sábado, 25 de maio de 2013

Uma Palestina portuguesa



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Este ano marca o centenário de um esforço esquecido para construir uma pátria judaica na vasta colónia portuguesa de Angola. Adam Rovner descreve esta tentativa pouco conhecida de criar uma Sião em África.


No Outono de 1902, o Dr. Theodor Herzl (1860-1904), autor austro-húngaro e profeta do moderno sionismo político, frequentava os corredores do poder em Whitehall. Graças, em parte, aos esforços do seu amigo, o autor inglês judeu Israel Zangwill (1864-1926), Herzl conheceu o secretário de estado para as colónias Joseph Chamberlain, que mostrou simpatia pelas aspirações nacionalistas dos judeus. Em Abril de 1903 os dois voltaram a encontrar-se depois de Chamberlain ter regressado duma visita às colónias britânicas em África, semanas depois dos ataques, apoiados pelo estado, contra judeus na Rússia czarista terem chocado o mundo. Chamberlain fixou Herzl no seu monóculo e ofereceu-se para ajudar os perseguidos. ‘Encontrei uma terra para si nas minhas viagens’, Herzl ouviu-o dizer, registando o relato da sua viagem de combóio no país que é hoje o Quénia, ‘e pensei para comigo, esta seria uma terra para o Dr. Herzl’. Embora Herzl tenha inicialmente encarado com frieza a proposta, reconheceu a sua importância. A nação mais poderosa do mundo reconhecera a organização sionista com seis anos de existência enquanto instrumento do nacionalismo judaico e oferecia uma terra sob protecção do Império Britânico.
O delegado de Herzl em Londres continuou a negociar com Chamberlain no que, erradamente, veio a chamar-se ‘Plano do Uganda’. Em meados desse Verão tinham chegado a acordo quanto a um esboço de mapa para uma colónia autónoma no protectorado da África Oriental. O advogado e Membro do Parlamento David Lloyd George elaborou o documento. Herzl anunciou a proposta na abertura do VI Congresso Sionista em Basileia a 23 de Agosto de 1903. De acordo com o relatório estenográfico do Congresso, a notícia foi recebida com ruidoso aplauso e Zangwill anunciou de forma triunfante: ‘Três vivas à Inglaterra’. Um apoiante reconheceu que o Vale do Rift começava na África Oriental e acabava na Palestina, ligando assim a pátria bíblica, ainda que de forma ténue, ao território britânico oferecido. Mas Herzl admitiu num discurso ao Congresso que a planeada ‘Nova Palestina’ em África não poderia substituir Sião. Ainda assim, considerou urgente uma exploração do território.
Uma comissão sionista constituída por três membros rumou a África em Dezembro de 1904. Herzl já não viu a expedição partir. Sofrera um ataque cardíaco fatal cinco meses antes. Quando a comissão regressou, os seus membros publicaram um relatório globalmente negativo sobre as possibilidades de estabelecer uma colónia no planalto de Guas Ngishu no Quénia ocidental. O VII Congresso reuniu em Basileia em 1905 para discutir as conclusões pessimistas. Zangwill ainda defendia a aceitação de uma suserania britânica sobre um território judaico na África oriental, mas, sem a liderança de Herzl, a maioria dos delegados opunha-se agora. Numa tensa sessão de emergência, Zangwill e os seus aliados não conseguiram reunir os votos necessários para dar continuidade ao plano. ‘Se declinarmos o projecto da África oriental’, avisou Zangwill, ‘iremos experimentar o alívio que se tem quando se remove um dente que nos dói. Mas iremos reparar, tarde demais, que era o nosso último dente!’
Amargurado, Zangwill separou-se do que considerava ser um sionismo desdentado. Constituiu um grupo rival popular internacional, a Organização Territorial Judaica, conhecida pelo seu acrónimo ITO. O patriota Zangwill acreditava que o movimento sionista havia desprezado o Governo de Sua Majestade e rejeitara a visão universalista de Herzl do nacionalismo judaico. Também estava convencido de que os habitantes árabes da Palestina Otomana constituíam um grande obstáculo à recolonização das ancestrais terras judaicas. Em vez disso, a plataforma ITO propunha o estabelecimento de uma ‘grande pátria de refúgio judaica’ noutro lugar do mundo, de preferência sob administração britânica. Zangwill referia-se a estado de fantasia em papel como ‘Terra ITO.’ Continuou a procurar uma terra ITO na África oriental, mas também considerou a Austrália, Líbia e Mesopotâmia (Iraque).
