quinta-feira, 23 de maio de 2013

Carlos Tautz: O BNDES e nós, os perdedores nacionais

 

 

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Mas, e o trabalhador com isso?


O BNDES e nós, os perdedores nacionais


*Carlos Tautz
Tão sem nexo quanto começou, em 2008, a política do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de criar e financiar grandes grupos econômicos no Brasil para competir internacionalmente – as chamadas de “campeães nacionais” – teve sua extinção anunciada, há algumas semanas pelo presidente do Banco, Luciano Coutinho. Ao desrespeitado público, que financiou esta política através de generosos subsídios do Tesouro Nacional e do Fundo de Amparo ao Trabalhador, não foi explicado nem porque a política começou, nem a que se deveu o seu fim.
Se algumas corporações lucraram muito – entre elas, a Totvs, a Vale, a Friboi, a Oi, a Fibria e o Marfrig -, nós, o povo brasileiro, nada ganhamos com esse uso intensivo e sem transparência dos recursos públicos (o jornal O Estado de São Paulo estimou que as Campeãs embolsaram perto de R$ 18 bilhões). Servimos apenas para emprestar barato o dinheiro que nos é compulsoriamente retirado de nossos salários. Sequer tivemos direito àqueles balanços escritos em economês tecnocrático, feitos para ninguém entender. Se as corporações foram as campeães, nós, o povo brasileiro, somos os verdadeiros perdedores nacionais.
Após seis anos da política de incentivo às campeães, o criador da tese campeã, o economista, professor universitário, ex-sócio da consultoria LCA e, desde meados de 2007, presidente do Banco, Luciano Coutinho, serviu-se de longa entrevista ao Estadão para laconicamente decretar a morte dos empréstimos às empresas vitoriosas – todas do setor de commodities e/ou produtos primários. Com uma ou outra exceção (como a Totvs, da área de informática), todas escolhidas a dedo.
“É uma política que tinha méritos e chegou até onde poderia ir”, desconversou. O número de setores com potencial de desenvolver líderes globais é ‘limitado’, essa agenda foi concluída, admitiu tardiamente ao jornal paulista o presidente do Banco.
É necessária muito mais informação do que simplesmente isso, presidente. O BNDES, além de operar dinheiro público – o que, pela Constituição brasileira, impõe severas regras de transparência, exatamente o que o seu Banco não tem – tem importância central na economia do País. É responsável por 20% de todo o crédito no Brasil. Seu orçamento anual é cerca de duas vezes o do Banco Mundial (alcançou 72 bilhões de dólares em 2012). Nenhuma grande obra no Brasil – pública ou provada – viabiliza-se sem o financiamento do BNDES. Merecemos mais respeito, portanto. Se não porque, supostamente, há nesse País um império das leis, e em primeiro lular a Constituição, mas, porque, também, somos todos sócios do banco que o Sr. Dirige.
Assim, de desconversa em desconversa, Coutinho manteve sem resposta os críticos da política que inventou. Um deles é o sociólogo Chico de Oliveira, professor emérito da USP, que costuma perguntar: de que adianta para a sociedade o País sediar a JBS/Friboi (criada com alguns bilhões do BNDES, que ainda tem cerca de 30% de seu capital votante), e torná-la a maior exportadora mundial de proteína animal? O que os círculos inferiores da economia (para usar uma expressão do memorável geógrafo Milton Santos) ganham com o despejo de tanto dinheiro público em tão poucos grupos, que agregam muito pouco valor aos seus produtos e concentram ainda mais a já extremamente concentrada renda brasileira?
Para os maiores acionistas das empresas, ter capacidade de produção e exportação delas aumentada com subsídio público foi um ótimo negócio. De fato, ganharam músculos para competir nos mercados internacionais. Mas, nada garante que eles se mantenham “verdes e amarelos”, nem que seus ganhos sejam distribuídos ao conjunto da sociedade.
Afinal, o BNDES, apesar de utilizar dinheiro público, não exige qualquer contrapartida para manter no Brasil o controle das empresas que financia. Quem ofertar mais, leva as “nossas” campeães para qualquer país. E, mesmo quando minimamente exige que, em caso de venda do controle de alguma de suas financiadas, tenha o direito de aprovar ou rejeitar o negócio, o Banco é leniente em fazer valer essa cláusula contratual.
