sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

CID TEIXEIRA. DOIS MOMENTOS, UMA BAHIA.


CID TEIXEIRA 


DOIS MOMENTOS, UMA BAHIA
 
Fotografias de Jader Resende





Uma cidade é um organismo vivo, sabemos todos. Nem é possível que assim não seja, posto que composta do somatório de milhares ou de milhões de organismos várias vidas. E esta cidade do Salvador, viva como poucas, vai mudando, vai se adaptando, vai vivendo. Há o que aparece e desaparece, há o que aparece e fica, há o que aparentemente desaparece e retorna sob outras formas de viver. Assim os dois “fatos sociais” registrados por Jader Resende. Em nenhum momento será legítimo pedir ao historiador ou ao sociólogo que seja um saudosista, que seja, como já escrevi noutro texto “um funcionário de algum frigorífico do tempo”. Não se trata de congelar o tempo”. Não se trata de congelar o passado para gáudio e lucro da admiração do presente. O verbo é outro: simplesmente, respeitar. Não como querer guardar na redoma de vidro que é dinâmico por sua própria natureza.

Foi e está sendo assim com o Carnaval. Já vão longe os dias dos “máscaras”, das cadeiras nos passeios e do lança perfume. E, tudo isto começou com um velho “Ford de bigode” e alguns inovadores em termos de instrumentos e de ritmos. O “Trio Elétrico” nascia e mudava tudo. Aquilo que no primeiro momento parecia ser um evento passageiro tornou-se um fato social de profunda e permanente presença na composição do “ser baiano”.

Jader viu além do visível que, de regra, não era visto. De repente – para usar expressão corrente – o trio encerra mil ângulos de arte visual. Foram esses ângulos que seduziram a lente de Jader e seduzem mais do que nossa visão; seduzem a nossa “viagem” pelo tempo baiano.

Trio Elétrico e Rampa do mercado. Dois momentos, uma Bahia. Ou um momento e muitas Bahias? É da mais alta importância que esta e muitas outras perguntas baianas não sejam respondidas, que sejam, permanentemente vividas.

No começo era “a praia”.

Tomé de Souza sabia muito bem que, no seu trabalho de fundador, teria que “agir em dupla face”. Se por um lado, cuidava de edificar uma “fortaleza grande e forte”, por outro cuidava de adotar o seu empreendimento de um porto capaz de abrigar desde as naus da Índia e de Macau que, por aqui, obrigatoriamente passariam, até as pequenas embarcações do serviço de cabotagem menor, com o Recôncavo. Na praia, uma igreja e um estaleiro. Pela fé e pelos negócios, a gente ali foi se agrupando. Um homem de esperteza comercial – Baltazar Ferraz – fez um porto, um trapiche, uma doca. E, ao curso do tempo, foram se chegando saveiros, de todos os lugares desta orla da Bahia de Todos os Santos. Gente do Porto de Dendê, em Maragogipe, do Engenho Vitória já quase em Cachoeira, barcos de açúcar vindos da região de Suba é, cana de São Francisco do conde, banana da ilha de Maré e mais quantos, e mais todos. ERA O TEMPO DA “RAMPA DO MERCADO”. Era ali o ponto de confluência das muitas “Bahia” que formam esta cidade do Salvador.

Pequeno saveiro de “vela de pena”, grandes lanchões de “pano de içar” juntos a canoinha de trafego interno, e escaleres levando gente para o velho forte de São Marcelo com vários propósitos. Todos juntos. E, com eles a sociedade que lá vivia. Os eventuais e os fixos. Os que apenas chegavam para carregar ou descarregar e os que ali, literalmente, moravam.

O mercado era o complemento. A velha casa construída pela Prefeitura da Capital compunha, com a igreja toda de pedra lavrada em Portugal, a paisagem física, moldura da paisagem humana. Um dia um incêndio mal explicado tirou metade do cenário. Ficou a igreja. Mudou o cenário e a gente resistiu, o quanto pode, nos seus barcos. Mais tarde, a rede viária pelos asfalto afora foi tornando obsoleto o transporte das cargas pela Bahia. Nova resistência. A velha alfândega, transformada em mercado, foi o novo bastião. Novo revide. Novo mercado.