Em 1907, a agitação incansável pela causa da ITO chamou a atenção de um engenheiro e veterano da Guerra dos Bóeres, John Norton-Griffiths (1871-1930), conhecido popularmente como ‘Empire Jack’ pela sua visão ultra-imperialista. Norton-Griffiths firmou um contracto para a construção de uma linha férrea que se estenderia do porto angolano de Lobito até às terras altas do planalto de Benguela, em direcção ao Leste, até ao ponto desolador do que os portugueses chamaram ‘o fim do mundo’, e depois em direcção a Norte, através dos campos ricos em cobre. Norton-Griffiths notificou os representantes da ITO de que os portugueses em Angola punham as necessidades dos ‘colonos brancos’ em primeiro lugar e ele estava certo de que a ‘melhor’ e ‘mais apropriada’ parte de ‘toda a África’ para uma colónia judaica era Angola. Mas Zangwill rejeitou a ideia, receando que os ‘quatro milhões de negros’ que se estimava aqui viverem ‘impedissem qualquer verdadeira colonização, fazendo todo o trabalho sujo’. Para Zangwill, a colonização agrícola e industrial, fosse na Palestina, em Angola ou em qualquer outra parte, deveria ser orientada para a auto-suficiência, não para a exploração.
Sem nenhuma terra ITO no horizonte, Zangwill começou a trabalhar com um banqueiro norte-americano, Jacob Schiff, num plano ambicioso para restabelecer os judeus russos na parte ocidental dos EUA. Entre 1907 e 1914, aproximadamente 7 400 imigrantes partiram de facto a caminho do Ocidente, por Galveston, Texas. Entretanto, Zangwill obtivera enorme sucesso nos EUA com a sua peça The Melting Pot (1908), que popularizou a metáfora da cultura multi-étnica dos EUA. Zangwill declarou no posfácio a edições da sua peça que a sua composição fora inspirada pelas suas tentativas frustradas de encontrar uma terra ITO. Então, depois de anos de desilusão, a ITO recebeu uma carta, em Março de 1912, escrita em francês por um judeu russo que trabalhava para o ministro da agricultura português. O correspondente desconhecido, Wolf Terló, delineou o seu plano para estabelecer ‘os nossos pobres irmãos [judeus]’ nas saudáveis terras altas de Angola, onde cada família de colonos receberia, livre de impostos, 500 hectares (aproximadamente 5 Km2) de terra. Terló afirmava que a sua proposta tinha o apoio de parlamentares e ministros do governo em posições chave na jovem República Portuguesa, com tendências de esquerda.
Depois de uma troca de correspondência, a ITO enviou uma delegação a Lisboa chefiada pelo jurista russo Jacob Teilel. Homem de muitas contradições, o brilhante Teilel era o último juiz judeu sob o governo czarista, sendo no entanto amigo de radicais políticos como Vladimir Lenine e Máximo Gorky. O filho de Teitel conhecera Terló em Roma e descobrira que as suas famílias eram remotamente ligadas. Terló convidou então o seu ilustre parente para vir a Lisboa. Quando os apoiantes da ITO souberam das futuras viagens à Europa de Teitel, pediram-lhe que avaliasse o misterioso carácter de Terló e a seriedade da sua proposta. Na altura, Terló era um anafado funcionário público que rondava os 40 anos. Depois de os judeus terem sido expulsos de Moscovo em 1891, Terló viajara até Jafa e matriculara-se numa escola agrícola. Mais tarde, estudou vinicultura em Bordéus e depois de muito vaguear, fixou-se em Lisboa em 1904. Aí organizou um conselho enológico e encontrou emprego no Ministério da Agricultura. A sinceridade de Terló no trabalho para minorar o sofrimento dos judeus russos era apenas igualada pela sua confusão em relação aos objectivos conflituosos do sionismo e dos apoiantes da ITO. Terló abordara a Agência Central Sionista em Berlim relativamente à sua ideia sobre Angola. Reconheceram o significado da vontade de Portugal ceder território para a imigração em massa de judeus, mas recusaram as propostas de Terló. Ainda assim, os sionistas de Berlim corresponderam-se com Terló até 1912, continuando a pressioná-lo para obter informação interna quanto aos desígnios da ITO para a colónia.
