrar esta breve apresentação de palavras selecionadas de Günter Grass.
Ao citar Moloch (e não Murdoch...) Grass, claramente, o faz dentro de um contexto no qual a mais conhecida das características de Moloch parece-lhe servir a contento, no sentido da audiência melhor introjetar sua crítica a uma característica dos deuses contemporâneos: engolir os rebentos da sociedade que os louva.

Com a palavra Günter Grass.
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[1] Junito de Souza Brandão Mitologia Grega vol. I p. 226 3a. edição ed. Vozes Petrópolis RJ 1987

(Nobel de Literatura 1999)
Excertos [1] 

...representações de interesse, ou lobbies, em uma sociedade considerada pluralista...
Esses lobbies, com sua ganância, existem e visam a República... grupos da indústria farmacêutica ...  seguros de saúde... até hoje impedem uma reforma socialmente sustentável na Saúde Pública .
Não em último lugar estão os todo-poderosos bancos, cuja atividade extorsiva toma como refém o Parlamento e o Governo. Os bancos apresentam-se como um destino inevitável. Eles têm vida própria. Seus conselhos de administração e os principais acionistas estão organizados como uma sociedade paralela. Ao final as conseqüências de uma gestão financeira baseada no risco hão de recair sobre o contribuinte. Somos nós a responder pelos bancos cujas bocas bilionárias jamais se dão por saciadas.
Naturalmente também os jornais e revistas, isto é, os jornalistas, estão expostos a essa onipotência. Não há necessidade de nenhuma censura à moda antiga, basta, apenas, a mera concessão ou negação de anúncios para chantagear uma imprensa cuja existência (de qualquer modo) encontra-se ameaçada. No entanto, a despeito dos pactos-de-silêncio subliminares, será necessário chegar ao fundo das coisas através de um jornalismo consciente e informar o público sobre o ilegítimo exercício de poder dos lobistas.

Também não é aceitável que políticos (de alto nível inclusive) tão logo deixem seus mandatos públicos, passem a ocupar cargos de direção e generosamente remunerados em consórcios, associações ou grupos de interesse privado. ... saber que o Sr. X -que por muito tempo trabalhou em um Ministério Federal e em seguida no Banco Central- atenderá ao elogioso convite que lhe faz uma associação nacional de empresários... ora! A condição de insider do Sr. X beneficiará ainda mais um grupamento já poderoso. Esta e outras mudanças de posições ilustram situações claramente abusivas.

O desvio desagregador em direção a uma sociedade de classes com uma maioria a empobrecer e uma minoria rica separando-se aos poucos; incapacidade e impotência dos parlamentares eleitos diante do poder concentrado dos grupos de interesse e o arrocho imposto pelos bancos tornam urgente a realização de algo até agora impronunciável: colocar em discussão o modelo do sistema. ... trata-se de, a partir de toda a sociedade, formular questões reivindicativas? É aceitável -mesmo em um sistema capitalista democrático- que uma economia financeira em larga medida dissociada da economia real possa ameaçar a sociedade com as crises que fabrica? Devemos aceitar como válidas para nós questões de fé como: mercado, consumo e lucro?

Para mim, em qualquer caso, está claro que o sistema capitalista, fomentado pelo neoliberalismo e sem alternativa, tal como agora se apresenta, se degenerou em uma máquina de destruição do capital e, distante da (em outros tempos) bem sucedida economia social de mercado, tornou-se um Moloch: consome os rebentos da economia real apenas para satisfazer um apetite a-social e impossível de ser refreado por qualquer lei.
Então, surge a pergunta: o modelo de sociedade que escolhemos, isto é, a democracia parlamentar... ?ainda tem a força e a vontade necessárias para evitar o processo de desintegração ao qual encontra-se submetida? Ou, doravante, deverá ser relegada qualquer tentativa de reforma e de controle dos bancos e seus métodos de administrar o capital, quero dizer: obrigá-los a trabalhar para o bem comum...

Uma coisa parece certa: se as democracias ocidentais demonstrarem-se incapazes de realizar as reformas fundamentais necessárias para enfrentar os perigos concretos e iminentes (bem como os previsíveis), não poderão suportar o quê, nos próximos anos, será inevitável: crises a produzir outras crises, aumento incontrolável da população mundial, fluxos de refugiados desencadeados pela falta de água, fome, empobrecimento, e mudanças climáticas provocadas pela ação humana. E, entre tantas ocorrências desastrosas, uma quebra da ordem democrática propiciaria e neste sentido não nos faltam exemplos- um vazio que poderá ser ocupado por forças cujos possíveis perfis ultrapassam nossa imaginação, por mais que sejamos gatos escaldados e marcados pelas consequências ainda visíveis do fascismo e do stalinismo.

Suponho que essas idéias possam ser adequadas para definir o trabalho dos jornalistas.
... a existência da humanidade sobre este planeta azul é fato recente e nossa continuidade depende do que fizermos ou deixarmos de fazer. Somos responsáveis pelo planeta e nossa condição de vida. O temos espoliado e desfigurado muito, de modo a deixar para nossos descendentes uma herança inevitável. De tal modo que se impõe reconhecermos e identificar essas e outras verdades.

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[1] de conferência proferida em Hamburgo (02. 07. 2011) e publicada na íntegra no jornal espanhol El País Domingo p.10/11(24.07.2011). Traduzidos da versão espanhola realizada por Miguel Saénz.

Enviado por Homero Mattos Jr 

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