sábado, 5 de abril de 2014

Momento inimaginável: Internacional cantada no antigo DOI-Codi



buscado no VIOMUNDO


por Artur Scavone, encaminhados via e-mail




Internacional é entoada no antigo DOI-Codi paulista em ato contra torturadores

Ativistas de direitos humanos e ex-presos políticos lotaram o pátio do local onde ainda hoje funciona uma delegacia de polícia

Por Lúcia Rodrigues, especial para o Viomundo

50 anos após o golpe militar que perseguiu, prendeu, torturou, matou e desapareceu com os corpos de centenas de ativistas de esquerda durante a ditadura, a internacional, hino comunista, ecoou na manhã desta segunda-feira, 31, no pátio onde funcionou o antigo DOI-Codi de São Paulo, o principal centro de torturas do país, no ato que exigiu a punição dos torturadores e financiadores da repressão.
Dezenas de ex-presos políticos que tiveram o grito sufocado nas sessões de tortura, puderam cantar a plenos pulmões a canção que silenciaram durante os Anos de Chumbo, junto com aproximadamente duas mil pessoas que compareceram à manifestação.
Do lado oposto do pátio que dava acesso às celas e salas de tortura, a ex-guerrilheira do Araguaia, Criméia Almeida, torturada pessoalmente pelo então comandante do DOI, Carlos Alberto Brilhante Ustra, quando estava grávida de sete meses, contemplava o local onde ficou presa. “Foi ali, naquela janela da esquerda, que eu fiquei”, afirma recordando o inferno que viveu.

Vitória da resistência
Apesar do sofrimento, Criméia considera que o ato desta segunda, em repúdio ao golpe, foi uma vitória daqueles que lutaram contra a ditadura. “Apesar de ser um lugar de muitas memórias tristes (ela viu o companheiro de partido, Carlos Nicolau Danielli, ser assassinado sob tortura), a sensação, hoje, é muito boa. Com muito sacrifício ocupamos este espaço. É sem dúvida uma vitória”, enfatiza.
O presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, deputado Adriano Diogo (PT-SP), organizador da manifestação, também foi pessoalmente torturado pelo coronel do Exército, Brilhante Ustra. Ele ficou preso três meses no centro de tortura. No dia em que chegou ao DOI-Codi haviam acabado de matar seu colega de classe na Geologia da USP, Alexandre Vannuchi Leme.
“Este lugar é macabro. É uma desfaçatez que ainda hoje funcione uma delegacia neste local. Foi importante os sobreviventes virem até aqui. É uma demonstração de muita coragem”, afirma ao se referir às torturas que todos que passaram por ali sofreram.
Na leitura do manifesto Ditadura Nunca Mais, Adriano defendeu a revisão da Lei de Anistia. De acordo com ele, a manutenção do entulho autoritário permite que a polícia continue agindo de forma truculenta até hoje. “A Lei de Anistia é a pedra de toque da impunidade. A Comissão Nacional da Verdade devia fazer um relatório dizendo: Reveja-se a Lei de Anistia”, explica.
No ato desta segunda não houve discursos, as manifestações foram substituídas por intervenções artísticas. A atriz Fernanda Azevedo, que ganhou recentemente o Prêmio Shell de Melhor Atriz, compareceu ao evento e apresentou parte de sua peça Morro Como Um País, que está em cartaz em São Paulo. No trecho encenado, Fernanda apresenta o diálogo do general Geisel com um colega de farda reconhecendo a tortura e a morte de ativistas como uma necessidade do regime.

Assassinos
Todos os ex-presos políticos mortos no DOI-Codi paulista foram lembrados no ato. A cada nome citado, a plateia repetia: Presente. Os torturadores também não foram esquecidos por quem sofreu nas mãos deles. A cada nome de um agente da repressão, gritos de assassino ecoavam e invadiam a delegacia de polícia.
Bem perto dali, no Comando Militar do Sudeste, o palanque onde sempre se comemoraram todos os aniversários do golpe militar estava vazio. Do lado de fora, na calçada do quartel do Ibirapuera, uma dezena de integrantes da Marcha da Família pediam a volta dos militares em cartazes de cartolina e ao som do hino nacional tocado do alto de um potente carro de som.

Fotos Lúcia Rodrigues



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