Em Lisboa, Teitel encontrou, em casa de Terló, um grande mapa de Angola pendurado na parede. Também aí conheceu o colega de Terló na proposta, o Dr. Alfredo Bensaúde (1856-1941). Bensaúde era um cientista de craveira, fundador e director do Instituto Superior Técnico e herdeiro de uma família judia dos Açores. O enérgico Terló e o influente Bensaúde conseguiram empurrar um conjunto de políticos portugueses para a causa do estabelecimento de uma colónia judaica em Angola. Rapidamente se seguiu uma cobertura jornalística favorável. Em Maio, representantes da câmara baixa do parlamento português, a câmara dos deputados, debateram activamente a ideia. Teitel examinou o plano de Terló e Bensaúde e chegou à conclusão que ‘cinco ou seis centenas de milhares’ de judeus poderiam colonizar as terras altas da província angolana de Benguela. ‘Eu ficaria feliz’, disse aos jornalistas, ‘se os últimos anos da minha vida fossem dedicados a esta causa’.
Assim encorajado, Zangwill conseguiu duas longas entrevistas com Sir Arthur Hardinge, ministro britânico em Portugal. Por coincidência, Hardinge servira como comissário no protectorado da África oriental pouco antes de Chamberlain aí ter oferecido território aos sionistas. Ele já conhecia bem os esforços gorados de uma colonização judaica em África e estava céptico em relação aos planos da ITO. Hardinge relatou ao seu superior, o Secretário dos Estrangeiros Sir Edward Grey (1862-1933) que ficara ‘surpreendido que a ideia pudesse ser recuperada … mas as discussões prévias mostraram que Mr. Zingwill e os seus amigos não eram de modo algum pessoas práticas.’ Num dado momento, Zangwill questionou Hardinge sobre os ‘negócios secretos anglo-germânicos … a respeito das colónias portuguesas em África’, mas o diplomata rapidamente ‘dirigiu a conversa para outros assuntos’. Zangwill aludia a um acordo secreto de 1898 para dividir as colónias portuguesas entre a Inglaterra e a Alemanha. As duas potências procuraram uma reconciliação nos anos anteriores à I Guerra Mundial e os seus esforços centraram-se numa renegociação com benefício mútuo do acordo de 1898. Zangwill argumentou que Portugal, endividado e instável depois da queda da monarquia em 1910, procurava manter Angola com a ajuda dos colonos judaicos que protegeriam a integridade da colónia para a metrópole. No entanto, receava que, caso o domínio português fosse derrubado, a sua terra ITO cairia nas mãos dos alemães nos termos das convenções secretas então debatidas. O sonho de Zangwill de uma Sião africana trazia tanto perigo como esperança.
A 20 de Julho de 1912, a Câmara dos Deputados portuguesa aprovou a versão final da Lei 159 que autorizava concessões a colonos judaicos. Os seus artigos indicam claramente a intenção da República de usar a imigração judaica para consolidar o domínio sobre Angola. Os colonos que quisessem estabelecer-se no planalto de Benguela tornar-se-iam imediatamente cidadãos portugueses no porto de entrada mediante pagamento de um valor nominal. Enquanto este aspecto da lei teria apelado a refugiados judeus em condições de pobreza, outros artigos parecem designados a desencorajar a emigração. Nenhuma ‘sociedade benevolente’ encarregada da colonização (como a ITO) poderia ter um ‘carácter religioso’ e o português deveria ser a língua exclusiva da instrução em quaisquer escolas que os colonos judeus construissem.