A humanidade do local foi se acrescendo. Já não estavam sós os embarcadiços. Agora, turistas com suas camisas coloridas e suas máquinas penduradas no pescoço faziam presença e integração na paisagem. Apareceram os violeiros com seus toques nordestinos. Fazendo contraponto com os atabaques vindos do “outro lado”. Felizmente há a fotografia e existem aquelas que como Jader Resende se ocupam em fazer dela um instrumentos de conservação da vida desta cidade. A rampa do mercado nos volta, inteira com estas fotos. Uma “roda de proa” um “caro” ou uma “ostraga” estão aqui para matar saudades. 







Trio elétrico

 
por Jader Resende

Com máquina de fotômetro embutido, uma lente de 50 milímetros e um filtro ultravioleta, procurei ângulos onde linhas, formas, cores e sombras se harmonizassem numa foto simples e provocativa. Nesse breve espaço de tempo podemos ver no repouso do trio elétrico a grandeza de seu magnetismo. Busquei, nessa hora, em sua arrojada roupagem os elementos que normalmente passam despercebidos ao olhar, no envolvimento contagiante do Carnaval. Os arranjos gráficos muitas vezes poluídos pela desinformação e a ânsia inconcebida de uma fácil mensagem publicitária foram evitados para melhor harmonia. Mesmo com a poluição visual da comercialização do Carnaval, existe uma riqueza inesgotável e inexplorada - e que espero provocar com estas fotos. A paixão, alegria, suor desconhecido e a espontaneidade do povo espremido nos cantos e transversais das ruas e avenidas mostra na dança a mais pura emoção da revelação do corpo. Onde quer que o som alcance todos brincam, sem pudor, vergonha do certo ou errado, falsa moralidade, coreografia mirabolantes ou palavra de ordem.
Este é meu jeito de dizer: olhe, veja e viaje nas fotos da máquina da alegria. Mas se você esta de mal com a vida, tem mais um motivo pra correr atraz da fóbica de Dodô e Osmar.





















































Caixote da História 
 
por Jader Resende

A fotografia rouba, aprisiona e toca nossa alma.
Desde o primeiro caixote fotográfico medindo alguns metros quadrados no século XIX, a fotografia transformou a vida do homem. Essa fantástica estrovenga de retratar tem se aperfeiçoado constantemente, mantendo todo impacto de sua descoberta numa revolucionária atuação em tudo e todos.
O retrato da família depois de horas exposta numa chapa de vidro à luz do sol, a cena de uma paisagem inglesa numa atmosfera bucólica cheia de paz ainda ofuscada pela falta de nitidez técnica já demonstrava em 1888 essa grande invenção.
Hoje podemos folhear grossos e luxuosos álbuns com resoluções propiciada por tecnologia digital de altíssimo nível abrangendo vários temas: soldados mortos nas guerras, vitimas de campo de concentração, crianças, homens, mulheres, animais, plantas, transexuais, a aura humana, micro e macrocosmo, planetas distantes, sub-divisão do átomo, enfim tudo se torna permanentemente presente, acalentando-nos, rompendo fronteiras, enriquecendo e alimentando o espírito.
Sua precisão técnica ao registra momentos tristes, alegres, domésticos, científicos, jornalísticos ou artístico nos transporta para uma leitura onde o olhar determina um processo fundamental a vida e a recriação.
Hoje com o avanço a digitalização e a internete continuamos modificando também nossa criação e sua participação no nosso jeito de ser com suas cenas grotescas, cômicas, trágicas, denunciadoras nos envolve a fotografia nos tira de qualquer apatia ou comodismo.
Quando olhamos uma foto jornalística, podemos pensar que é um acaso oportunista devido a situação imprevisível. A pressão imposta pela necessidade diária de um flagrante, deixa o fotógrafo tenso, ansioso, o que favorece a procura inconsciente dos fatos. Mesmo assim, ele não deixa a arte e objetividade que seu ofício exige. Seu dia-a-dia é feito da preocupação em estar no local e hora certa, de ver o que não é (pré)visto, de fazer os outros sentirem o que ele próprio sentiu naquele fragmento de fração de segundo, quando usa toda parafernália técnica ao dispara o mecanismo de sua máquina fotográfica, para extrair daí sua arte – Farejar um flagrante se torna necessidade para sua criativa, humana e rápida arte, de interesse aos leitores diário.
Por habito seu raciocínio se adapta rapidamente a necessidade de um flagrante que poderá até mudar o rumo de uma história. Sua intuição fala alto, muitas vezes não percebe o risco que corre. A morte de repórteres fotográficos, cinegrafistas, não só mostra a importância da imagem como também da arte e é um fato vergonhoso para a humanidade que só faz evidenciar o pouco que conhecemos de nós mesmos.
Normalmente resulta de tão grandioso trabalho, o mínimo necessário a sua sobrevivência. Infelizmente não tem o stato de um fotografo de publicidade,
modas ou industrial o que considero injusto.
Cito os fotógrafos jornalísticos. Cito os fotógrafos jornalísticos pelas lembranças do tempo em que trabalhei como fotografo do jornal “A TARDE”.
O que muito significou para minha formação.