Como exemplo, cite-se o caso da megasiderúrgica TKCSA, instalada a ferro e fogo no paupérrimo bairro carioca de Santa Cruz, que tem um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano da cidade. A alemã Thyssen Krupp, que detém 73% do projeto (os outros 27% pertencem à Vale), está em péssima situação financeira e procura comprador para sua parte no projeto. O BNDES, que financiou com cerca de R$ 2,4 bilhões a usina e tem poder de veto na negociação, empurra com a barriga a definição de um novo comprador.
O Banco poderia jogar aí um papel que justificasse o fato de ele carregar em seu nome a palavra desenvolvimento, mas se abstém de assumir um papel nesse sentido. Este projeto, a propósito, tem uma série de outras ilegalidades, desde as denúncias de utilização de milícias para transportar e controlar os funcionários e ameaçar pescadores que se opuseram à obra, à falta de Licença de Operação, o que deveria ter suspendido o financiamento do Banco desde 2010). Todo mundo fecha os olhos para isso: o próprio Banco, os Ministérios Públicos do Rio e Federal (que já foram fartamente notificados da situação por organizações da sociedade civil) e, principalmente, o Inea, a agência ambiental do Estado, chefiada pelo ex-ambientalista Carlos Minc.
Em verdade, a estimativa do jornalão paulista de que o BNDES teria gasto R$ 18 bilhões na aposta perdedora de Coutinho parece estar muito aquém do que de fato a instituição financeira pública aportou nos maiores grupos econômicos brasileiros. A rigor, não há qualquer política operacional, normativa, estudo do BNDES, ou que seja: nada define o que é o apoio a uma campeã, a não ser o poder discricionário da diretoria capitaneada por Coutinho, ex-frequentador do Cebrap, aquela organização da qual saiu Fernando Henrique Cardoso.
Tudo se baseia numa tese que ele próprio defendia nas salas de aula da Unicamp e que passou a propor na consultoria LCA aos maiores conglomerados empresariais do País – os mesmos que agora tomam vultosos empréstimos do BNDES, tendo Coutinho à frente do Banco. LCA é a consultoria fundada por Luciano e outros economistas, quase todos tucanos, da qual formalmente se desligou em 2007 para assumir o BNDES.
Todos setores econômicos escolhidos para receber os apoios campeões do Banco são reconhecidos por agregarem pouco valor aos seus produtos, por lidarem com commodities e/ou produtos primários e, internacionalmente, caracterizam-se por ter sua governança concentrada em conglomerados sediados em países no hemisfério norte – ou seja, mercados cuja flutuação pode levar à bancarrota o País que neles baseia suas economias. É o caso da celulose, dos grãos, de minério de ferro, carnes, exportação de petróleo, entre outros. Até hoje, o BNDES não contribuiu com um centavo sequer para o Brasil sair deles e escapar dessa bomba de efeito retardado.
A rigor, qualquer área poderia ser entendida como receptora dos aportes campeões como subsídio para disputar o mercado internacional. Até o conglomerado de Eike Batista, que apesar das notícias de situação difícil, poderia ser enquadrado como um Campeão em potencial – na época em que o moço tinha sucesso na construção de um consenso positivo em torno de sua figura. Em maio, Eike ganhou do BNDES R$ 935 milhões para apoiar a mineradora MMX na construção do porto Sudeste, no município fluminense de Itaguaí, região metropolitana do Rio.
O BNDES é central à economia Brasileira e se configura como um instrumento necessário à condução autônoma da economia brasileira. Mas, do jeito que é operado, o BNDES contraria a maior parte dos interesses da sociedade. Contribui para concentrar renda e nem precisa ser formalmente privatizado, como sempre planejaram tucanos e a Febraban. Sua própria lógica de operação é feita para carrear e concentrar massivos e crescentes recursos públicos nas mãos de grandes agentes privados, sem qualquer transparência, bem à moda dessa Política de campeãs nacionais.

*Jornalista, coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e controle cidadão de governos e empresas.


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