Zangwill e os delegados da ITA reuniram-se em Viena para discutir as concessões portuguesas. Eles sabiam que as cláusulas restritivas da lei impediriam o estabelecimento de uma colónia exclusivamente judaica. Depois de muita discussão, a ITO enviou por cabo a sua respeitosa rejeição da oferta para a Câmara dos Deputados, mantendo entretanto a possibilidade de continuação das negociações. Quando Hardinge soube da decisão da ITO, relatou a Grey que ‘a não ser que o governo português (o que é pouco provável) atribuísse grandes poderes políticos à nova colónia judaica, Mr. Zangwill e os seus amigos não crêem que a oferta valha a pena’. Mas Hardinge não mencionou, ou não sabia, que a ITO tinha votado unanimemente o envio de uma expedição a Angola para examinar a região proposta para colonização judaica.
Zangwill contratou um dos mais distintos cientistas-exploradores do seu tempo, John Walter Gregory (1864-1932) para levar a comissão da ITO ao planalto de Benguela. Gregory, geólogo e fellow da Royal Society, cunhara o termo ‘Rift Valley’ e viajara pela Líbia em 1908 em representação da ITO. Embora não fosse judeu, Gregory estivera associado com a ITO desde a sua fundação. A sua mulher e a mulher de Zangwill, a sufragista Edith Ayrton (1875-1945), eram primas com uma relação próxima e, assim, foi confiado a Gregory analisar a terra ITO proposta em Angola. Gregory incluiu na expedição o seu amigo, Dr. Charles J. Martin, chefe do Instituto Lister para a Medicina Preventiva em Londres. Na noite de 16 de Julho de 1912, Gregory formalizou o seu acordo com Zangwill e na manhã seguinte escreveu a um contacto no Colonial Office para perguntar: “(1) se há quaisquer considerações políticas que impeçam o estabelecimento de uma colónia judaica nos planaltos angolanos. (2) Se há alguma área que devamos evitar ou que devamos escolher por ser mais segura”.
A carta de Gregory foi reencaminhada para o Foreign Office, onde ele encontrou um secretário-adjunto e lhe deu uma descrição dos planos da ITA para ‘formar uma larga colónia de judeus que poderiam viver juntos e preservar os seus ritos religiosos e sociais em liberdade’. Gregory pediu cartas de apresentação para Hardinge em Lisboa e para os funcionários do Consulado Britânico em Angola. Em troca, ofereceu-se para ‘manter qualquer informação que pudesse ser útil’ ao Governo Britânico durante as suas viagens à colónia. Mas Grey indeferiu o pedido, indicando que o plano para Angola era estritamente um assunto interno para o Governo Português.
O Foreign Office estava compreensivelmente relutante a envolver o governo de Sua Majestade em assuntos coloniais portugueses. Enquanto a ITO concentrava os seus esforços em Angola, o Foreign Office envolveu-se numa disputa pública com a British Anti-Slavery Society, que acusava o facto de os angolanos serem sujeitos a trabalhos forçados que equivaliam a escravatura. Estes trabalhadores forçados (serviçais) labutavam sob condições miseráveis em plantações de cacau na ilha de São Tomé no Golfo da Guiné. As autoridades britânicas estavam ao corrente dos abusos e da incapacidade por parte de Portugal em pôr-lhes cobro, mas uma série de livros, panfletos e revelações deram a conhecer a desgraça dos serviçais ao público e criaram um escândalo diplomático. Zangwill conhecia o registo vergonhoso de Portugal no que respeitava a escravatura e prometeu a um confidente da ITO preocupado com o assunto que ‘se formos [para Angola] deveremos esperar evitar estas condições’. Também escreveu a Bensaúde para dizer que uma iniciativa bem-sucedida da ITO ajudaria a dissipar a publicidade negativa que Portugal recebeu na imprensa britânica. Zangwill deve ter esperado que um apelo ao patriotismo de Bensaúde providenciasse o momento de submeter uma versão mais atraente da Lei 159 para aprovação parlamentar. Desta vez Zangwill apoiava-se em Bensaúde como seu negociador, receando que o apoio declarado e público de Terló ao plano prejudicasse a causa da ITO.