Rampa do mercado



























Matildes Matos

Percorrendo um caminho inverso ao dos artistas que buscam na fotografia inspiração para sua pintura, a câmara de Jader Resende é o seu pincel e suas tintas e com elas desafia a realidade. As fotos que compõem esta e tantas outras amostras revelam a percepção do pintor abstrato na função de formas e cores, na proposição metafísica de mostrar um espaço que se refere a outro, onde a imagem e superfície se fundem numa composição que transcendem a realidade da fotografia. Os motivos destas fotos são dois: Os carros do trio elétrico e a rampa do mercado modelo com seus personagens e saveiros. As fotos mais abstratas são a dos trio elétricos com detalhes da pinturas, das texturas e das engrenagens que nos remetem ao abstrato, os signos e palavras no trio afro reforçando a sugestão da pintura. A figura humana entra como medida para acentuar ao gigantismo do trio. Nas fotos dos desmontes dos trios, nos tons cinzentos da quarta feira, surgem enfileirados os banheiros da Prefeitura para o Carnaval e por trás deles, como abençoa-los, a torre delapidada da Igreja da Ajuda. Na Rampa do Mercado Modelo é evidente a empatia do fotógrafo/artista por tudo que envolve a rampa. Feitas nos anos 80, quando os saveiros ainda chegavam cheios de mercadorias do Recôncavo e das ilhas, são hoje fotos históricas. Ficou na fotografia sensível de Jader, um misto de poesia e encantamento, uma certa atmosfera de faz de conta, de que aquilo que se vê, não é. Algumas fotos de saveiro são puras abstração. Nas mais realistas há sempre a exploração de um ângulo novo, a fusão inusitada de elementos constantes ou a simples geometria de coisas prosaicas como os saquinhos de amendoim torrados empilhados, funcional bem na composição. Originais e bem resolvidas estas fotos revelam a visão e o humanismo do artista, no respeito como ele apresenta os motivos.













Mario Cravo Neto - Fotografo 
As imagens fotográficas do artista plástico Jader Resende que usa a fotografia como fonte de expressão plástica apresentam uma sensível caligrafia cromática, despojada de efeitos de trucagem e do uso de falsos elementos.
Digo Caligrafia cromática pois na maioria das imagens sobre o mesmo tema “A Rampa do Mercado” surgem com singularidade e despojamento, elementos de prôa, detalhes de sua fachada e por vezes o homem integrando-se aos reflexos do elemento líquido quando projetados, provocando estranhas combinações de cores e formas – sutil elaboração de um artista em frente a natureza humana. A fotografia existe no traço do visionário que a enquadra de acordo com seu domínio técnico e suas exigências formais.
A meticulosa busca de detalhes desta natureza situa o artista frente a vida e sua sensibilidade poética.

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