Os próprios angolanos estavam bem cientes dos planos para trazer os judeus ao seu território. Na capital costeira Benguela, com a sua imponente arquitectura portuguesa e avenidas largas com eucaliptos alinhados, vivia uma elite que receberia de bom grado a perspectiva de judeus a povoar a província. Uma série de artigos da autoria do escritor mais destacado da época, Augusto Bastos (1872-1936), um filho da terra, foi publicada no semanário Jornal de Benguela durante mais de um ano. Ele garantiu aos leitores que os colonos judeus não ameaçariam a soberania portuguesa porque não teriam ‘canhões e um exército por trás deles’. Depois insistiu junto dos legisladores portugueses para que alterassem os termos da lei colonial para que se tornasse mais apelativa para os judeus. Bastos saudou a chegada de Gregory e Martin, acreditando que ‘depressa estariam convencidos’ de que não havia melhor lugar do que o planalto de Benguela para estabelecer uma morada para os ‘[judeus] perseguidos da Rússia’.
Logo depois de Gregory e Martin terem chegado a Lobito, o fim da linha férrea de Benguela, a 22 de Agosto de 1912, rumaram até ao interior. A sua caravana consistia de 32 nativos, um chefe, um campista e mais quatro ajudantes. Ao todo, passaram cinco semanas a inspeccionar o planalto, viajando mais de 1 600 km de combóio, vagão e a pé. Gregory anotou no seu relatório publicado da ITO que laranjas, bananas e café floresciam e que ‘verduras europeias cresciam abundantemente’. Também encontrou ‘madeira em quantidade para a construção’ e para combustível. O Dr. Martin considerou as terras altas ‘notavelmente livres de doenças tropicais’ e que possuíam ‘um óptimo clima’ no qual o ‘europeu médio’ poderia manter uma ‘vida confortável e saudável’. Sobre o planalto de Benguela, Gregory concluiu:
“Em virtude de ser uma terra salubre, fértil e atractiva, e à facilidade com que poderá ser adquirida e desenvolvida, não parece haver razão, caso o Governo Português garanta uma concessão razoável, para não estabelecer colónias europeias com sucesso.”
O relatório de Gregory era intencionalmente vago quanto à região exacta que deveria ser colonizada. Mas num memorando ‘altamente confidencial’ escrito a bordo, enquanto viajava para Inglaterra logo após ter regressado da sua aventura angolana, ele recomendava que Zangwill pedisse aos portugueses 13 000 km2 de terra que incluíssem a cidade de Bailundo e o vale do rio Cutato a nordeste de Huambo. Hoje, a região que Gregory secretamente escolheu para pátria judaica é o celeiro de Angola, apesar dos campos de minas e os destroços de tanques que ainda mancham uma paisagem deformada por décadas de guerra civil.
Zangwill encontrou Gregory e Martin a 22 de Outubro de 1912, cinco dias depois de terem desembarcado em Southampton. Uma vez convicto da exequibilidade de fundar uma terra ITO angolana, escreveu ao proeminente banqueiro e líder da comunidade judaica Leopold de Rothchild. Zangwill avançou a ideia de estabelecer uma companhia de desenvolvimento de Angola que, defendia, atrairia o dobro do capital da ‘[Cecil] Rhodes, que impulsionou a Rodésia’. Também sugeriu que a ITO, com a ajuda de Rothchild, poderia trazer uma reaproximação há muito desejada entre a Inglaterra e a Alemanha. Um dos comissários geográficos da ITO, o homem de negócios e patrono das artes James Simon, era íntimo do Kaiser, disse Zangwill a Rothchild: ‘E parece que assim ficaremos com um instrumento nas mãos … para aproximar a Inglaterra e a Alemanha’. Uma pátria judaica em África, acreditava Zangwill, poderia servir a causa da paz na Europa. Rothchild, contudo, não ficou impressionado.
Bensaúde, Zangwill e Gregory continuaram no entanto a promover o plano e, a 29 de Junho de 1913, o Senado português reviu e aprovou concessões para o estabelecimento de judeus. Gregory disse com optimismo aos repórteres que a linha férrea de Benguela acabaria por fazer a ligação com a linha projectada Cidade do Cabo / Cairo e assim ‘ligar Angola à Europa’. Zangwill insistiu com a imprensa que Angola representava a melhor oportunidade para atingir as ambições de Herzl de um estado judaico ‘porque [Angola] não tem influência cristã, como a Palestina, nem uma população árabe como a Palestina’. Quanto a Bensaúde, manteve a pressão sobre os seus contactos internos no governo, dando a entender a Zangwill que o ‘governo [português] está disposto a passar por cima do parlamento e fazer uma concessão de acordo com a perspectiva do Professor Gregory, desde que [a ITO] tenha o capital adequado’. Mas o dinheiro não foi adiantado. Bensaúde lamentou ‘infinitamente que as sociedades que se dedicam a este problema não possam ou não queiram conduzir este caso como ele deveria ser conduzido’. Também Zangwill estava perturbado com a falta de visão dos homens de finanças judeus que recusaram criar uma empresa para desenvolvimento da terra que ‘pudesse dar a milhares, eventualmente a milhões de judeus um lar’. Sem território, a ITO não poderia obter capital e sem capital não poderia obter um território. O ímpeto esmoreceu por falta de finanças e o necessário voto final no plano de colonização por parte de ambas as câmaras de Portugal nunca se materializou.
Por finais de 1913, muitos dos simpatizantes de Zangwill na ITO tinham-se voltado contra a proposta. Um antigo aliado escreveu-lhe dizendo que ‘a futura nação judaica será mais provavelmente um sucessor condigno da terra que produziu a Lei e os Profetas se for … na Palestina, do que se surgir num cadinho cultural em Angola’. A perspicaz referência à famosa peça de Zangwill [1] está ao nível da ironia do seu autor, embora seja duvidoso que ele a tenha apreciado. Zangwill viu a rejeição de Angola pelos milionários judeus e colegas na ITO como um ‘erro não menos trágico’ que a recusa da terra na África oriental, aproximadamente uma década antes. ‘Ela mostra’, concluiu num ressentido memorando à ITO, ‘que os judeus preferem estar sem terra e sem poder’. O contacto com Bensaúde arrastou-se até ao Verão de 1914, antes de rebentar a I Guerra Mundial. No mesmo dia em que as primeiras nuvens de gás tóxico foram emitidas sobre os aliados, a 22 de Abril de 1915, um desmoralizado Zangwill confidenciou a Gregory que a ITO chegara efectivamente ao fim: ‘Não posso fingir que reste muita esperança numa terra da ITO num mundo privado da Razão e do Amor’.
O plano angolano fora a última e melhor oportunidade da ITO para estabelecer uma solução territorial para a condição sem pátria dos judeus. E Zangwill nunca o esqueceu, mesmo depois da Declaração de Balfour, emitida durante o mandato de Lloyd George, ter sublinhado o apoio para ‘o estabelecimento na Palestina de uma pátria para o povo judeu’. Zangwill resumiu os erros da ITO nas páginas da influente Fortnightly Review, dois anos mais tarde. A história judaica, concluiu, ‘é uma história de oportunidades perdidas’. Vivesse Zangwill tempo suficiente para ver as nações livre do mundo fechar as suas portas aos judeus que fugiam ao Reich de Hitler e o seu severo veredicto teria certamente sido temperado com uma dor profunda pelo facto da sua Sião Angolana nunca ter firmado raízes no fértil planalto de Benguela. 


*Publicado na History Today, vol. 62, nº 12, 2012
Adam Rovner é Professor Assistente de Literatura Inglesa e Judaica na Universidade de Denver. É autor de Promised Lands: The Global Search for a Jewish Home (New York University Press), no prelo. 
 
Notas da tradução:
[1] “Cadinho cultural”, no original ‘Melting Pot’, alusão à obra de Zangwill, referida em parágrafo anterior.

Tradução de André Rodrigues P. da Silva 


 

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